Mal da Saúde não é só falta de verba: sistema sofre com problemas de gestão

BRASÍLIA – Eterna plataforma de políticos em campanha eleitoral, o resgate da saúde pública no Brasil não exige só a ampliação dos recursos públicos para o setor, revela auditoria do Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus). A investigação, que analisou dados de 2006 e 2007, detectou estados que cumpriam o limite mínimo de investimentos previsto pela Emenda 29 à Constituição, mas conviviam com um quadro assustador de mortes que poderiam ser facilmente evitadas com prevenção. Em outros casos, a falta de assistência básica foi agravada pelo abandono dos sistemas de vigilância epidemiológica e sanitária. ( Veja o vídeo com a análise do presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro )

Menor estado brasileiro, com 21 mil quilômetros quadrados e população de pouco mais de dois milhões de habitantes, Sergipe integra a modesta lista de nove, entre 27 unidades da Federação, que seguiram a Constituição e investiram 12% da arrecadação em saúde. Mas, segundo o Denasus, o percentual de 12,2% não se refletiu em avanços no setor.

De 2004 e 2007, enquanto ocorria em Sergipe um “injustificável descumprimento de carga horária de médicos e enfermeiros pagos pelo SUS”, 776 bebês com menos de 1 ano morreram de diarreia, pneumonia e desnutrição. A secretária de Saúde de Sergipe, Mônica Sampaio, afirmou que a demanda por médicos no estado é “maior do que a oferta”. Ela frisou a dificuldade para que os profissionais atendam pelo SUS em cidades do interior. A respeito dos óbitos evitáveis, diz que a mortalidade infantil no estado caiu 21,6% de 2006 a 2009 devido às políticas adotadas.

– A incidência (dos óbitos) tem como causa os baixos níveis socioeconômicos da população e a falta de acesso a serviços básicos – disse.

“A saúde básica fica em segundo plano”
O mesmo dilema vive a população da Região Norte. Encravados na floresta, que transforma em epopeia a viagem do interior às capitais para aquisição de remédios de alto custo, os cinco estados da Amazônia aplicaram 12% da arrecadação em saúde em 2006 e 2007. Só que, na média, dispensaram à população o pior atendimento do país. A situação se agrava pela limitação de acesso às comunidades indígenas e ribeirinhas.

Segundo os auditores, as deficiências no Pará, que ficou no limite da lei em 2007, ao investir 11,89% das receitas em saúde, atingiram a assistência básica, a média e alta complexidades. Caiu a cobertura vacinal de BCG, hepatite B, poliomielite e tetravalente; 87% das mortes de crianças com idade inferior a 9 anos ocorreram entre os menores de 1 ano. A principal causa foi septicemia (infecção generalizada) em recém-nascidos.

A Secretaria de Saúde do Pará informou que, nos últimos três anos, dobrou o número de UTIs neonatais e passou de 45 para 165 o número de unidades de cuidados intermediários (UCIs). Além disso, diz que a cobertura do programa Saúde da Família, que inclui a assistência pré-natal, passou de 30% para 40% da população.

– O alto índice de mortalidade infantil é inaceitável e reflete a falta de assistência pré-natal e ao recém-nascido. Ainda há deficiências na assistência farmacêutica, e o pobre é obrigado a comprar remédio de uso contínuo, empobrecendo ainda mais. A má gestão é problemática, mas o Brasil é um dos países com menor investimento público entre os que mantêm sistema universal de saúde – diz o epidemiologista Jarbas Barbosa.

Para o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Francisco Batista Junior, o quadro reflete a má gestão e falta de políticas de atenção básica:

– O debate conceitual do SUS é tratar a doença instalada ou prevenir. Por enquanto, de modo geral, a prevenção não é boa. Enquanto se gasta muito com alta complexidade, a saúde básica fica em segundo plano – diz Batista Júnior.

O secretário-executivo do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, Jurandi Frutuoso, diz que o atendimento básico só deve melhorar quando a União aumentar sua participação no bolo de recursos públicos para a saúde:

– O gasto público em saúde por habitante é baixíssimo. Os estados aumentaram sua participação, mas a União estagnou – diz.

O governo federal repassa ao SUS R$ 59 bilhões (7,51% da Receita Corrente Líquida da União). Segundo o Ministério da Saúde, os investimentos em atenção básica cresceram 170%, de 2002 a 2009. Segundo o Denasus, de 2006 e 2007, os estados deixaram de aplicar R$ 11,8 bilhões em saúde, desviando os recursos para outras finalidades como saneamento básico; pagamento de aposentadorias e pensionistas e amortização de juros da dívida pública. Sem contar os recursos do SUS que ficaram aplicados no sistema financeiro.

Fonte: O Globo