Avaliação do desempenho do SUS

O documento IDSUS – Índice de Desempenho do SUS, divulgado pelo Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS do Ministério da Saúde, em março de 2012, faz referência ao PROADESS como fundamento teórico do seu modelo de avaliação.

Vale ressaltar que o PRO-ADESS – Projeto Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde – surgiu como decorrência do posicionamento crítico que uma equipe de pesquisadores do ICICT e da ENSP, a convite da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – ABRASCO, em relação à metodologia proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no Relatório Mundial de Saúde em 2000. Na ocasião, a OMS avaliou os sistemas de saúde dos países membros a partir de 5 indicadores – média e distribuição do nível de saúde, média e distribuição da responsividade e justiça na contribuição financeira -que compunham um indicador final (Overall Health System Performance).

Inicialmente, um grupo de pesquisadores da ENSP e do ICICT identificou uma série de problemas metodológicos e fragilidades conceituais na proposta, além de destacar o fato de que somente 5 países tinham todas as informações necessárias para o cálculo do indicador. As críticas foram apresentadas em um seminário internacional no Rio de Janeiro, sendo referendadas por especialistas da área de avaliação de desempenho de sistemas de saúde e levadas à OMS. Em conseqüência desse movimento acadêmico, a OMS suspendeu a continuidade da proposta tal como apresentada em 2000.

Como resultado dessa discussão, a ABRASCO obteve um financiamento da FINEP, em 2001, para constituir um grupo de trabalho composto por representantes de 7 instituições associadas, que foi incumbido de apresentar uma proposta alternativa para a avaliação do sistema de saúde brasileiro, que resultou no PRO-ADESS.

No projeto foi feita uma revisão da bibliografia e uma análise das principais metodologias de avaliação de sistemas de saúde implantadas em alguns países (Canadá, Austrália, Inglaterra) e as propostas metodológicas de organizações internacionais como a Organização Panamericana de Saúde – OPAS, Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico– OCDE e OMS. A partir dessa análise, decidiu-se pelo desenvolvimento de uma matriz cujo foco é o desempenho dos serviços de saúde sob diversos aspectos: acesso, efetividade, eficiência, respeito aos direitos dos pacientes, aceitabilidade, continuidade, adequação e segurança. Esses aspectos deveriam ser analisados levando-se em conta a oferta de serviços de saúde incluindo a gestão, os recursos humanos e financiamento que, por sua vez, estariam definidas segundo as necessidades de saúde e seus determinantes sociais e econômicos. Para cada uma dessas dimensões e sub-dimensões foi elaborada uma lista de indicadores que poderiam ser usados para analisar as desigualdades sociais existentes em cada caso (ver relatório final do PRO-ADESS: http://www.proadess.icict.fiocruz.br/relatoriofinal.pdf ).

De 2003 a 2007, foi desenvolvida,no ICICT/FIOCRUZ,a primeira versão da página eletrônica do PRO-ADESS, na qual foram divulgadas a matriz conceitual, o relatório final do projeto e a bibliografia atualizada sobre avaliação do desempenho de serviços de saúde.

A partir de 2008, com suporte financeiro do FNS/SAS foi possível dar início a uma segunda etapa do projeto, por parte de um grupo de pesquisadores do ICICT e da ENSP, voltada para a seleção, desenvolvimento dos indicadores e elaboração de uma nova página eletrônica (www.proadess.icict.fiocruz.br), na qual os resultados obtidos passaram a ser divulgados cobrindo o período 1998 – 2010. A análise dos indicadoresé norteada pelo conceito de equidade nas quatro dimensões da matriz conceitual do PRO-ADESS, a saber:

  • Determinantes da saúde: ambientais, sócio-econômicos e demográficos, comportamentais e biológicos;
  • Condições de saúde da população: morbidade, estado funcional, bem estar e mortalidade;
  • Estrutura do sistema de saúde: condução, financiamento e recursos, e
  • Desempenho dos serviços de saúde: acesso, efetividade, eficiência, respeito aos direitos dos pacientes, aceitabilidade, continuidade, adequação e segurança.

Apesar da referência à matriz conceitual do PRO-ADESS como fundamento teórico do IDSUS, a proposta do PRO-ADESS não é fazer a avaliação no nível municipal, dada à carência de informações nesse nível geográfico, e não se propõe o uso de um único indicador composto para mensurar o desempenho. Além disso, há diferenças importantes nos dois projetos quanto à definição das sub-dimensões do desempenho dos serviços de saúde. Segundo o PRO-ADESS, a análise dessas sub-dimensões deve levar em conta as desigualdades sociais e as inter-relações entre as diferentes dimensões da matriz conceitual.

O IDSUS é um indicador síntese que se propõe a aferir o desempenho do Sistema de Único de Saúde (SUS) a partir de 24 indicadores, que permitiriam avaliar o acesso aos serviços (potencial ou obtido) e a efetividade do sistema de saúde no âmbito municipal em todos os níveis de atenção. Entretanto, os objetivos do projeto não deixam claro se o objeto da avaliação seria o sistema de saúde brasileiro ou apenas o segmento público e privado contratado ao qual se refere a grande maioria dos indicadores.

A análise de componentes principais foi o método estatístico usado para determinar esses dois componentes do indicador final e os pesos que a eles seria atribuído. Os 14 indicadores que medem o acesso nos três níveis de atenção são responsáveis por 72% do peso no indicador final e os 10 indicadores associados à efetividade respondem por 28%. O acesso potencial é medido pela cobertura da Estratégia Saúde da Família e o acesso obtido, avaliado pelas taxas de utilização de serviços. Entre os indicadores considerados para avaliar o acesso à alta complexidade incluem-se alguns relacionados com a proporção de procedimentos e internações de média/alta complexidade realizados para a população não residente no município, o que na verdade não traduz a questão do acesso desse tipo de atenção. No caso da efetividade combinam-se diferentes abordagens conceituais, por um lado relacionadas a metas alcançadas (cobertura com a vacina tetravalente em menores de um ano), por outro à adequação do cuidado (proporção de parto normal) e em alguns casos associadas a resultados alcançados (proporção de cura de novos casos de tuberculose ou hanseníase e incidência de sífilis congênita).

Um desenvolvimento importante foi a preocupação em identificar grupos de municípios homogêneos passíveis de comparação. Verifica-se, entretanto, que alguns indicadores que avaliam o acesso foram utilizados também para a própria definição dos grupos homogêneos, como a proporção de internações de média e alta complexidade para não residentes.

A análise do indicador final levando em conta apenas o resultado do indicador composto, ou o “ranking” dos municípios, desconsiderando até mesmo os municípios homogêneos, pouco contribui para o entendimento da situação do sistema de saúde no nível municipal. Se, por outro lado, os resultados dos componentes relativos à atenção básica ou à de média e alta complexidade, forem analisados separadamente seria possível usar essas informações para conhecer melhor o desempenho do sistema de saúde, acompanhar os indicadores ao longo do tempo e orientar as intervenções.
Entre os aspectos positivos do projeto IDSUS, ressalta-se o esforço realizado pelo MS ao permitir que os gestores possam consultar os indicadores específicos do seu município utilizados para o cálculo do IDSUS, e comparar os dados do seu município com outros municípios pertencentes ao mesmo grupo (foram definidos 6 grupos homogêneos de municípios), ou futuramente ao longo do tempo. Além disso, é possível obter o indicador segundo regionais de saúde, o que parece muito mais adequado do que as análises no nível municipal já que essas áreas são definidas a partir de redes assistenciais compartilhadas por diversos municípios.

A divulgação do IDSUS também mostra a necessidade de investimentos na melhoria da qualidade dos sistemas governamentais de informação para gerar dados mais apropriados à avaliação do desempenho dos serviços de saúde e, sobretudo a carência de informações do setor privado, o que provoca distorções graves nos indicadores, já que os denominadores se referem à população total residente nos municípios.

Francisco Viacava (ICICT/Fiocruz), Silvia Marta Porto (ENSP/Fiocruz), Josué Laguardia (ICICT/Fiocruz) e Alicia Domingues Ugá (ENSP/Fiocruz).