Diversidade por meio da comunicação é desafio no país

ENSP – 19/9/12

“Por que a saúde está envolvida nesta discussão de cultura? Porque saúde não é ausência de doença. Saúde significa produzir um conjunto de possibilidades que envolvam cidadania, acesso, qualidade de vida, participação social, entre outros, e propiciem ao indivíduo uma vida melhor”, esclareceu o pesquisador da ENSP e presidente do conselho editorial do Cebes, Paulo Amarante, durante o evento Seminário e Oficina Nacional de Indicação de Políticas Públicas para Cultura e Comunicação, realizado no Palácio Capanema, no Rio de Janeiro, em 18 de setembro. Os debates do dia giraram em torno de ideias e reflexões sobre a discussão maior acerca do direito à comunicação, da mobilização a respeito da democratização dos meios de comunicação e da valorização da diversidade cultural.

Paulo Amarante, coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps) da ENSP e representante da Fiocruz nessa parceria da Escola com o Ministério no Projeto Loucos pela Diversidade (MinC e ENSP/Fiocruz), participou da mesa de abertura ao lado do diretor da Secretaria de Políticas Culturais do Ministério da Cultura, Sérgio Mamberti. Em sua apresentação, Amarante explicou que essa parceria com o Ministério se deve a um deslocamento político e epistemológico da ideia de saúde que vem ocorrendo nos últimos. Essa mudança entende a saúde como algo além de um estado físico.

“Questões como cidadania, qualidade de vida, participação social, entre outras, influenciam o quadro patológico quando se está doente e, também, a forma de adoecer. Quando a pessoa é inserida na sociedade, na política, nas atividades culturais do cotidiano, as formas de adoecer também são diferenciadas. Por isso, produzir saúde é produzir um conjunto de possibilidades de viver melhor”, defendeu Paulo Amarante.

Sergio Mamberti agradeceu a Paulo Amarante e à Fiocruz pela parceria no trabalho a favor da saúde da alma. Durante sua apresentação, Mamberti comentou a aprovação do Sistema Nacional de Cultura (SNC) e do Plano Nacional de Cultura, resultado de um longo processo de discussão e construção. “Trabalhamos de forma integrada, fizemos parcerias, construímos metas e acreditamos nesse processo democrático de participação. Mas, apesar disso, o poder da mídia não democratizada continua ferindo todo o processo de luta pela democratização do nosso país. A grande imprensa só se preocupa em criar factoides. Esse é um dos grandes embates pela democratização da imprensa”, lamentou Sergio.

Segundo o diretor, o Plano Nacional de Cultura (PNC) é, hoje, a espinha dorsal do MinC. Mamberti acrescentou que as metas construídas foram elaboradas de forma totalmente responsáveis e com uma precisão que permite enxergar e provocar o desafio de cumpri-las. Para ele, o PNC foi tão bem pensado que o próximo orçamento já está totalmente fundamentado em suas metas. “Quando se fala em cidadania, em construção de uma nova sociedade, é preciso pensar no tripé cultura, educação e comunicação. Sem isso, nunca seremos um país democrático, pois continuaremos reféns das grandes corporações que nos subjugam e impõem valores. A riqueza da diversidade precisa ser reconhecida e difundida. Para tanto, precisamos dessa política de comunicação integrada. Essa será a contribuição deste encontro.”

A mesa Desafios da promoção do direito à comunicação e do exercício necessário para a expressão da diversidade cultural nas diversas mídias abordou questões importantes da área, como a ausência de artigos constitucionais que regulem a relação entre emissoras privadas e públicas, a importância de emissoras comunitárias e veículos alternativos e da garantia da existência dessas emissoras, e a falta de critérios utilizados pelo governo federal para a divisão de verbas voltadas para a comunicação do país. Compuseram a mesa o presidente da Cidade Livre e diretor da Telesur, Carlos Alberto Almeida, e a secretária-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Roseli Goffman.

Para Carlos, só um sistema público qualificado e fortalecido de comunicação poderá assegurar a diversidade cultural. Roseli lamentou os diversos entraves e obstáculos existentes que impedem uma comunicação que contemple a pluralidade de vozes e a diversidade cultural existentes no Brasil.

Comunicação não é serviço oferecido, é um direito da sociedade

A discussão acerca dos Desafios da promoção do direito à comunicação e do exercício necessário de expressão da diversidade cultural das diversas mídias foi realizada pela deputada federal Luiza Erundina e pelo professor e integrante do Observatório da Diversidade Cultural da PUC-Minas José Márcio Barros. No início de sua apresentação, a deputada criticou a falta de uma política governamental mais agressiva na defesa dos interesses públicos. Para ela, há uma atitude passiva por parte dos governos, o que é uma grave falha.

“É necessário que a sociedade intervenha. Os cidadãos, por meio do Estado e das instituições públicas, têm a responsabilidade de controlar essa política”, afirmou Erundina. “Comunicação e cultura são duas áreas que se complementam. Portanto, não há comunicação sem conteúdo, não há conteúdo sem cultura e não há cultura sem diversidade cultural, sem apropriação descentralizada daquilo que é produzido e vivido no país. Há fortes impedimentos e obstáculos para avançarmos em relação a isso”, defendeu ela.

Erundina também denunciou a defasagem da legislação brasileira no setor das comunicações. “Há pouco tempo, foram comemorados os 80 anos da criação do rádio. No entanto, o seu marco institucional está defasado em, no mínimo, 50 anos. A não-renovação desse marco não é por acaso. Existem pesquisas, propostas e experiências do mundo inteiro a respeito de como regulamentar e normatizar uma atividade com a complexidade e as implicações políticas e sociais requeridas por essa área. Há, sim, uma disputa do poder local, a necessidade de dominação dos meios de comunicação de massa”, comentou a deputada.

No encerramento da roda de discussão, o professor José Márcio Barros advertiu: na reflexão sobre diversidade cultural, cultura e comunicação, é preciso lembrar que esses assuntos só fazem sentido se as diferenças forem tratadas de forma positiva. “Se isso for subtraído do debate, corremos o risco de reproduzir exclusões e perspectivas restritas na promoção da diversidade”, disse. Outra questão importante, apontou ele, é lembrar que comunicação e cultura não são dois lados de uma mesma moeda. José Márcio afirma que são processos similares de produção, circulação, consumo, ressignificação e de disputas de sentidos.

Segundo ele, é preciso que o Brasil supere a visão romântica da diversidade cultural como característica natural das nossas formas de vida. “Não precisamos apenas de um mosaico antropológico, mas sim de projetos políticos. Quando falo em diversidade cultural, falo sobre dinâmica sociopolítica da maneira como os diferentes interagem entre si. Sobre a comunicação, ela não é um consenso, é um espaço vivo de circulação, construção, disputas e sentidos. Sem ter isso muito claro, podemos criar uma perspectiva contraditória ente diversidade cultural e comunicação.”

*Com modificações.