Muito câncer, pouca conversa

Folha de S. Paulo – 18 de setembro de 2012

Falhas na comunicação entre médicos e mulheres com tumor de mama atrapalham o tratamento, diz pesquisadora

As mulheres ainda sabem pouco sobre câncer de mama, e os médicos, que deveriam ajudar, muitas vezes atrapalham, defende a pesquisadora da Unifesp Vanderli Duarte de Carvalho, autora de “Nó no Peito” (Desatino, 224 págs., R$ 55).

O livro, recém-lançado, é uma compilação de sua tese de doutorado, na qual discute a relação entre profissionais de saúde e mulheres com a doença. Para ela, os especialistas não sabem lidar com as pacientes, que “saem do consultório com mais dúvidas do que entraram”.

“Os médicos superestimam as pacientes, acham que elas conhecem a doença. E elas têm medo de perguntar. É uma relação de submissão que precisa mudar.”

A pesquisadora acompanhou 11 mulheres e dez especialistas. Visitou ambulatórios, fez entrevistas e constatou que o momento mais crítico é o do diagnóstico.

“Os médicos falam na lata: ‘Você tem câncer e vamos operar’. Soa como uma sentença. O jeito que o médico fala pode definir a adesão ou não ao tratamento”, afirma.

Para piorar, a maioria das mulheres vai sozinha à consulta. “Todas têm lembranças traumáticas. Elas não entendem o que é a doença, acham que vão morrer e não querem contar para as pessoas.”

O câncer de mama é o segundo tipo mais frequente no mundo (só perde para o de pulmão) e o mais comum entre as mulheres, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer. São estimados 52.680 novos casos no Brasil em 2012.

DOENÇA COMUM

“Todo mundo conhece alguém com a doença. Não tem mais por que ter medo de falar nisso”, diz Carvalho.

O diagnóstico não é uma condenação, mas a chance de cura depende do tipo e, principalmente, do estágio do tumor, segundo Maria Del Pilar Estevez Diz, oncologista do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira).

“É sempre difícil dar a notícia. É uma habilidade que precisa ser desenvolvida pelo médico. Melhora com a experiência, mas nunca fica fácil”, diz a oncologista.

De acordo com o Inca, a sobrevida média após cinco anos é de 61%. A melhor forma de descobrir um câncer é com a mamografia: toda mulher depois dos 50 anos deve fazer o exame, mas isso não exime as mais novas do acompanhamento. “Quem tem histórico familiar ou alterações físicas precisa fazer antes”, afirma a médica.

Depois do diagnóstico, as dúvidas são muitas. “Elas querem saber como vai ficar a rotina: ‘O que eu posso comer? Quando meu cabelo vai cair? Vou poder sair de casa?’. O câncer é um marco, elas acham que a vida vai mudar”, diz Carvalho.

O médico é a melhor pessoa para tirar as dúvidas e, mesmo que seja difícil, é preciso se forçar a perguntar. “Muitos acham que não é o dever deles responder. Isso começa na faculdade. Os médicos são formados para curar a doença, não para tratar do paciente”, critica a pesquisadora.

E, mesmo que a equipe tenha psicólogos e assistentes sociais, é função do médico ouvir e se fazer entender. “Sabemos que eles têm pouco tempo e pouca infraestrutura, mas eles podem melhorar muito o atendimento. Também é preciso ter mais campanhas informativas, para ajudar o profissional.”