Novos rumos para o CNS?

O Conselho Nacional de Saúde acaba de dar início às atividades de 2013 com novos conselheiros e também com a nova presidenta da casa, Maria do Socorro de Souza, conselheira do segmento dos usuários. A 241ª Reunião Ordinária do CNS contou com a representação do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), por meio da conselheira titular Ana Maria Costa, também presidenta do Cebes.

Na ocasião, foi iniciado um debate sobre o contexto nacional, os desafios e prioridades para o Conselho Nacional de Saúde nos próximos três anos. Os novos conselheiros realizaram ainda balanços, levantaram expectativas e traçaram perspectivas de atuação para o período de 2013 a 2015.

“A primeira reunião do ano do CNS teve como sentido principal a construção das bases do planejamento para o CNS para esta gestão. É muito importante que se processe no pleno deste órgão colegiado uma reflexão consequente acerca do papel e da organização do Conselho, a partir de uma analise crítica realista sobre a situação do SUS, sob a ótica das necessidades e demandas da população e da conjuntura nacional e internacional em relação às possibilidades colocadas para os sistemas universais de saúde ”, provocou a presidenta do Cebes e agora titular da casa, Ana Maria Costa.

O conselheiro titular e gestor de Relações Institucionais da Pastoral da Criança, Clóvis Adalberto Boufleur, também falou sobre o papel do conselho, que, segundo o mesmo, é o de atuar como escola de cidadania e ser fiel aos objetivos do Sistema único de Saúde (SUS), servindo de agente de transformações sociais que contribuem para o desenvolvimento das comunidades no Brasil. “Somos um povo generoso e precisamos organizar essa força”, afirmou.

Ainda segundo Boufleur, vive-se um momento privilegiado de acesso e conhecimento que deve facilitar a elaboração de ações colaborativas. “Podemos, através disso, acelerar nossos compromissos pela cidadania, gerar benefícios pra população, promover participação e evitar desastres”, pontuou.

Ganhou espaço, durante a 241ª reunião, a apresentação do Cartão Nacional de Saúde e do E-sus, ferramentas que, de acordo com o Ministério da Saúde, pretendem garantir um melhor atendimento ao cidadão e garantir a conectividade entre os diversos sistema de informação em saúde – além de permitir a informatização nas unidades de saúde.

“O cartão é uma proposta necessária, uma ferramenta de qualificação do sistema, mas, por si só, não tem muito significado se não estiver calçado pelas políticas as quais ele servirá. De toda maneira, esperamos que o cartão cumpra o seu potencial, permitindo maior agilidade na tomada de decisão e nas relações entre os distintos níveis de gestão do Sistema, assim como entre os serviços que atendem a clientela do SUS e que, assim , possa contribuir na própria qualificação da assistência”, comenta a presidenta do Cebes.

Teve destaque especial durante a reunião do conselho a palestra do professor da Unicamp Gastão Wagner, convidado para analisar as recomendações da 14ª Conferencia Nacional de Saúde. Gastão apresentou uma reflexão ampla pontuando alguns desafios para a saúde e, particularmente, para o Conselho.

“Gastão nos alertou sobre a necessidade de encontrarmos o sentido da atenção básica no Brasil, que até hoje se perde em concepções inadequadas. Esse sentido deve ter como eixo o principal papel da Atenção Primaria como ‘coordenador’ da saúde da população sob sua responsabilidade. Veja que, nesse contexto, a atenção básica orienta e estrutura a operacionalização do sistema de saúde e não se restringe a ser uma modalidade de atenção assessória como ocorre em muitos municípios e estados. Esta fragmentação tem relação com uma cultura de desvalorização da atenção primária”, alertou Ana Costa.

Expondo preocupação para os presentes, Gastão usou a imagem do SUS como um copo pela metade e falou das divergências existentes ao se avaliar a situação dele: “ou está quase vazio para alguns, ou quase cheio para outros. Em vários aspectos, está esvaziando. Temos graves problemas de sustentabilidade do nosso sistema. O desafio dos conselheiros é agir como estadistas, como intelectuais orgânicos, melhorar a comunicação com o movimento organizado e com a opinião pública, além de facilitar a vida dos gestores”.

Na missão de provocar os novos conselheiros, o professor colocou ainda a necessidade de que haja, por parte dos conselheiros, uma pressão não apenas crítica, mas que também aponte os caminhos possíveis e viáveis de se caminhar. “Desafio vocês: Qual a dificuldade que vocês tem? Cada um representa um setor aqui. Tudo é legítimo. É preciso pensar em algo que transcenda a limitação coorporativa de cada umde nós. Será que vocês serão capazes de compor um projeto que vá além de uma rede temática, mas um projeto de direito à saúde, à vida, às políticas públicas, ao SUS?”, provocou.

Concordou a presidente do Cebes, que, na ocasião, também fez sua contribuição: “defesas passionais do SUS não nos ajudam e nos cegam, impedem de ver situações que precisam mudar. É importante avançamos para o futuro como nos provoca o Gastão. Nós não podemos deixar de avaliar que, de fato, nosso projeto de sistema universal de saúde, no formato que inscrevemos na Constituição, é um projeto que já desandou em muitos aspectos e foi irreversivelmente prejudicado por todos os mecanismos que a história registrou nos anos 90 aos tempos atuais”.

Ainda de acordo com a avaliação da nova conselheira do CNS, o SUS se tornou refém de projetos de governo: “é importante denunciar esse processo orquestrado mundialmente. Isso está na ordem do capitalismo internacional. Nós estamos reservando a proteção do estado àquela população que não pode pagar seguro privado de saúde. Esse conselho tem que participar desse debate e insistir em uma presença crítica e propositiva, na sociedade e no Congresso Nacional, que fortaleça a defesa da saúde no sentido amplo, e não apenas o SUS”.

Em tempos da cruel defesa à internação compulsória a usuários do crack no estado de São Paulo, o membro da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia e militante da luta antimanicomial Rosemeire Silva trouxe também importante colaboração à plenária. A conselheira abordou a questão da política sobre álcool e outras drogas, que tem causado preocupações para parte da sociedade brasileira, em particular para alguns movimentos sociais.

“Alguns aspectos destacados nessa política parecem bastante equivocados na avaliação do problema. Uma política sobre drogas deve elaborar respostas cidadãs e eficazes. É preciso fortalecer a rede de serviços substitutivos de tratamento aos usuários de álcool e outras drogas. No caso da saúde, se trata de uma lacuna a ser preenchida, mas não de algo que não exista. A rede é insuficiente, mas não inexistente. Ela tem princípios que a orientam e não são quaisquer princípios. E não são princípios dos quais se possa abrir mão sem trazer conseqüências paro o pensamento e forma de cuidado que até então vinha sendo ofertado pela rede SUS”, afirmou Rosemeire.

Ao fim do encontro, foi aprovada uma moção do CNS contra a internação compulsória, disponibilizada neste link, e foi também apresentada a agenda da Comissão de Orçamento e Financiamento (Cofin), ferramenta central no planejamento a ser feito pelos conselheiros nos próximos três anos. Os conselheiros deverão vincular as questões estratégicas com a agenda do financiamento, e manter o assunto como estruturante e recorrente durante as reuniões.