Nota do PT sobre PL 7.663/10

ptNota do PT sobre PL 7.663/10

SECRETARIA NACIONAL DE MOVIMENTOS POPULARES – SETORIAL NACIONAL DA SAÚDE DO PT

NOTA SOBRE O PL 7.663/10 E SEU SUBSTITUTIVO
(Internação Compulsória)

Autor: Dep. Osmar Terra e Relatora: Elcione Barbalho

O enfrentamento tardio, pelo Estado Brasileiro, dos problemas sociais do País, especialmente a extrema pobreza, a falta de emprego, renda, moradia e educação, os riscos de adoecer, as endemias e outras doenças típicas das últimas décadas, como o uso abusivo do álcool e outras drogas, especialmente o crack, fez com que haja uma percepção, também tardia, de que a situação é gravíssima e que é necessário criar condições e propor ações que respondam rápido e imediatamente (normalmente, senso comum), ao incômodo que a “visão” de certas cenas produz socialmente, tais como as cracolândias do Rio de Janeiro e de São Paulo, como de resto, de todos os grandes centros urbanos, e faz renascer os ideais de se impor restrições às liberdades individuais aos atingidos por esses problemas, como foram adotadas, especialmente, até a metade do século passado.

Assim, o problema deixa de ser social e se transforma em problema de Polícia e do Judiciário, quase sempre, com imposição ao Setor Saúde para aprisionar e “tratar”. Foi assim com as pessoas atingidas pela tuberculose e a hanseníase e aquelas com transtornos ou sofrimento mental.

Agora, mesma prescrição para as pessoas dependentes do álcool e outras drogas, especialmente do crack. Daquelas situações surgem vários movimentos e entidades sociais em defesa dos Direitos Humanos, como o Movimento Sanitário Brasileiro, os Conselhos de Saúde, os Conselhos Profissionais, o Morhan, o Movimento da Luta Antimanicomial, a Rede Internúcleos da Luta Antimanicomial (RENILA), dentre outros.
Nessa conjuntura, nasceu o PL 7.663/2010, diga-se, inclusive, antes de o Governo Brasileiro lançar o Plano de Enfrentamento ao uso do Crack e outras Drogas.

Esta proposição reforça a adoção de táticas e metodologias extremamente conservadoras em relação às pessoas em uso abusivo de drogas e desconsidera quaisquer abordagens ou tratamentos, conforme os protocolos e orientações técnicas das equipes multiprofissionais de saúde, dos acordos tripartites estabelecidos (Ministério da Saúde, Secretarias de Estado e Municipais da Saúde) como são preconizados pela legislação em vigor do Sistema Único de Saúde (SUS) e pela Política Nacional de Saúde Mental, como pode ser observado em vários dispositivos do PL, a exemplo do art. 4º do Substitutivo que pretende substituir o Art. 16 da Lei 11.343/06.

Este Projeto de Lei faz ressurgir dispositivos que foram amplamente debatidos e vetados por inconstitucionalidade, quando da aprovação da Lei 11.343/06. Institui renúncia fiscal que faz reduzir, ainda mais, os recursos para a saúde e beneficia o setor privado (institui a “indústria da internação” e a desoneração fiscal para os prestadores de serviços das internações). Este Projeto de Lei rejeita as garantias estabelecidas pela Lei 12.216/01, embora faça referência a ela para legitimar tal apresentação de projeto.

Um aspecto grave da forma como é tratado o usuário de drogas pelo Projeto de Lei é reforçar a ideia de epidemia (como se o maior problema não fosse social/multissetorial) e que para ser resolvido, tivesse que ter um fluxo que se inicia pela polícia (tratamento em regime de internação involuntária, compulsória e coletiva, obrigatório), negando os Direitos Humanos/Civis dos usuários e obrigando os profissionais de saúde a adotarem práticas não indicadas (conduta desumana e sem resultados tecnicamente comprovados).

O Projeto nega as condições sociais dos usuários do crack e outras drogas e não propõe soluções neste aspecto. A preocupação maior é com o “aspecto social” e não com a vida. Fica visível o comprometimento com interesses econômicos. A medida é medicalizante, higienista e punitiva para os usuários de drogas.

Ainda, de certa forma, utilizando-se das pessoas com dependência química, o Projeto de Lei, em seus art. 7º, 8º, 9º, 10 e 13 altera as Leis 11.343/06, 9.250/95, 9.532/07, 8.981/07 e 7.560/86 para introduzir mecanismos de renúncia fiscal que reduz, ainda mais, os recursos para a saúde.

É gritante a inconstitucionalidade deste Projeto de Lei. O objeto em debate é o estabelecimento de um programa inócuo e iníquo de governo. O acolhimento humanizado, intersetorial e o tratamento, na perspectiva da redução de danos, das pessoas dependentes de álcool e outras drogas, incluindo as que usam crack, necessita apenas de maior investimento das três esferas de governo para que os equipamentos públicos definidos na Política Nacional de Saúde Mental para a Rede de Atenção à Saúde Mental sejam ampliados com unidades básicas de saúde, as Residências Terapêuticas (casas de acolhimento transitórias), os Centros de Atenção Psicossocial para Usuários de Álcool e outras drogas (Caps AD), os Consultórios de Rua e a abertura de vagas nos hospitais gerais (hidratação, desintoxicação, etc.), além da formação e educação permanente para os profissionais. É necessária, especialmente, a abordagem com base em projetos terapêuticos singulares (um para cada pessoa, conforme a história e as condições sociais de cada um), sem perda dos vínculos familiares e sociais, de acordo com o princípio da liberdade como fundamento de toda terapia.

O art. 4º da Lei 10.216/01 estabelece que:

§ 1º O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.
§ 2º O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.

§ 3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2º e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2º.

O Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária apontou como uma das principais preocupações a detenção compulsória de usuários de drogas.

No campo da Saúde Mental, deve-se reafirmar a defesa da Reforma Psiquiátrica Antimanicomial, buscando a extinção dos manicômios em todo o país, incluindo os manicômios judiciários, impulsionando a retomada da ampliação dos serviços substitutivos da rede de atenção integral em saúde mental.

O Setorial Nacional de Saúde e a Secretaria Nacional de Movimentos Populares do PT, em comunhão com o sentimento e a luta dos militantes petistas, profundamente preocupados com o teor do Projeto de Lei 7.663/10 ou seu Substitutivo na Câmara dos Deputados propõem, junto ao Partido dos Trabalhadores, a defesa do fortalecimento da atual Política Nacional de Saúde Mental, incluindo nesta, a atenção às pessoas em uso abusivo de álcool, crack e outras drogas, apresentada pelo Ministério da Saúde, debatida e pactuada pelos Gestores de Saúde das três esferas de Governo na Comissão Intergestores Tripartite e aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde, segundo os princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira e da Luta Antimanicomial, enfatizando o posicionamento contrário aos procedimentos de internação compulsória (determinada pela Justiça) ou involuntária (feita sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro) de usuários de substâncias psicoativas.

Solicitamos ao Partido que recomende aos Governos do PT (nas três esferas) que envidem esforços em favor do fortalecimento dos serviços substitutivos aos manicômios, previstos na Política Nacional de Saúde Mental, com maior investimento para que os equipamentos públicos definidos para a Rede de Atenção à Saúde Mental sejam ampliados com unidades básicas de saúde, Residências Terapêuticas, Centros de Atenção Psicossocial para Usuários de Álcool e outras drogas (Caps AD), Consultórios de Rua e abertura de vagas nos hospitais gerais.

Chamamos a atenção para a necessidade de se cumprir as determinações já existentes na Lei 10.216/01 e relembramos que na cerimônia de lançamento do Plano de Enfrentamento ao uso do Crack e outras Drogas, em dezembro de 2011, a Presidenta Dilma afirmou: “a rede pública de saúde vai ter de ser reforçada para atender as pessoas” e que vários Municípios governados pelo Partido já estão implantando, integralmente, a Política Nacional.
Solicitamos, finalmente, que o Partido dos Trabalhadores (PT) atue junto as Bancadas Federais do PT para que os Parlamentares do Partido no Congresso Nacional rejeitem a aprovação do PL 7.663/10 e SEU SUBSTITUTIVO, para que seja mantida a coerência entre as lutas históricas dos trabalhadores e dos movimentos sociais e a ação do nosso Partido.

Brasília, 15 de abril de 2013

Conceição Rezende
Setorial Nacional de Saúde do PT

Renato Simões
Secretaria Nacional de Movimentos Populares