Cipriano Maia analisa a gestão do SUS: do pacto ao COAP

Em entrevista concedida ao Cebes, o atual Secretário Municipal de Saúde de Natal, Cipriano Maia de Vasconcelos, que foi coordenador da elaboração do Pacto pela Saúde – desenvolvido e implementado ao longo dos dois governos anteriores – faz um balanço sobre a iniciativa. Vasconcelos afirma que, sem mudar a lógica do financiamento para fortalecer a regionalização, não há como avançar, e lamenta que o pacto não se consolidou em sua plenitude, ficando circunscrito como um instrumento burocrático, distanciado de se tornar uma ferramenta viva de gestão para o qual foi criado.

 

 

1. O senhor participou como coordenador da elaboração do Pacto pela Saúde ainda na gestão do Ministro Humberto Costa, depois implementado ao longo de todo governo Lula. Quais os avanços que ele trouxe para o SUS, na sua opinião?
O pacto representou um avanço na negociação entre gestores e um avanço para superar a ideia da normatização com vistas a se construir pactos, compromissos entre os entes federados para que você pudesse viabilizar as ações e a organização do sistema tendo como foco a regionalização, que era a grande estratégia, para que você pudesse superar os entraves e os limites e uma gestão condicionada por portarias, por normas que limitavam a autonomia dos municípios na gestão local, no desenvolvimento das ações, dos planos de saúde. Os avanços foram as concepções que construímos do pacto, exatamente redefinindo os blocos do financiamento, que já aumentavam a autonomia dos municípios; a ênfase na regionalização e também começamos a discussão sobre a organização das redes de atenção, dos complexos reguladores.

O problema do pacto pra mim é que ele não teve conseqüências mais profundas. Você não mudou a lógica do financiamento para fortalecer a regionalização, você não assumiu o pacto efetivamente, seja o MS, seja a maioria dos gestores estaduais e municipais. O consolidaram muito mais como um instrumento burocrático, sem ser realmente um instrumento vivo de gestão. Eu acho que um outro grande limite é que as instancias de governança regionais não foram efetivadas por falta de uma decisão política, por  não ter um financiamento atrelado à organização da região de saúde, aos investimentos, enfim. Isso fez com que o pacto fosse se burocratizando e perdendo sua potencia enquanto instrumento de compromisso e negociação e de efetivação de uma nova dinâmica e de novos compromissos na gestão do SUS.

2. O que o senhor acha do COAP que hoje rege a relação do Ministério com os estados e municípios?
A proposta do decreto 7508 que instituiu o Contrato Organizativo de Ação pública da Saúde (COAP), etc., foi uma tentativa de avançar nas propostas do pacto, mas com uma aposta muito forte de que o contrato iria dar uma base formal àquele compromisso que estava previsto no pacto. Eu creio que, ao contratualizar essa relação, essa proposta no pacto, podemos vir a ganhar uma efetividade se os entes assumirem isso enquanto tal. Eu não acredito que o mero fato de poder judicializar é o que vai mudar. A gente precisa, enquanto gestor, ter uma consciência de que o compromisso dos entes pra consolidação do sistema  tem que passar por um investimento político, técnico, no sentido de construir a governança regional, de ter planejamento regional integrado. Isso é um avanço já propostos no pacto, que o COAP quer consolidar, mas eu temo que ele, ao ganhar uma carga burocrática muito grande, possa trazer dificuldades no seu acompanhamento, na sua efetivação. E também ao instituir um conjunto de indicadores muito grande, traz dificuldade de monitoramento e avaliação, não só do ponto de vista técnico, mas principalmente pelos conselhos de saúde e outros atores social. Mas vamos acreditar que essa relação possa avançar. Acho que a gente vive um momento de cobrança maior da sociedade, pra que o SUS de resposta às demandas da população, inclusive com o aumento do financiamento, e que se precisa avançar também no sentido de traduzir um maior compromisso interfederativo e que os recursos venham a fortalecer  essa proposta de reorganização do sistema em bases regionais. Porque, se continuarmos com financiamento  vinculado a programas específicos e investimentos vinculados a emendas parlamentares, a gente não vai ter o fortalecimento das redes. Acho que nós temos um grande desafio que é esse compromisso interfederativo pra efetivação do sistema em bases regionais. Temos pouca experiência de sucesso nesse campo e não há duvida que na questão do financiamento, para além dos 10% da receita bruta da união, que é a cobrança que os gestores fazem hoje, nós temos também que rediscutir o pacto federativo, que é uma grande demanda dos municípios pela baixa capacidade de arrecadação de recursos e distribuição que hoje afeta os municípios e traz dificuldades muito grandes, principalmente pra manter a onerosa folha de pessoal em saúde, com a lei de responsabilidade fiscal impedindo a contratação de pessoal. Acho que essa é uma das grandes barreiras na questão de gestão de pessoal no SUS.

3. Como o senhor vê a proposta de formação de médicos anunciada pelo governo nas últimas semanas, como a Mais Médicos?
Acho que ele traz avanços importantes. Por mais que tenhamos reação de segmentos da corporação médica, a formação dos ciclos é uma coisa que já era demandada há bastante tempo, principalmente pela importância na formação da experiência do recém formado e do contato com a realidade social, seja no meio rural, urbano, na atenção básica, seja na experiência da rede SAMU, enfim, o conjunto de serviços do SUS. Porque a formação dos seis anos não propicia ainda essa experiência de imersão social que é fundamental, como muitos países já fazem na modalidade de estágio civil obrigatório. Esse é um avanço, assim como também o programa Mais Médicos vai propiciar que municípios que hoje não tenham realmente conseguido atrair profissionais, mesmo pagando salários muitas vezes avantajados, tenham sucesso. Essa experiência transitória e o movimento de ampliação de vagas na formação médica, ampliação do número de vagas em residência médica, é um movimento importante pra que a gente tenha realmente profissionais com maior experiência de formação no SUS e possibilidade de ter uma adesão e consequentemente a permanência e a continuidade do exercício profissional no sistema, que é o que vai criar condições pra qualificar as práticas de atenção no SUS.