Era uma vez?

Por Isaac Roitman*/ publicado no Correio Braziliense

“Era uma vez um planeta pequeno sem luz própria e muito difícil de ser percebido na imensidão do universo. Orbitava em torno de uma estrela chamada Sol. Era um planeta relativamente jovem. Surgiu há 4,5 milhões de anos, 9,2 milhões de anos depois da origem do universo. No começo, era uma rocha derretida, que depois se solidificou e formou a superfície terrestre. Naquela época, devido a erupções vulcânicas, a atmosfera era composta de vários gases. Houve um grande período de chuva e as partes de terra que não ficaram submersas formaram os continentes. A vida nesse planeta começou há cerca de 3,5 bilhões de anos. As primeiras formas de vida eram microscópicas e durante um processo conhecido como evolução surgiram as plantas e os animais.

Estima-se que nesse planeta existam cerca de 9 milhões de espécies, sendo que até o momento aproximadamente 1,3 milhões foram catalogadas. Os primeiros mamíferos surgiram há 200 milhões de anos quando havia um supercontinente – Pangeia – que se fragmentou a aproximadamente 130 milhões de anos. O homem – Homo sapiens – existe há 200.000 anos e se originou a partir de um ancestral primata. Há cerca de 8.000 a 5.000 a.C, com o surgimento da agricultura, o homem abandonou a sua vida nômade, sedentarizando-se às margens dos rios e lagos, originando os primeiros aglomerados urbanos, o que fez com que alguns grupos exercerem domínios sobre outros, gerando assim sociedades desenvolvidas. A sociedade moderna foi marcada por inúmeras transformações que impactaram no modo de vida e de relação entre os indivíduos. A revolução industrial, e a reorganização do trabalho que ela fomentou, trouxe consigo uma série de problemas sociais, conflitos e guerras.

O primeiro registro de guerra foi no ano 2.525 a.C no estado de Lagash na Suméria (sudoeste do Iraque) contra o estado de Umma. Esses centros urbanos viviam em constante rivalidade pelo domínio econômico, territorial e político. O império romano foi protagonista de inúmeras guerras que se iniciaram no ano 343 a.C. e duraram mais de 04 séculos. Desde o primeiro conflito o planeta nunca alcançou períodos longos de paz. Mais recentemente a primeira guerra mundial (1914-1918) e a segunda (1939- 1945), provocaram a morte de milhões de pessoas. Durante a primeira guerra mundial H.G. Wells lançou um slogan “A Guerra para Acabar com Todas as Guerras”, preconizando que estávamos iniciando uma sonhada utopia de paz permanente. Ele errou, pois até hoje temos conflitos como no Oriente Médio e estados de guerra em todo o planeta como consequência da violência descontrolada.

Vivemos uma encruzilhada onde dois caminhos podem ser vislumbrados. O primeiro será a deteriorização das relações humanas tanto na dimensão individual como coletiva. A cultura consumista e de falsos valores que nos é imposta aumentará os desvios de conduta e a ampliação da injustiça social. Corremos o risco de novos grandes conflitos com a utilização de armas de destruição em massa, nucleares, químicas ou biológicas. Os recursos naturais de nosso pequeno planeta estão sendo esgotados continuamente. Se continuarmos nesse estado de insanidade global é possível que a aventura do surgimento da espécie humana termine. O epílogo dessa aventura seria: Era uma vez um ser humano que não deu certo.

Um caminho alternativo seria uma inflexão no comportamento na vida das futuras gerações. Com uma educação que prepare o ser humano para uma convivência de respeito e solidariedade, poderíamos perpetuar aquilo que chamamos de vida inteligente. Nesse cenário todos teriam uma vida digna e oportunidades para apreciar as artes e os encantos da natureza. Para isso deveríamos proporcionar desde os primeiros anos de vida uma educação, que como sugeriu Sigmund Freud, pudesse provocar uma renúncia progressiva dos instintos criando caminhos para um mundo novo onde todos teriam a oportunidade de alcançar a felicidade. Se formos capazes de induzir esse protagonismo virtuoso para as gerações futuras, conquistaremos a legitimidade de sermos verdadeiramente membros da espécie Homo sapiens. Nesse caso o epílogo seria: Era uma vez um ser humano que deu certo. Essas reflexões lembram o feliz pensamento de Euclides da Cunha: ‘Estamos condenados à civilização. Ou progredimos ou desaparecemos’.”

 

* Isaac Roitman é  cirurgião-dentista, doutor em Microbiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB).