Cebes apóia Carta de Repúdio

Carta de Repúdio à decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região: contra o retrocesso em Barbacena

Belo Horizonte, 06 de Setembro de 2014.

 Exmo. Sr.

Desembargador Federal
Néviton Guedes
Tribunal Regional Federal da Primeira Região

 

Sr. Desembargador,

 

As entidades abaixo assinadas manifestam repúdio e solicitam de V.Exa. a revisão de seu posicionamento, em relação ao que se segue:

O município de Barbacena, localizado em Minas Gerais, famoso não só pelas suas rosas, mas também, e infelizmente, por seus hospícios, optou, ao longo dos últimos 25 anos, com a implantação da política da Reforma Psiquiátrica brasileira, com momentos de avanços e recuos, traçar outras rotas e destinos e construir novos sentidos para a cidade e seus habitantes.

Como respostas ao abandono e morte, ao sofrimento e dor, ao preconceito e segregação que eram constitutivos dos inúmeros hospitais psiquiátricos, público e privados, que funcionavam na região, serviços substitutivos foram criados, propiciando o fechamento de alguns dos hospitais, e inaugurando capítulos de uma nova história recheados de cidadania, liberdade e vida, em especial nos 27 Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), onde moram 156 pessoas, cujo destino, apesar de ter seqüestrado anos de suas vidas, reservou-lhes também esperança _ pelo menos para aqueles, poucos, que sobreviveram para experimentar o prazer de uma vida plena e digna.

Mas esta história, infelizmente, não acaba aqui. Restaram ainda alguns hospitais, entre eles, a Clínica Mantiqueira, com mais de 40 anos de existência, que após denúncias de atos de maus tratos, negligência e tortura contra os pacientes internados, foi submetida a uma Auditoria Assistencial realizada nos dias 21 a 23 de outubro de 2013, pelo Ministério da Saúde (MS), Secretaria de Estado da Saúde de MG (SES/MG) e Secretaria Municipal de Saúde Pública de Barbacena que constatou inadequação assistencial evidenciada pelo acentuado número de pacientes com características de grave dependência institucional, isolamento social e restrição do poder de contratualidade, corroborando as denúncias em apuração.

Frente aos resultados da Auditoria, decidiu-se pela desinstitucionalização dos pacientes e o trabalho da Coordenação Municipal de Saúde Mental de Barbacena iniciou-se, executando ações visando a avaliação de cada paciente para levantamento do perfil de necessidades assistenciais, avaliação da capacidade da rede pública local e em municípios próximos aos vínculos familiares desses pacientes. Constatou-se que dos 76 pacientes, 51 estavam aptos a serem transferidos para residências terapêuticas ou retorno familiar, que dois encontravam-se com ordem judicial, três continuariam em tratamento no Centro de Atenção Psicossocial e vinte seriam acolhidos provisoriamente, por um período de até seis meses, num hospital público da região para nova avaliação clínica e de reabilitação social.

Cinco SRT foram montados, contratados cuidadores e em 10 de Junho de 2014 foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), entre a Secretaria de Saúde Pública de Barbacena e Ministério Público, com anuência do MS e SES/MG, para fins exclusivos de designação da data de transferência dos 76 pacientes em questão, que ocorreria em 30/08/2014.

Surpreendentemente, surge uma decisão do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, através do senhor, Desembargador Néviton Guedes, determinando a suspensão da saída dos pacientes para os SRT, impedindo a continuação da desinstitucionalização que se encontrava em curso, ferindo os direitos dos usuários assegurados em leis e portarias ministeriais, em especial na Lei Federal nº10.216/2001 e a Lei Estadual nº 11.802/1995, que dispõem sobre os direitos dos portadores de sofrimento mental e promoção da saúde e sua reintegração social.

Qual a justificativa legal e ética de se manter pessoas nas condições degradantes já relatadas acima, sendo que novas possibilidades dignas e cidadãs as aguardavam? Em nome de quem e do quê penalizar pessoas cujo tempo médio de internação é de 20 anos e cada minuto a mais vivido nesse inferno é tempo perdido? Os únicos prejudicados nesta sua decisão são justamente os que mais sofreram e sofrem: esta sua decisão nada mais é do que o retrato do descaso secular e preconceituoso da sociedade que historicamente continua anulando, segregando e negando direitos de cidadãos aos portadores de sofrimento mental.

Contando com sua sensibilidade e compreensão, contrários ao retrocesso e decepção que seu posicionamento causou na vida de cada uma dessas pessoas que tão ansiosamente esperaram pelo dia de sua liberdade, solicitamos a reavaliação da decisão de suspensão dos efeitos do TAC e da notificação da Secretaria Municipal de Saúde de Barbacena.

Assinam este documento as inúmeras entidades e organizações de usuários, familiares, trabalhadores e apoiadores da luta antimanicomial, da Reforma Psiquiátrica Brasileira e do SUS, militantes incansáveis na defesa dos direitos de cidadania dos portadores de sofrimento mental.

 

Fórum Mineiro de Saúde Mental
ASUSSAM – Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de MG
RENILA – Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial
ABRASME – Associação Brasileira de Saúde Mental
Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais
Sindicato dos Psicólogos de Minas Gerais
Frente Mineira Drogas e Direitos Humanos
Núcleo MG – Associação Brasileira de Redução de Danos – ABORDA
Suricato – Associação de Trabalho e Produção Solidária de MG
Associação de Usuários da Saúde Mental – ASSUME/JOÃO MONLEVADE/MG
Associação Loucos Por Você – Ipatinga/MG
Associação Vida que Te Quero Vida – Betim/MG
Associação Ser-Sã – Divinópolis/MG
Liga Acadêmica de Saúde Mental da Faculdade de Ciências Médicas de MG
Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade/MG
Núcleo de Estudos, Pesquisa e Arte em Saúde Mental – Sapos e Afogados/BH
Associação Chico Inácio/Amazonas
Movimento Pró-Saúde Mental do DF
ASSUMA – Associação de Usuários e Familiares de Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Alagoas
Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Goiás
Coletivo Alagoas Antimanicomial
Fórum Gaúcho de Saúde Mental
Fórum Goiano de Saúde Mental
Núcleo da Luta Antimanicomial Libertando Subjetividades/PE
Núcleo Antimanicomial do Pará
Cebes – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde