Medicina da USP vai criar centro de defesa para alunas vítimas de estupro

A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) anunciou, na tarde desta quarta-feira (12), que vai criar um centro de direitos humanos para dar assistência jurídica e psicológica para apoiar alunos do curso que se sentirem “vítimas de qualquer tipo de violação” como agressões sexuais, machismo racismo e homofobia. Em nota divulgada nesta tarde, a faculdade diz que o centro “estará atuando em até 40 dias”, e contará com membros da diretoria da faculdade, além de professores e especialistas.

Ainda de acordo com o comunicado, a FMUSP diz que “o novo órgão também terá como missão, além do acolhimento das vítimas, a apuração de denúncias e a eventual punição dos envolvidos, de acordo com o regimento da Universidade de São Paulo, e a promoção de políticas institucionais em defesa dos direitos humanos”.

Na tarde desta quarta, diretores da faculdade se reuniram para discutir as denúncias de violência sexual contra mulheres e abusos contra estudantes negros e negras e homossexuais dentro da faculdade. A reunião aconteceu um dia depois que, em audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo, três vítimas de violência sexual sofridas em festas da faculdade foram ouvidas pela Comissão Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania, da Participação e das Questões Sociais (CDH).

Na nota, porém, a FMUSP diz que a decisão de abrir o centro “é parte de um processo iniciado em 2013 que inclui sindicâncias abertas para apurar as denúncias, designação de Comissão composta por professores, alunos e funcionários, e viagem de uma comitiva, no mês de setembro, à Universidade de Toronto para conhecer as medidas adotadas pela instituição em defesa dos direitos humanos e promoção da saúde”. Segundo a faculdade, o centro receberá denúncias identificadas ou anônimas.

Por meio da nota, José Otavio Costa Auler Junior, diretor da FMUSP, afirmou que o primeiro objetivo do centro é “garantir todo o apoio à vítima caso haja alguma violação” e, depois, punir os responsáveis. “Mas é fundamental ressaltar que tudo isto está sendo feito com os alunos, em um projeto conjunto que interessa a todos. Diretoria, professores, alunos e funcionários somos parceiros nessa caminhada”, afirmou ele no comunicado.

Auler Junior disse que “casos de abuso são exceções dentro da faculdade”, mas que “eventuais violações aos direitos humanos não são toleradas” na faculdade.

 

Inquérito civil

A promotora de Justiça de Direitos Humanos e Inclusão Social do Ministério Público do Estado de São Paulo, Paula de Figueiredo Silva, disse em entrevista ao G1 que os relatos de alunas vítimas de violência sexual em festas da Faculdade de Medicina mostram que “há naquele ambiente universitário uma cultura violenta e opressiva”. Ela instaurou um inquérito civil para apurar as denúncias de abusos de estudantes contra alunas mulheres, negros e homossexuais dentro da faculdade. A promotora apura também quais ações a direção da faculdade está tomando para evitar esta prática.

No inquérito civil ao qual o G1 teve acesso, a promotora relata: “Dentre as condutas opressoras, relatou-se a ocorrência de 8 (oito) estupros nos últimos anos, ocasiões em que as vítimas não obtiveram qualquer suporte da Diretoria, que deixou de dar prosseguimento a procedimentos administrativos de apuração. Mais do que isso: relata-se tentativas de ocultar os casos, a fim de evitar exposição à imagem da universidade. Uma das vítimas de estupro, através da mídia, deu publicidade à agressão sofrida e, em razão disso, passou a ser hostilizada por colegas”.

O inquérito inclui ainda a agressão a um casal homoafetivo que tentou entrar uma festa promovida pelos estudantes e faz referência a piadas de um professor sobre as genitálias das alunas.

“Fiquei chocada, começou a narrar uma série de atos de discriminação contra mulheres, contra o público LGBT, além de outros atos violentos contra alunos”, afirmou a promotora.

Atuando na área de direitos humanos, a promotora não trata de inquéritos criminais, mas pretende reforçar ações para mudar a cultura que existe nas universidades. “Quero saber quais as matérias de humanísticas que existem no curso de medicina e como fazer uma ação humana desses alunos”, diz. “A educação é inspirada nos princípios da liberdade tem que formar o cidadão. Ainda mais na faculdade de medicina que vai trabalhar a vida humana e tratar com pessoas doentes.”

 

Vítimas relataram abusos

Segundo nota publicada no site da Alesp, as três vítimas que deram depoimento na audiência desta terça-feira “narraram as agressões sofridas em festas promovidas pela Atlética da FMUSP, e a pressão para que não denunciassem a fim de não “manchar a imagem da instituição”. Contaram que ficaram estigmatizadas na faculdade, e que os agressores estão impunes.”

O G1 ouviu uma das vítimas em reportagem publicada no dia 22 de agosto deste ano. A estudante disse que ela não é um caso isolado. “Tenho colegas aqui dentro da faculdade que foram estupradas e nunca chegaram a denunciar. A gente não tem vias para denunciar, não existe apoio, não existe acolhimento. Aqui na Faculdade de Medicina acontece, acontece em outras partes do campus, com certeza não sou um caso isolado”, disse a estudante, hoje com 23 anos.

Apesar de o inquérito ainda não ter sido concluído mais de três anos após o crime, a delegada que cuida do caso, Celi Carlota, da 1ª Delegacia de Defesa da Mulher de São Paulo, afirmou já ter elementos suficientes para indiciar o suspeito pelo crime de estupro. O caso aconteceu em uma festa chamada “Carecas do Bosque” na noite do dia 2 de abril de 2011. De acordo com a delegada, o suspeito é um homem que trabalhava com manutenção de ar condicionado no prédio da faculdade. Ele foi ouvido durante o inquérito e negou o crime.

 

Racismo

A reunião na Alesp também tratou de denúncias de racismo e machismo em um hino da faculdade de medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto (SP). O caso veio à tona no sábado (8) durante uma palestra sobre violência contra a mulher, realizada pelo curso de enfermagem da USP. A letra, que traz expressões como “morena gostosa”, “loirinha bunduda” e “preta imunda”, é de autoria da bateria do curso de medicina, conhecida como Batesão.

Segundo postagens de alunos, o hino foi divulgado este ano em um manual para calouros da medicina, juntamente com camisetas da atlética do curso. Procuradas pelo G1, a Atlética Acadêmica Rocha Lima e a Batesão não comentaram o caso. Em nota divulgada no Facebook, no entanto, a bateria pede desculpas e diz ser contra “qualquer forma de discriminação e preconceito.”

 

Fonte: G1