Alteração da Lei N. 8080: Ameaça ao Sistema Único de Saúde
Bárbara Grazielle Ramos e Renato Penha de Oliveira Santos | Artigo da Revista Saúde na Comunidade (RESC)
Da Abertura ao Capital Estrangeiro na Oferta de Serviços à Saúde
Art. 142. A Lei N. 8080, de 19 de setembro de 1990, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 23. É permitida a participação direta ou indireta, inclusive controle, de empresas ou de capital estrangeiro na assistência à saúde nos seguintes casos:
I – doações de organismos internacionais vinculados à Organização das Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica e de financiamento e empréstimos;
II – pessoas jurídicas destinadas a instalar, operacionalizar ou explorar:
a) hospital geral, inclusive filantrópico, hospital especializado, policlínica, clínica geral e clínica especializada; e
b) ações e pesquisas de planejamento familiar;
III – serviços de saúde mantidos, sem finalidade lucrativa, por empresas, para atendimento de seus empregados e dependentes, sem qualquer ônus para a seguridade social; e
IV – demais casos previstos em legislação específica.” (NR)
“Art. 53-A. Na qualidade de ações e serviços de saúde, as atividades de apoio à assistência à saúde são aquelas desenvolvidas pelos laboratórios de genética humana, produção e fornecimento de medicamentos e produtos para saúde, laboratórios de analises clínicas, anatomia patológica e de diagnóstico por imagem e são livres à participação direta ou indireta de empresas ou de capitais estrangeiros.”
Mas como a alteração nessa Lei vai impactar a assistência à saúde da população brasileira?
Os “artigos adicionados” podem apontar para uma realidade mais difícil para qualquer cidadão brasileiro ter o direito constitucional de ser assistido por um sistema de saúde público, universal e gratuito. Tais alterações na Lei N. 8080, mesmo com argumentos jurídicos não favoráveis, evidenciam a força de grupos econômicos e políticos ligados ao setor privado de assistência à saúde no Brasil, que almejavam, há algum tempo, a entrada do capital estrangeiro (que é mais forte, mais organizado e mais predatório) no setor de saúde brasileiro, frente ao crescimento do mercado ligado a este setor. Trata-se do quarto maior mercado no mundo, principalmente pelo fato de que o Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores compradores de insumos e serviços, pela existência de políticas de subsídios para ampliação do setor privado na saúde (por exemplo, o fato das pessoas terem desconto no imposto de renda para pagar assistência privada à saúde) alicerçado pelo crescente desejo da população em ter planos privados de saúde, já que o sistema público enfrenta problemas estruturais [3].
Frente às mudanças apontadas anteriormente, as entidades do Movimento da Reforma Sanitária já alertaram, em nota no site da ABRASCO (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), que existem quatro razões jurídicas para não defenderem essa alteração, pois ofendem a Constituição Federal, a Lei N. 8080 de 1990, a Lei Complementar N. 95 de 1998 e a Resolução N. 1 de 2002 do Congresso Nacional [4].
“O domínio pelo capital estrangeiro na saúde brasileira inviabiliza o projeto de um Sistema Único de Saúde e consequentemente o direito à saúde, tornando a saúde um bem comerciável, ao qual somente quem tem dinheiro tem acesso. Com a possibilidade do capital estrangeiro ou empresas estrangeiras possuírem hospitais e clínicas – inclusive filantrópicas, podendo atuar de forma complementar no SUS – ocorrerá uma apropriação do fundo público brasileiro, representando mais um passo rumo à privatização e desmonte do SUS [4].”
A ampliação do debate sobre os impactos dessa alteração se faz cada dia mais importante e urgente, frente às dificuldades do cenário politico e econômico atual em nosso país. Mais do que nunca, torna-se necessário retomar as concepções e os ideais da Reforma Sanitária, e articular amplos setores da sociedade civil para o avanço de lutas em torno de uma sociedade mais justa e de um sistema público de saúde estatal, universal e de qualidade.