Notas sobre o 13 de março

Ronaldo T Pagotto – advogado e militante da Consulta Popular.
Sp, 13.MAR.2016

Algumas anotações e apontamentos sobre os processos em curso, com alguns dados para ajudar nas análises.
1. Dois elementos novos diferenciam nesse último mês. O primeiro é a associação do PMDB com o PSDB na votação da Petrobras como operadora a priori. O segundo foi o indicativo da Convenção do PMDB de ontem, que, salvo alguma mudança brusca, deve começar a tirar o time. Esses elementos indicam que a instabilidade política – governo e parlamento – deve se acirrar.

2. Posição da esquerda: a linha conciliadora já vinha perdendo força em 2015, em franca desidratação, ganhou fôlego com intentos equivocados entre janeiro e final de fevereiro, e volta a perder força. Essa parte da esquerda é maioria no governo, mas não na sociedade e suas organizações, resultando em uma contradição explícita – já havia aparecido antes, mas agora fica ainda mais evidente: a linha do governo e a linha do campo que o sustenta, sobretudo PT e PC do B, gerando posições divergentes entre partido, centrais sindicais, movimentos sociais e governo.

3. A crise política é, simultaneamente, uma crise do sistema político (presidencialismo de coalizão) e de governo. Obviamente, o esforço das forças conservadoras em ofensiva é centrar a crise no governo e apenas pontualmente no sistema político (por exemplo, com a proposta de parlamentarismo do Aloysio Nunes é uma demonstração da presença do tema, embora secundarizado). Apostar que a crise política se intensificará em relação ao sistema político é correto no longo prazo, mas no curso-médio não tem amparo. Isso porque o impulso no debate é feito pela direita, que centra numa crise de governabilidade.

4. A crise econômica é mais grave e acelerada do que previam os mais pessimistas, resultando em degradação dos níveis de vida, crise dos orçamentos – federal, estaduais e municipais – e agravada com a ofensiva da lava-jato sobre setores da construção e infraestrutura.

5. A crise social e ambiental seguem ofuscadas mesmo com tantos sinais do aumento do desemprego, elevação do custo de vida, pedidos de falência – recuperação judicial e seguro-desemprego, da informalidade, de situações como as mortes na chuva em SP, parte delas por responsabilidade da Sabesp, que simplesmente abriu as comportas de uma barragem de Paiva Castro inundando Franco da Rocha, gerando vítimas e muito prejuízo à população[1].
5.1. Mesmo as denúncias da Lava-jato alcançando lideranças do PSDB, isso não reduz a capacidade de mobilização.

6. Sobre o alcance da ofensiva conservadora. Desde 2014 a esquerda apontava dúvidas sobre o alcance da ofensiva. Para muitos setores, colocar o governo nas cordas, obrigando-o a aplicar as políticas derrotadas seria o melhor cenário para a direita e o pior para a esquerda e o Brasil. Porém, mesmo aplicando parte do programa derrotado, a direita não se satisfaz. Isso porque analisar o alcance da ofensiva meramente no programa econômico derrotado é correto do ponto de vista da tática conservadora. Mas estamos diante de uma ofensiva estratégica, que tem, dentre outros, o seguinte papel:
6.1. Tirar o PT e Lula do jogo: criminalizar o PT para cassar a legenda é o objetivo de fundo, assim como enquadrar Lula entre os criminosos e submete-lo ao mesmo processo de destruição a que submeteram José Dirceu e José Genuíno.
6.2. Aplicar o programa neoliberal, completando o que ficou faltando: a começar pela destruição da Lei da Partilha (não apenas a mudança de operadora), privatizar a Caixa, BB, Petrobras, resolver a independência do BC, reduzir as políticas sociais, elevando o desemprego para níveis comprometedores ao Mov. Sindical.
6.3. Endurecer com as mobilizações e especialmente greves esse é um dos principais desafios. No último período o movimento sindical fez mais paralizações do que a década de 1980, alcançou negociações acima da inflação (ganho real) por anos e lutou com um quadro de pleno emprego – com os trabalhadores pouco pressionados pelo desemprego, além das mobilizações dos movimentos sociais, centralmente MST, MTST e MPL.
6.4. Colocar a esquerda na defensiva não apenas com derrota eleitoral, mas carimbada como corrupta, com lideranças presas, etc.
6.5. Retomar o papel do Brasil como aliando principal dos EUA na América do Sul
6.6. Não é seguro sangrar e garantir a aplicação do programa. Nada garante que o bloco liderado pelo PT não conseguirá se recuperar e vencer em 2018. As lições de 2006 – mensalão, 2010, 2012 e 2014 – no auge do mensalão, mesmo assim vencendo as eleições. Obviamente que em outra conjuntura, com a economia indo bem, mas não vale correr o risco de deixar o bloco apenas na defensiva, sangrando e aplicando o programa. É preciso fechar essa possibilidade.

7. Os atos de hoje e alguns sinais. Os atos seguiram o mesmo script do ano de 2015, centrado nas grandes cidades, sobretudo do sudeste, sul e Brasília, com o público majoritário dos setores médios (especialmente média e alta renda) e faixas de setores proprietários. As exaustivas imagens indicaram predomínio de brancos. Sobre a composição majoritária dos setores médios, isso não significa ausência de pessoas, grupos e forças advindas das camadas populares, algo normal nesses processos, com a capacidade da mídia de alcançar esses setores com discursos sobre problemas reais – como a crise política e residualmente a crise social. Mas indica que é o campo que resposte ao chamado, mobiliza e sai da passividade. A grande massa só assistiu.
Algumas diferenças em relação aos atos de 2015 são importantes de observar:
7.1. Diferenças de bandeira: ao longo de 2015 os grupos MBL – Mov. Brasil Livre, ROL-Revoltados On Line e VPR – Vem Pra Rua se digladiaram quanto à bandeira, chegando a rachar atos por conta da crise com intervenção militar x impeachment, etc. Isso ACABOU momentaneamente. Algum fator – certamente EXTERIOR – coesionou os 3 grupos.
7.2. Sobre a disputa entre eles. Os atos de 2015 ocorreram com forte disputa entre os três grupos, no princípio com predomínio do MBL do KAtaguiri (grupo financiado pelas Ongs da CIA), seguido do Revoltados On Line, que inventaram o boneco do Lula e Dilma. No último período o VPR – liderado pelo Rogério Chequer, que segundo o Wikileaks é ligado à Stratfor, considerada uma empresa gringa de inteligência (privada), também conhecida como uma segunda CIA.
O ato de hoje foi ligeiramente liderado pelo VPR, inclusive o mapa nacional dos atos foi produzido por eles, que possuem um site – MEGA – profissional de dar inveja a grandes empresas. Isso facilita a aproximação com o PSDB, superando o problema de 2015, em que os atos tinham pouca presença PSDBista, quando muito tímida, sob vaias e tensões de “fora políticos”. Hoje isso ocorreu sutilmente em SP.
7.3. São Paulo foi eleita como centro da ação. Brasília o ato foi do mesmo tamanho que março / abril de 2015, o Rio, BH, Salvador, Aracaju, João Pessoa, Fortaleza, Florianópolis idem, a surpresa foi o gigantismo de SP e o grande ato de Curitiba – Capital da Lava-Jato. Inclusive os atos foram agendados para o período da manhã para dar tempo de voarem para pegar o ato de SP, o que foi feito por Aécio e outros.
Nenhuma surpresa aqui. O nazi-fascismo nasceu nos grandes centros operários (como Munique)…

8. O campo “governista” tem reagido bem, apesar dos pesares. Letárgicos e lentos, mas querem ir pra rua e fazer lutas. Isso é um traço distintivo de 2013 até meados de 2015.

9. O campo da oposição de esquerda fica entre a omissão, a forte crítica ao governo – que também fazemos – e tergiversando sobre a ofensiva ser real ou coisa de medroso defensor do governo, etc. Parte está cerrando fileiras com o fora Dilma, outra na toca e só fala em crise do capitalismo, e tem até pra coroar, tem organização de esquerda pedindo a prisão do Lula por traição de classe. Destas o PSOL é o mais preocupante. Além de não ee posicionar, salvo individualmente ou mandatos, ficando parte justificando as posições da Luciana Genro e a outra metade as criticando. Terrível. O esquerdismo vive uma crise de política e ausência dela.

10. Tática defensiva exigirá unidade, unidade, unidade. E pra complicar, as bandeiras da mudança da política econômica, defesa da Petrobras, contra os projetos regressivos dos direitos conviverão numa CRESCENTE com a ascendência e PREPONDERÂNCIA da defesa da legalidade, contra a destruição do PT e prisão de Lula. Queiramos ou não…

 

[1] http://www.esquerdadiario.com.br/spip.php?page=movil-nota&id_article=5378

 

Foto: Rovena Rosa