Nota de repúdio: SUS perderá com a aprovação da PEC 241

As entidades abaixo assinadas vêm a público apresentar NOTA DE DESAGRAVO em favor dos pesquisadores lotados no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) Fabiola Sulpino Vieira e Rodrigo Pucci de Sá e Benevides, cuja pesquisa “Os impactos do novo regime fiscal para o financiamento do SUS e para efetivação do direito à saúde no Brasil” (Nota Técnica IPEA, n.º 28, 2016) é de inegável qualidade técnica, além de estar eticamente em sintonia com sua missão institucional. Causou espanto à comunidade científica e às entidades da reforma sanitária o documento assinado pela Presidência do IPEA na sua página eletrônica com o sentido de desautorizar o trabalho. Essa medida acarretou a exoneração da pesquisadora Fabiola Sulpino Vieira da Coordenação de Saúde da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (DISOC). Ademais, a presente nota de desagravo quer alertar a sociedade e as autoridades governamentais acerca dos impactos negativos da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241 sobre o financiamento do SUS, como já foi denunciado por uma série de entidades nacionais, entre elas, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) e o Conselho Nacional de Saúde (CNS). Os direitos sociais estão seriamente ameaçados com a aprovação da PEC 241, cenário que se torna ainda mais dramático na área da atenção à saúde.

 

(i) O CONGELAMENTO de gastos na saúde por 20 anos significará o sucateamento do SUS, a privatização do sistema de saúde e a piora das condições de vida da população brasileira.

O Estado brasileiro gasta muito pouco em saúde: o gasto público consolidado em saúde por habitante era menor do que R$ 3,00 (três reais) por dia em 2014, menos que uma passagem de ônibus, para oferecer transplantes, hemodiálise, remédios de alto custo, vacinação etc. para cobrir toda população. Nesse quadro de subfinanciamento crônico, na vigência das regras da PEC 241/2016 no período 2003-2015, em comparação com a despesa efetivamente empenhada em ações e serviços públicos de saúde, a preços médios de 2015, representaria uma perda de recursos federais para o SUS de R$ 135 bilhões no período.

Para se ter uma ideia da magnitude desse valor, o governo federal aplicou R$ 100,1 bi em saúde em 2015 (Fonte: MS/SIOPS). Como cerca dois terços do orçamento do Ministério da Saúde são repassados para estados e municípios, essa perda teria o mesmo efeito de deixar o Ministério da Saúde sem gastos quase durante um ano e meio, implicando na quase paralisação dos atendimentos de saúde à população.

Vale destacar que (i) os municípios já aplicam em média mais de um quarto dos seus orçamentos com saúde, muito mais do que o piso de 15% das receitas próprias estabelecido pela EC 29 e reafirmado pela EC 86 e (ii) no âmbito da renegociação das dívidas estaduais, vários estados aceitaram a cláusula que estabelece um teto de gastos nos próximos dois anos (e o governo tem declarado intenção de propor que o Novo Regime Fiscal seja estendido aos municípios).

 

(ii) A FALÁCIA do ganho real na saúde no ano de 2017

Apesar da recessão e da queda da arrecadação tributária, o governo federal estima que a Receita Corrente Líquida (RCL) será de 758,3 bilhões em 2017 (cenário otimista tendo em vista o desempenho da economia).

Pela regra da EC 86/2015, o gasto seria de apenas R$ 103,7 bilhões (13,7% RCL); pela PEC 241, o novo piso em saúde seria de R$ 113,7 bilhões (15% RCL) – por isso haveria um suposto aumento de R$ 10 bilhões.

Entretanto, embora tenha havido um aumento de alíquota, uma vez que a estimativa de receita está muito deprimida, se compararmos a evolução dos recursos em termos reais entre 2014 e 2017, veremos que não há ampliação de recursos, como alegam os defensores da PEC, senão vejamos:

• PERDA DE R$ 5,3 bi: corrigindo pelo IPCA (10,67% para 2015; 7,2% em 2016; 4,8% em 2017) as despesas de 2014 (R$ 95,7 bi), o piso deveria ser de R$ 119 bi em 2017

Em suma, o governo aplicará em 2017 menos do que manda a própria regra da PEC 241 (variação pela inflação).

 

(iii) O PISO SERÁ IGUAL AO TETO, por uma simples razão: a lógica do congelamento das despesas para produzir superávit primário e a própria definição da base fixa no ano de 2017

Em primeiro lugar, a série histórica dos últimos 16 anos da execução orçamentária e financeira do Ministério da Saúde comprova que o “piso” foi “teto” na maioria dos anos, exceto a partir de 2014, quando da queda da receita decorrente da recessão. A lógica “piso igual ao teto” se deu largamente com a presença de “restos a pagar” crescentes.

Além do mais, o congelamento das despesas primárias acabará na prática sancionando que o piso da saúde será igual ao teto, considerando a pressão que a PEC 241 submeterá aos outros gastos, especialmente na previdência.

E, finalmente, ao se definir uma base fixa para a aplicação dos gastos em saúde, desde que se preserve a variação da inflação em relação ao ano base, o governo pode reduzir as despesas de um ano para o outro (caso aplique um valor acima do piso), mecanismo que se justifica exatamente para não permitir que o gasto se descole do piso.

Se no período de vigência da EC 29, durante o qual o país experimentou taxas positivas de crescimento econômico, não foi possível expandir o gasto para níveis superiores ao mínimo, sob a vigência do teto para as despesas primárias previsto pela PEC, as dificuldades serão muito mais severas.

 

 (iv) NO LUGAR DA PEC 241 precisamos de uma reforma tributária progressiva, cobrando mais dos mais ricos, bem como a aprovação da PEC 01-D/2015

Há uma tremenda incerteza em relação à aplicação do governo federal em saúde no ano de 2016: diferente da estimativa apresentada pelo governo, há projeções que falam em R$ 90,9 bi (GTIF-SUS e IPEA), outras em R$ 84,5 bi (Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira – CONOF, da Câmara dos Deputados). Como a União destinou R$ 100,1 bi em ações e serviços públicos de saúde em 2015, isso significaria, em termos nominais, respectivamente, aplicar menos R$ 9,2 bi e R$ 15, 6 bi este ano.

O governo alega que aplicará R$ 106,9 bi (13,2% da RCL – que está superestimada em R$ R$ 809,4 bi). As diferenças são gritantes. Não acreditamos na capacidade do governo manter esse patamar de recursos estabelecidos pelo decreto de contingenciamento, apesar da ampliação do deficit primário, ou da possibilidade do crescimento dos “restos a pagar”.

É preciso continuar a pressão contra a PEC 241/2016: desde o envio para a Câmara dos Deputados em junho/2016, o governo já fez recuos explícitos mediante alterações naquele texto originalmente encaminhado, sem, contudo, alterar a essência de reduzir as despesas primárias pelos próximos 20 anos. Não há o que “remendar” nessa PEC: é preciso que os parlamentares não a aprovem e busquem alternativas menos injustas para recuperar o crescimento da economia e o padrão de financiamento dos gastos sociais.

 

(v) PEC 241 É O INÍCIO DO FIM do incipiente estado de bem-estar social brasileiro

Como o gasto público em saúde gira apenas em torno de 4% do PIB, a aprovação da PEC parece arriscada para a segurança dos trabalhadores e das famílias brasileiras, uma vez que, para implantar o ajuste fiscal, pretende-se estabilizar a trajetória da dívida pública, subtraindo direitos sociais na educação, saúde, previdência e assistência social.

Tendo como premissa um programa econômico ultraliberal, esse ataque à Constituição se apoia na ideologia do estado mínimo: o problema é o tamanho do SUS e as vinculações constitucionais, isto é, a democratização do acesso à saúde pública. Em compensação não há medidas para penalizar os mais ricos, diminuir as desonerações fiscais dos empresários ou para reduzir os juros.

O governo usa a recessão para fazer uma projeção catastrofista e assim pretende sacrificar direitos para manter a dívida pública em patamares sustentáveis, favorecendo o rentismo e penalizando as classes populares e médias. Afinal de contas, se não há intenção do governo de reduzir os gastos em saúde, por que o governo não o exclui dos limites estabelecidos pela PEC?

 

 

Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES)
Associação Brasileira de Saúde Pública (Abrasco)
Asociación Latinoamericana de Medicina Social (Alames)
Associação Nacional do Ministério Público de Defesa da Saúde (Ampasa)
Associação Paulista de Saúde Pública (APSP)
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes)
Rosa Maria Marques, professora titular do Departamento de Economia e do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUCSP e presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde