Nota introdutória sobre a nova portaria da CIT que trata das transferências SUS fundo a fundo

Francisco R. Funcia*
Economista e Mestre em Economia Política (PUC-SP), consultor técnico do Conselho Nacional de Saúde e diretor da ABrES (Associação Brasileira de Economia da Saúde)
 

Uma nova portaria – que tratou da criação das modalidades custeio e investimento para a transferência federal de recursos SUS fundo a fundo para Estados, Distrito Federal e Municípios em substituição aos blocos de financiamento da portaria 204 do Ministério da Saúde – foi aprovada na CIT (Comissão Intergestores Tripartite) na reunião de 26 de janeiro passado.

 

Em linhas gerais, essa mudança deveria ser valorizada pela desburocratização do processo de financiamento do SUS, possibilitando maior flexibilidade operacional na utilização dos recursos, objeto de demanda antiga principalmente dos gestores públicos, mas não pode ser analisada de forna descontextualizada.

 

Nos termos do artigo 17 da Lei Complementar 141/2012, os termos dessa nova portaria, bem como os demais critérios de rateio que ainda deverão ser estabelecidos pela CIT para a definição dos valores das transferências de recursos federais do SUS fundo a fundo para Estados, Distrito Federal e Municípios, deverão ser objeto de análise e deliberação do pleno do Conselho Nacional de Saúde antes de entrarem em vigor.

 

O fato dessa nova portaria possibilitar a desburocratização da utilização dos recursos SUS e atender a uma reivindicação antiga dos gestores não pode ser considerada uma condição suficiente para aprovação imediata da medida, considerando o contexto atual do financiamento das políticas sociais, em particular da seguridade social e do SUS, vitimadas por um processo que parece caracterizar um desmonte do regramento constitucional da garantia dos direitos de cidadania no estágio ainda incipiente de construção do Estado de Bem Estar no Brasil.

 

Por exemplo, havia uma comissão formada por especialistas e gestores sob coordenação do Ministério da Saúde desde 2012, que estudava uma mudança da portaria 204 para a redefinição dos critérios atuais (sob a forma dos blocos de financiamento) de transferências federais de recursos SUS fundo a fundo para Estados, Distrito Federal e Municípios. Seria muito importante saber do Ministério da Saúde o estado da arte dos trabalhos dessa comissão e qual é a relação que será estabelecida com os encaminhamentos posteriores para a complementação dessa medida inicial e preliminar criada pela nova portaria CIT – criação das modalidades de custeio e investimento para a transferência federal de recursos fundo a fundo em substituição aos blocos da portaria 204.

 

Sem esses critérios complementares, essa nova portaria poderá gerar distorções no processo de financiamento do SUS, pois poderá provocar a realocação de recursos da atenção básica, assistência farmacêutica e vigilância em saúde para a média e alta complexidade no contexto do desfinanciamento a ser gerado pela Emenda Cinstitucional 95/2016. Essa portaria agrada muito aos gestores no contexto da crise fiscal, mas tenderá a fortalecer o financiamento do modelo atualmente baseado na Media e Alta Complexidade, que gera demanda por recursos adicionais e de forma organizada e oligopolista pelos hospitais privados e filantrópicos contratados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios.

 

Enfim, é preciso ter cuidado em manifestações explícitas de apoio ou crítica à nova portaria sem que se tenha acumulado uma reflexão mínima à luz do atual contexto, ouvindo atentamente usuários, trabalhadores e gestores do SUS, além dos pesquisadores de universudades e integrantes do movimento da reforma sanitária e dos movimentos sociais, instituições e entidades de defesa do SUS. Do contrário, a falta de unidade do campo progressista da saúde pública levará ao fortalecimento das ações unitárias de desmonte do SUS pelo campo conservador e pró-mercado explicitamente manifestadas na atual realidade política brasileira.