Saúde direito humano de cidadania?

PROPOSTA DAS GRANDES ENTIDADES PRIVADAS DE SAÚDE APRESENTADA EM ABRIL/2018

 

Nelson Rodrigues dos Santos

 

Neste mês de Abril/2018 as pessoas, entidades e autoridades públicas que debatem o atendimento á saúde, acompanharam a divulgação de proposta de criação de um Sistema Nacional de Saúde, apresentada pelo “Instituto Coalizão Saúde” em nome de 25 entidades nacionais privadas. A prof. Lenir Santos, reconhecida jurista na área da saúde, logo a seguir publicou o oportuno artigo que recomendamos: “SUS, O QUE TEMER?” na domingueira do Instituto de Direito Sanitário Aplicado-IDISA (www.idisa.org.br ), onde enfatiza: “Não devemos temer propostas e debates sobre sistemas de saúde em nosso país, cujos princípios e diretrizes são cláusula pétrea na Constituição Federal, mas sim, sua desidratação no cotidiano, no acesso universal e igualitário, no sub- financiamento, na má gestão, na utilização política das suas estruturas, etc. Temos que acreditar em nossa Constituição e manter eterna vigilância na definição e execução de políticas de saúde na sua qualidade e quantidade”.

 

Lembramos que nos anos eleitorais de 2011 e 2014, representações das entidades privadas hospitalares e de planos privados de saúde expuseram publicamente suas posições e pressões por sistema de saúde mais vinculado ao mercado no setor, e financiando fortemente as campanhas eleitorais dos candidatos mais fortes principalmente ao nível da presidência da República. As 7 maiores entidades nacionais de planos e hospitais privados contrataram da internacional Antares Consulting, projeto para o sistema de saúde no Brasil, com 61pgs,propondo 3 níveis de gestão, 10 eixos estratégicos e 12 propostas (Livro Branco da Saúde), que foi entregue em mãos á presidência da República em 2015. Em 2018, ás 20 maiores entidades privadas nacionais de serviços de saúde, incluindo os hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês, somam-se 5 entidades nacionais da indústria na saúde, que assumem o projeto apresentado pelo Instituto Coalizão Saúde em Abril/2018, com 117pgs e uma agenda prioritária com 8 propostas.

 

Lembramos agora dois ângulos sob os quais as entidades privadas na saúde nos 30 anos do SUS vêm atuando: a) não priorizaram debate nacional político e jurídico para alterar a Constituição a favor do mercado na saúde, isto é, explicitamente vem “cumprindo” as disposições constitucionais, e 2) na sua prática assistencial e de gestão da oferta dos serviços, vem predominando nesses 30 anos, implicitamente, a lógica dos interesses dos prestadores de serviços no mercado, acima da lógica dos direitos sociais e do modelo de atenção á saúde remetido pelos princípios e diretrizes constitucionais. No parágrafo seguinte lembraremos alguns fatos já constatados dessa lógica implícita. Desde já lembramos que o pacto social em construção nos anos 80 em nosso país, repousava na democratização do Estado, na retomada do desenvolvimento e em políticas públicas universalistas na saúde, educação, previdência social e outras, no contexto do Estado de Bem Estar Social que se consolidava há quase um século na Europa e após, no Canadá, Austrália, Japão e em vários outros países. Nosso pacto social em gestação nos anos 80 tomava como referência os sistemas públicos de saúde naqueles países que desenvolviam modelo de atenção integral á saúde calcado em rede de Atenção Primária universal de alta resolutividade, contando com opção, em média, de 90% da população, e com 75 a 80% dos gastos totais com saúde, de origem pública. Esse referencial foi debatido e aprovado na 8ª Conferência Nacional de Saúde(1986), na Comissão Nacional da Reforma Sanitária(1987)e na Assembleia Nacional Constituinte(1988), sob a égide dos citados Estados de Bem Estar Social.

 

Seguem alguns exemplos de fatos constatados nos 30 anos do SUS, sob a lógica implícita : a)- sub-financiamento federal que mantém o SUS entre 3,7 a 3,9% do PIB, enquanto nos países já referidos está entre 7 e 8%, b)- 65% das internações e acima de 90% dos exames diagnósticos fornecidos pelo SUS são comprados em serviços privados contratados, com incontroláveis interesses de mercado nos critérios técnicos, c)- o valor dos subsídios federais ás empresas privadas de planos de saúde ultrapassa o valor do lucro líquido declarado dessas empresas, e corresponde entre 30 e 40% do gasto federal com o SUS, d)-polpudos empréstimos subsidiados do BNDES e outras agências para a quase duplicação das edificações e equipagem de hospitais privados sofisticados de grande porte, como também de hospitais próprios de empresas de planos privados, e)-legalização da entrada de capital estrangeiro no mercado nacional, inclusive para aquisição de hospitais e laboratórios, f)-redução do financiamento federal com a EC-86/2015(13,2% da RCL) e depois com a EC-95/2016 com base na inflação do ano anterior, e g)-25 a 30% da população(classe media-alta, media-media e parte da media-baixa que inclui a estrutura sindical formal privada e pública) dispõe de planos privados de saúde(dos mais baratos aos caríssimos)todos subsidiados, e são usuários do SUS, incluindo serviços e materiais mais caros financiados por ações judiciais, totalizando per-cápita de financiamento 5 a 6 vezes maior que o dos 70 a 75% que dispõem somente do SUS(maior parte da classe media baixa, trabalhadores informais , pobres e miseráveis).

 

Entre varias consequências, esse conjunto de constatações nos 30 aos do SUS vem gerando elevadíssimos porcentuais de diagnósticos e tratamentos tardios de maior custo e inestimável sofrimento humano, evitáveis e não raro, desnecessários. Essas e outras constatações, interligadas, compõem a lógica implícita do setor privado no mercado. Apontam para: a)um engendramento de arranjo público-privado que impede ou distorce o desenvolvimento do modelo de atenção á saúde remetido pelos princípios e diretrizes constitucionais, e b)uma articulação entre o grande capital na saúde e Estado, visando “modernizar” o arranjo público-privado e o controle do orçamento público na saúde. Pesquisas de opinião apontam em nosso país as duas maiores queixas: a corrupção e a desassistência na saúde. Por outro lado, nos 30 anos do SUS vem ocorrendo o resgate dos valores do direito humano e da solidariedade nos corações e mentes da maior parte dos que ali trabalham: profissionais e outros trabalhadores de saúde, gestores descentralizados, conselheiros de saúde, estagiários, etc., verdadeira “militância SUS”, que permanece acumulando o testemunho e sentimento do que conseguem fazer de bem para a população que deles necessita: – na Atenção Básica, na Saúde Mental, na Vigilância da Saúde, na Saúde do Trabalhador, na AIDS, no SAMU, no transplante de órgãos, etc. Aqui retomamos Lenir Santos: – “Temos que acreditar em nossa Constituição e manter eterna vigilância na definição e execução de políticas de saúde na sua qualidade e quantidade”. Acrescento que o “Temos” deve estender-se a amplas forças sociais, nos vários segmentos, entidades, movimentos e representantes políticos, todos insistente e permanentemente informados e mobilizados pela “militância SUS”, com pena do implícito com o tempo passar a explícito, tornando-se menos reversível. Mais uma meta e desafio para este ano eleitoral de 2018.