Dia internacional de LUTA pela saúde das mulheres!

O mês de maio no Brasil é um mês de luta das mulheres, em especial pelo dia 18 de maio, Dia nacional de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes. Essa data surgiu em memória ao caso da menina Araceli, de 8 anos, que foi violentada e queimada por rapazes de classe média alta no estado do Espírito Santo. O crime ocorreu em 1973, em plena ditadura militar. Os autores do feminicídio nunca responderam legalmente pelo crime. A estrutura patriarcal se perpetua em nossa sociedade. A dinâmica econômica brasileira mais favorável pelo ciclo expansivo 2004-2013 não transformou as condições de inserção e permanência das mulheres no emprego e na estrutura produtiva, de forma a permitir melhores possibilidades de articulação entre o mundo produtivo e reprodutivo e que, dessa forma, se constituísse um mercado de trabalho mais simétrico nas relações sociais de gênero.

 

A percepção do tempo e o significado do trabalho estão definidos pela posição que os gêneros ocupam na divisão social e sexual do trabalho remunerado e não remunerado, na qual as ocupações relacionadas ao cuidado e cura são atribuídas às mulheres. Dados do IBGE de 2017 apontam que, independentemente da idade, homens entre 20 e 50 anos gastam 25% das horas trabalhadas com o trabalho doméstico, enquanto as mulheres gastam 50% de horas trabalhadas. Isso sem contar o trabalho emocional que tanto sobrecarrega e oprime as mulheres no ambiente profissional, social e nas relações afetivas. A sociedade “garante” que as mulheres sejam responsáveis pelas emoções, para que os homens sejam liberados desta tarefa.

 

Fatores econômicos impactam diretamente nas questões de gênero. O Brasil vive um momento de crises, em que o governo apresenta medidas de arrocho/austeridade como a “salvação” para não enfrentar os problemas estruturais do sistema e da sociedade. As políticas sociais, e em particular, as políticas de equidade, como as de ampliação dos direitos das mulheres, estão ainda mais ameaçadas desde que entrou em vigor um novo regime fiscal, através da Emenda Constitucional nº 95, que estabelece um congelamento dos gastos em políticas sociais, como saúde e educação, por 20 anos. Com a limitação dos orçamentos públicos, o setor privado terá mais demanda e a “oportunidade” de ampliar os lucros, mediante a ampliação do sistema suplementar de saúde, por exemplo.

 

Além disso, outros fatores são importantes ameaças aos direitos das mulheres, tais quais, a (des)regulação ambiental e fundiária. Como dizia Simone de Beauvoir: “[…] basta uma crise política para os direitos das mulheres estarem sob ataque”. E as principais mulheres afetadas serão as mulheres negras, nos quilombos, aldeias, ribeirinhas, refugiadas e pobres. Portanto, é preciso medir o quanto a vida das mulheres brasileiras tende a piorar no tempo com essas medidas. Em lugar de melhorar o cenário econômico, a austeridade acaba por agravá-lo, além de trazer piora dos indicadores de equidade de gênero. E quando se analisa o nosso injusto sistema tributário, verifica-se que a carga tributária é mais pesada para os estratos de mulheres negras pobres.

 

Outro marco de luta das mulheres é o dia internacional de ação pela saúde das mulheres, no dia 28 de maio. A violência de gênero é uma realidade alarmante. O elevado número de mulheres mortas por agressão e a violência de repetição revelam a fragilidade das redes de prevenção, atenção e proteção no atendimento integral, qualificado e oportuno às vítimas. Dados do Ministério da Saúde Brasileiro mostram que, entre 2011 e 2015, em quase todas as faixas etárias, as mulheres negras são as principais vítimas (BARUFALDI, 2017). O percentual de meninas até 13 anos que tiveram filhos também é maior entre negras (67,5%). O local onde predominantemente ocorrem as violências sexuais é a própria residência da vítima (69,3%). Apesar da maior parte dessas meninas de até 13 anos que tiveram filhos, serem solteiras (76,1%), chama a atenção o fato de que 19,6% delas informarem união estável. E a violência por repetição ocorreu em 58,2% dos casos. Essas violências geram sequelas físicas, emocionais e psicológicas ao longo da vida das mulheres (SOUTO, 2017). Apesar de políticas sociais institucionalizadas, como a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) (BRASIL, 2011), o Brasil ainda tem grandes desafios para viabilizar e implementar políticas de atenção integral, em particular voltadas a mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais. Com o corte profundo do orçamento da saúde, essas políticas são umas das com maiores riscos de serem prejudicadas.

 

Outra ameaça é o Projeto de lei como o “Escola Sem Partido” que proíbe o uso dos termos “gênero” e “orientação sexual” nas escolas, pregando suposta neutralidade das professoras e professores em sala de aula. O projeto é capitaneado por setores conservadores da bancada evangélica, do agronegócio e de outros grupos, e representa uma ameaça prolongada, que reforça a heteronormatividade e o patriarcado. Outro projeto de lei que nos ameaça é o projeto do nascituro, no qual se busca garantir o direito à vida após a fecundação, tipificando o aborto como crime hediondo. Em algumas capitais do país, a aborto é uma das principais causas de morte materna, por abortos realizados em condições inseguras, sem a assistência adequada.

 

Assim, é importante entender que o aborto deve ser tratado como uma questão de saúde e não de segurança pública. E não esqueçamos das mulheres privadas de liberdade. Segundo levantamento do Ministério da Justiça, o Brasil é o 4º país com mais mulheres presas no mundo, sendo que 45% dessas mulheres estão presas sem condenação (presas provisórias) (BRASIL, 2018). Também é importante lembrar das mães das filhas e filhos assassinados, presos e desaparecidos, que seguem a vida adoecidas, com a saúde integralmente comprometida, vivendo na ausência de direitos e afetos. Os golpes sofridos pela população no decorrer dos últimos anos, impacta diretamente na vida das mulheres. Neste ano de 2018, ocorreu o assassinato político e considerado crime de Estado da vereadora Marielle Franco, mulher, militante, lésbica, negra e segunda vereadora mais votada no município. Oriunda da favela da Maré, no Rio de Janeiro, foi vítima de mais um caso de misoginia, racismo, machismo e fascismo.

 

Existir e resistir no atual contexto social e político brasileiro tem sido um desafio profundo. Mas não nos silenciaremos. Resistimos e gritamos em repúdio à execução dessa e de tantas meninas e mulheres que perdemos a cada dia: Marielle Franco, presente!

 

“Quiseram te enterrar, mas não sabiam que era semente” (autor desconhecido)

 

Alane Andrelino Ribeiro – Diretora Executiva do Cebes

Norma Esther Negrete Calpineiro – Integrante do Cebes Núcleo Brasília

 

Referências

 

BARUFALDI, Laura Augusta et al. Violência de gênero: comparação da mortalidade por agressão em mulheres com e sem notificação prévia de violência. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 9, p. 2929-2938, set. 2017.
BRASIL. Ministério da Justiça. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Infopen Mulheres. 2ª Edição. Brasília – DF. 2018 . Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres/infopenmulheres_arte_07-03-18.pdf
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.836, de 1º de dezembro de 2011.Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBT).
SOUTO, Rayone Moreira Costa Veloso et al . Estupro e gravidez de meninas de até 13 anos no Brasil: características e implicações na saúde gestacional, parto e nascimento. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro , v. 22, n. 9, p. 2909-2918, set. 2017.