Cebes: mais médicos, mais saúde, mais cidadania!

O Cebes considera uma violência contra a população brasileira a morte do Programa Mais Médicos com o fim da participação cubana em decorrência das agressões irresponsáveis do presidente eleito. Agressões que vem desde suas acusações iniciais que entre os médicos haveria combatentes para instaurar uma ditadura comunista no Brasil.

Criado em 2013 pela presidenta Dilma Roussef, o programa tinha como objetivo garantir a atenção primária a milhões de brasileiros que não tinham acesso a serviços de saúde devido à ausência de médicos que se dispusessem a atender em comunidades distantes, violentas ou simplesmente muito pobres.

Na página do Programa Mais Médicos é esclarecido que:

            O programa apresenta uma ordem de prioridade, definida em sua Lei, na qual as vagas solicitadas pelos municípios e autorizadas pelo Ministério da Saúde devem ser, primeiramente, oferecidas aos médicos com registro no país, ou seja, na maioria médicos brasileiros formados no Brasil, mas também estrangeiros formados no Brasil e brasileiros ou estrangeiros formados fora do Brasil que revalidaram seus diplomas. Se restarem vagas depois da escolha desse primeiro grupo, elas serão oferecidas a um segundo grupo, composto por médicos brasileiros formados no exterior. Havendo ainda vagas, são oferecidas a um terceiro grupo constituído de médicos estrangeiros formados no exterior.

            Uma questão importante é que, para o segundo e o terceiro grupos, só podem ser médicos que tenham se graduado ou exerçam a medicina em países com a proporção de médicos por habitante superior a 1,8 por mil (equivalente à do Brasil em 2013, ano de criação do Mais Médicos). Caso ainda persistam vagas mesmo depois de oferecidas a estes três grupos, a Lei autoriza o governo brasileiro a utilizar acordo internacional que foi celebrado com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e que traz os médicos cubanos, funcionários do Ministério da Saúde Pública de Cuba, para atuar nas vagas remanescentes.[1]

Ou seja, a participação dos médicos cubanos se dá através da Organização Pan-Americana da Saúde e ocupa apenas as vagas não cobertas por médicos brasileiros ou de outras nacionalidades. Em cinco anos, aproximadamente 20 mil profissionais cubanos atenderam mais de 113 milhões de pacientes num total de municípios que ultrapassa 3.600 municípios. Ao todo, a cobertura dos cubanos abrange um universo de 60 milhões de brasileiros e constitui 80% de todos os médicos participantes do programa. Em mais de 700 municípios, o primeiro médico de sua história foi um cubano, 1.575 municípios só possuem médicos cubanos do Programa.

Em razão das declarações reiteradas desde a eleição do presidente eleito, sairão mais de 8.000 médicos cubanos dos locais onde hoje trabalham. Os 2.885 municípios do país que contam com médicos cubanos são, em sua maioria, as áreas mais vulneráveis. Os cubanos atendem a região Norte do país, o semiárido nordestino, as cidades com baixo IDH, a saúde indígena e as periferias de grandes centros urbanos. Existem 300 médicos cubanos atuando nas aldeias indígenas, ou seja, 75% dos que atuam na saúde indígena do país.

É importante frisar que os locais onde os cubanos atuam foram oferecidos antes a médicos brasileiros, que não quiseram trabalhar nestas localidades. Em 5 anos de Programa, nenhum edital de contratação de médicos brasileiros conseguiu contratar a quantidade de profissionais que agora deixará o país, sendo que o maior edital contratou 3 mil brasileiros.

O presidente eleito impôs exigências para a continuidade do programa a saber: a realização do Revalida (exame para revalidação dos diplomas médicos obtidos no exterior); recebimento integral do salário; e a possibilidade de trazerem suas famílias.

Primeiro, é importante frisar, os médicos cubanos não migraram para o Brasil de forma que se faria necessário trazer suas famílias, mas sim vieram em uma missão temporária, tanto que cerca de 20 mil profissionais ocuparam ao longo destes anos em que o programa está vigente cerca de 8.500 vagas.

A questão do recebimento do salário integral chega a ser interessante. Estaria o presidente eleito propondo o fim da terceirização no serviço público? Afinal, os trabalhadores terceirizados nunca recebem a íntegra do que é repassado às empresas contratadas. E ainda cabe uma pergunta, os funcionários do governo brasileiro que trabalham no exterior estarão isentos de tributos e contribuições na gestão Bolsonaro? Pois se o governo cubano não pode capturar nada da receita dos seus funcionários no exterior, a lógica seria a mesma para o Brasil.

Por fim, a questão do Revalida, ainda que possa ter sua razoabilidade, mais do que uma efetiva aferição da qualidade dos profissionais de saúde cubanos, trata-se de uma reserva de mercado preconceituosa por parte das corporações médicas para bloquear o acesso à saúde de populações que os médicos brasileiros se recusaram a atender.

O fato é que inexiste estrutura médico-sanitária no Brasil que possa substituir os médicos responsáveis pelo único atendimento em mais de 1.500 municípios brasileiros carentes. Não existe disposição de profissionais médicos brasileiros de substituí-los. Não existe serviço civil que estabeleça a obrigação de profissionais médicos formados em escolas brasileiras de exercer dois anos de trabalho nos mais distantes locais do país para depois seguirem uma carreira médica de estado caso tenham interesse, ou ainda para buscarem se especializar em grandes centros. Como não existe, a população assistida pelo Programa Mais Médicos ficará desassistida. Quem se comoverá com isso nesse ambiente de jogo de interesses? Quem tomará providências de garantir que a assistência à saúde é direito do cidadão e dever do Estado?

O Cebes já publicou vários textos analisando criticamente as vantagens e os problemas do Programa Mais Médicos, sempre reconhecendo a necessidade de que o PMM fosse aprimorado ao mesmo tempo que a educação médica e o registro profissional sejam executados por aparelho de estado não capturado por interesses antagônicos aos da população brasileira.

Neste momento em que um chefe de estado eleito, que ainda não tomou posse, já governa por tuítes e cria condições agressivas e desfavoráveis para o exercício profissional dos estrangeiros, o Cebes manifesta solidariedade e agradecimento aos profissionais estrangeiros, especialmente aos que vieram da República de Cuba. O Cebes exige do estado brasileiro garantias à integridade física e moral dos médicos que vão embora, para que tenham condições de deixar o país com saúde e segurança. Agradecemos o alívio da dor e o prolongamento da vida que estes profissionais trouxeram para a população brasileira e esperamos que melhores dias possam trazer mais médicos, mais profissionais de saúde, mais cultura, ciência e tecnologia para proteger a saúde e prevenir as doenças que hoje agravam o sofrimento dos brasileiros.

[1]    Ver em perguntas frequentes a questão: “Quais médicos podem participar?”. Diponível em <http://maismedicos.gov.br/perguntas-frequentes>. Acesso em 16/11/2018.