O Apagão Censitário: uma Tragédia Anunciada

Mario Francisco Giani Monteiro*

O atual desgoverno, capitaneado pelo Bolsonaro e generalizado pelo Mourão, tem como seu maior inimigo a informação qualificada e honesta. Essa é temida por eles ainda mais que o Presidente Lula e o “Comunismo”.

Neste momento de total falta de credibilidade no governo, o conhecimento dos fatos pode piorar ainda mais a situação, jogando no lixo o abalado respeito pelo Poder Executivo, no Brasil e no exterior.

Diante dessa ameaça à Democracia e Justiça Social, diversas instituições e usuários do Censo têm se manifestado com críticas sérias às “novidades do Censo 2020”.

Apresentamos a seguir um sumário de algumas críticas às mudanças propostas que, com a redução em 25% dos recursos financeiros que deveriam ser destinados à realização do Censo 2020, terão graves consequências diminuindo os recursos humanos e materiais necessários, além da mutilação dos questionários usados na coleta de informações.

O corte drástico na quantidade de perguntas feitas à população, proposta pela Direção do IBGE, contrariou a avaliação de técnicos do órgão e provocou discordância entre integrantes da comissão, que contestaram a eficácia do enxugamento do questionário sem que fosse apresentada pela direção do órgão uma expectativa factível de economia com a eliminação das informações que seriam levantadas.

A ABRASCO emitiu a seguinte nota em defesa do Censo 2020: “A política de austeridade, as ameaças de corte de 25% em seu orçamento podem levar à redução da informação e da cobertura do Censo 2020, o que irá comprometer o planejamento e monitoramento de todas as políticas públicas em curso, além de afetar gravemente as projeções futuras de nossos indicadores.

Na área da saúde, especificamente, os prejuízos serão imensuráveis em vários aspectos. Todos os indicadores de saúde utilizados para programação, monitoramento e mesmo pagamento das ações de saúde realizadas no Sistema Único de Saúde (SUS) são calculados com base nos denominadores populacionais estimados pelo IBGE.

A desagregação de informações pelas áreas de ponderação é essencial para conhecer o perfil demográfico, social e econômico em todos os pequenos municípios do país e em áreas distintas de municípios maiores.

Não é possível, portanto, abrir mão da coleta de informações reduzindo equipes ou áreas a serem visitadas. Além disso, para a construção de séries históricas sobre as condições de saúde, confia-se no princípio da comparabilidade dos dados.

Portanto, uma quebra em qualquer das etapas do processo do Censo, seja reduzindo o tamanho do questionário ou da equipe de coleta, pode levar a erros importantes e comprometer em muito a vigilância em saúde e a necessidade de recursos destinados à atenção, à prevenção de doenças e à promoção da saúde.”

Entrevista de Margareth Arilha, psicanalista e pesquisadora do Nepo (Núcleo de Estudos em População Elza Berquó), da Unicamp, publicada em 17/04: Censo 2020.

“Inúmeras tem sido as áreas em que o Brasil vem andando de ré, e em velocidade de alto risco. Um dos últimos exemplos tem sido a situação do Censo 2020. No próximo ano, devemos ter circulando pelo país, um conjunto de recenseadores, buscando informações qualificadas, em nossas casas, de tal forma que o país possa construir ao longo dos anos seguintes, um conjunto de políticas públicas que atendam as necessidades identificadas, buscando reduzir lacunas de direitos para todos os grupos populacionais.

Tal esforço, crucial momento na vida de qualquer país, está atualmente absorvendo os profissionais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que é a instituição responsável por colocar a pesquisa na rua. Dada a complexidade da tarefa, o instituto historicamente se apoia num conjunto de especialistas que, em Comissão, busca escutar e tomar decisões que atendam os objetivos centrais da tarefa, isto é, encontrar formas cada vez mais qualificadas, de obter informações imprescindíveis para uma boa e ética condução futura, técnica e política, do país.

Neste ano, a Demografia tem sido surpreendida pela insistente tentativa de corte global do instrumento de pesquisa, um conjunto de questões estudadas com inteligência e sensatez. Revisar práticas é salutar, buscar caminhos inovadores sempre é saudável. Buscar reduzir custos num pais com dificuldades orçamentárias, também.

Mas, ocorre que há situações já definidas como positivas que não deveriam ser deixadas de lado. O censo brasileiro tem elementos de pesquisa que são fundamentais, de acordo com a grande maioria dos demógrafos nacionais. Informações sobre educação, trabalho e renda, sobre a emigração internacional, sobre a situação e contexto de vida de populações indígenas, o acento raça/cor dos dados. Não se trata de redução de custos apenas como a princípio poderia parecer.

Na verdade, há um esforço importante de redução de acesso a informação, o que virá a dificultar a identificação de cenários mais próximos da verdade vivida pela população, especialmente no tocante ao campo do trabalho e renda, educação, e de imigração internacional. Iniciativas deste tipo são históricas em países que entraram em processos políticos e de governo menos transparentes e mais autoritários, onde a informação não é vista como instrumento de produção de democracia e de direitos para a população. Para onde estamos caminhando?”

Um bom Censo é essencial para planejar educação. Abaixo parte do artigo de ANTÔNIO GOIS, jornalista do Globo, publicado em 22/04/2019.

“Em cada bairro, qual o percentual da população de zero a cinco anos sem matrícula em creches ou pré-escolas? Em cada município, quantas crianças com algum tipo de deficiência estão fora da escola, e quais suas características? Em quais ocupações que exigem diploma universitário há mais pessoas trabalhando fora de sua área de formação? Apenas uma pesquisa no Brasil traz informações detalhadas sobre essas e outras questões importantes na formulação de políticas públicas: o Censo Demográfico do IBGE (…)

Pesquisadores em educação que defendem a manutenção de todo (ou quase todo) o bloco de perguntas sobre o tema argumentam que os registros do MEC nem sempre batem com os do IBGE. Usar o número de crianças levantado pelo instituto e comparar com o de matrículas nos registros do MEC poderia levar a uma informação imprecisa sobre o percentual de crianças fora de creche. Há prefeituras com maior capacidade de obter esse tipo de informação por meios próprios, ao contrário de outras, principalmente em regiões mais pobres. Para essas, o mapeamento preciso do déficit de vagas em cada cidade é essencial, por exemplo, para planejar uma política de transferência de recursos federais para secretarias municipais de educação.

Mesmo informações que podem ser retiradas de outros temas do questionário podem prejudicar estudos sobre questões importantes para políticas públicas educacionais. Estudos feitos a partir do Censo mostram que mais da metade dos brasileiros com diploma universitário trabalha em áreas distintas das quais receberam formação. Ter esse mapeamento para cada carreira é uma informação relevante para o planejamento da expansão do ensino superior. No entanto, se não soubermos qual a taxa de desemprego, de informalidade, ou em que área estão trabalhando essas pessoas, será difícil obter a informação com a mesma confiabilidade…”

* Professor adjunto do Instituto de Medicina Social da UERJ