Heleno Corrêa Filho: Por que Lula Livre

*Heleno Corrêa Filho

Nos dias que sucederam o Golpe liderado por misterforatemer a mando da embaixada norte-americana, assisti a um ato melancólico, em que um suposto líder democrático se recusou a defender um julgamento justo e a liberdade primária para Lula. O filho de João Goulart disse de pé a menos de dez metros de distância que não defenderia um julgamento justo para Lula porque toda a política do PT era corrupta. Repetiu no megafone a acusação que derrubou seu próprio pai. Saí atordoado e envergonhado sobre a incapacidade política de nossas alianças. Logo nos dias seguintes outro suposto líder democrático disse a frase oportunista emblemática que gira na boca da direita faz tempo: _ “Lula está preso, babaca”.

Sim. Lula está preso e defendo que ele seja libertado, com direito a um julgamento justo por juiz imparcial, com provas verificadas e sem acusações que não existem na lei como “fato indeterminado” e “atribuição de posse”, ou mesmo “ato de ofício” realizado por pessoa que já tinha deixado o mandato presidencial. Se um juiz imparcial examinar os processos de acusação contra Lula certamente aplicará a lei. Vai inocentá-lo.

A lei aplicada em um estado democrático não é a perseguição contra filhos e netos. Não é o vilipêndio e o escárnio contra a família indefesa. Não é a exceção da regra em que o perseguido pela guerra judicial (“lawfare”) não tem a chance de exigir que provem aquilo de que eventualmente o acusam. A exceção é dizer que o acusado tem de provar que é inocente. A lei do Brasil não é apenas para os que mandam. Deveria ser para todos.

Sei que há estados terroristas como os EUA. Guantánamo não tem lei e negros norte-americanos seguem outras leis. Sei que há estados terroristas como Israel. A lei do estado teocrático de Israel não se aplica aos que não têm a mesma religião e permite que destruam, sequestrem, façam demolições, bombardeiem crianças e mulheres indefesas. O Brasil não foi estado terrorista durante o período 1985-2016 embora não tenha deixado de aterrorizar e matar pobres, pretos, favelados e a população LGBT. O Brasil devia ter processado e condenado os assassinos e torturadores civis e militares da ditadura e não o fez.

Desde 1970, quando estive preso na condição de estudante, sei que ser acusado, torturado, preso e difamado publicamente é ato de estado terrorista. O ex-ministro da educação Jarbas Passarinho – chamávamos passaralho – me acusou pessoalmente na imprensa de ser terrorista com intenção de soltar bombas em um ato do Papa que visitaria o Brasil em 1970. Fui acusado de muitas coisas e jamais pude fazer nada a não ser aguardar a humilhação de ser absolvido de acusações vagas, contraditórias e sem definição de crime algum, embora fosse processado pela “Lei de Segurança Nacional”. Passarinho morreu impune. Jamais prestou contas de sua fanfarronice mentirosa marcada pela frase de elogio ao AI-5: “Às favas os escrúpulos”. Escrúpulos que ele como ministro da educação e outras pastas dos governos ditatoriais nunca teve.

Sei perfeitamente o que custa ser prisioneiro de regimes de exceção. Se sair vivo da cela onde outros prisioneiros estão marcados para morrer já é sorte. O professor do grupo do Caio Prado Júnior que esconderam na minha cela em Brasília em junho de 1970 para que a família de São Paulo não o localizasse estava marcado para morrer. Como um jovem maçom de direita ligado às pessoas da universidade que eu conhecia avisou a família em Goiânia ele foi transferido e provavelmente não o mataram. Fui libertado por que outros jovens de direita e de centro da UnB insistiram em pedir minha libertação, embora acusado de “terrorismo” por causa de um cartum roubado de minha pasta e que não era de minha autoria.

Minha liberdade em 1970 dependeu de alianças à direita, centro e à esquerda. Dependeu da defesa óbvia e corajosa pelo então jovem Advogado José Luiz Clerot que ousava defender presos políticos no Superior Tribunal Militar. Não vejo por isso como alguns jovens políticos de 2019 possam dizer que a palavra de ordem “LulaLivre” é partidária do PT. Se o PT tem o monopólio da defesa da liberdade diante da lei burguesa deveria preocupar outros partidos. Se a liberdade de Lula depender desse tipo de defesa antidemocrática já sei que ele morrerá na cadeia. Não desejo isso. Não sobrevivi para apoiar esse egoísmo político suicida. E embora esteja filiado ao PT desde 1990 não me considerem petista para ser xingado. Sou comunista demais para me limitar ao trabalhismo reformista embora, por enquanto, seja contrário à luta armada, quando anda posso defender a democracia e o estado de direito como instrumentos de mudança social.

*Médico, doutor em Saúde Pública, vice-presidente do Cebes