O Ministério da Saúde e a pesquisa sobre o COVID 19

por Reinaldo Guimarães, professor do Núcleo de Bioética e Ética Aplicada da UFRJ. Vice-presidente da Abrasco.

Brasil não entrará na corrida pelo desenvolvimento de uma vacina ou de um retroviral, onde já há outros países na vanguarda. Em entrevista ao Valor, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, considera que não adianta o Brasil colocar seus limitados recursos de ciência para atuar “em redundância” com megalaboratório global. Segundo ele, o País precisa preparar seu parque tecnológico para, no momento em que a vacina for desenvolvida, ter a capacidade de produzi-la.

O Brasil não vai competir com países que estão na vanguarda do desenvolvimento científico e têm investido recursos vultosos em pesquisas contra o coronavírus. Em entrevista ao Valor, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse que o governo decidiu concentrar energia e recursos num lance à frente: preparar a infraestrutura para produção e distribuição das vacinas ou remédios quando estes forem descobertos.

Nessa corrida, o mundo todo está envolvido. O Banco Mundial liberou US$ 12 bilhões, os EUA liberaram US$ 9 bilhões e a comunidade europeia mais alguns bilhões de dólares”, disse o ministro.

Nessa notícia do Jornal da Ciência (SBPC), que repercute matéria do jornal Valor Econômico, o ministro Luiz Henrique Mandetta, da saúde, interrompe uma sequência de medidas e declarações corretas que o seu ministério vinha tomando em relação à epidemia COVID 19, provocada pelo novo vírus SARS-COV-2. Não é razoável acreditar que um país que não estiver envolvido no esforço global de pesquisa e desenvolvimento de ferramentas diagnósticas, terapêuticas ou de vacinas contra o vírus poderá ter a capacidade de produzir industrialmente essas ferramentas e o direito de comercializa-las.

Em primeiro lugar, porque não está decidido e é muito pouco provável que haverá um licenciamento voluntário de qualquer produto que venha a chegar no mercado por parte de empresas que os patentearem. A experiência existente com relação à indústria farmacêutica multinacional fala no sentido oposto: durante a epidemia de gripe H1N1 de 2008, o então presidente executivo (CEO) da empresa Novartis, Daniel Vasella, em resposta a um pedido da Diretora-Geral da OMS Margareth Chan, negou o fornecimento de vacinas gratuitas aos países pobres afirmando que a empresa não era uma instituição filantrópica. Alguns anos mais tarde, em 2014, o CEO da Bayer, Marijn Dekkers foi na mesma linha ao afirmar que a empresa não desenvolveu um determinado medicamento (Nexavar) para indianos, mas sim para pacientes ocidentais que pudessem adquiri-lo. Reagia a um pedido de licenciamento feito pelo governo da Índia para que uma empresa local pudesse comercializar um genérico. A Big Pharma, cujo ethos atualmente toma conta também da indústria de vacinas, não trabalha habitualmente com a categoria ‘solidariedade’. Seus CEO’s pensam exclusivamente na chamada “linha de baixo” de seus balanços, que se não forem favoráveis aos investidores, podem custar seus próprios empregos.

Numa outra vertente, como menciona a própria matéria do Valor Econômico, organismos filantrópicos e multilaterais estão colocando recursos financeiros em grupos de pesquisa daqueles países que estejam dispostos a somar esforços na pesquisa e desenvolvimento de produtos contra a COVID 19. Se o Brasil, país em desenvolvimento inovador segundo a definição consagrada de Carlos Morel, abdicar formalmente de ombrear com os países líderes globais em P&D em saúde, certamente não poderá reivindicar parte desses recursos multinacionais que vão aparecendo no calor do momento. Exemplo oposto ao da proposta ministerial para a COVID 19 foi o papel da comunidade científica brasileira no surto de Zika-Microcefalia, quando nossos cientistas biomédicos, epidemiologistas e clínicos destacaram-se globalmente e se integraram adequadamente a uma cadeia mundial de produção de conhecimento. Oposto também ao esforço atual do grupo da USP que sequenciou e está distribuindo padrões genéticos do SARS-COV-2 para o Brasil e o exterior.

Uma afirmação dessa natureza vinda da mais alta autoridade sanitária do país prejudica o combate à COVID-19 também por um motivo logístico e de oferta. Quando e se uma vacina for desenvolvida para comercialização, sua distribuição não se dará de modo equitativo para toda a demanda potencial que, caso a epidemia se propague com mais intensidade, será na casa de centenas de milhões ou mesmo de bilhão de pessoas. A ausência brasileira nos esforços de pesquisa e desenvolvimento da mesma, somado ao desprestígio político planetário existente em relação ao Brasil fará com que possamos ser colocados em posição desvantajosa numa eventual disputa por pedidos desse produto. Já existe a desvantagem de ser uma epidemia originada e predominante no Hemisfério Norte, o que fará com que as populações desses países, muito prováveis sedes da(s) empresa(s) que desenvolver(em) e comercializar(em) a vacina, estarão na frente da fila para atendimento. Essa dificuldade teve que ser enfrentada quando, em 2008, houve a decisão do ministério de comprar os antivirais Tamiflu (Roche) e Relenza (GSK) como arma no combate à epidemia H1N1.

Finalmente, entendo que a declaração do ministro Mandetta não ajuda na recomposição do orçamento público agregado de ciência, tecnologia e inovação brasileiro, atualmente vítima de um grave cerceamento. A pesquisa em saúde é o principal componente setorial de pesquisa do país e nos últimos 15 anos, vem sendo crescente o papel do Ministério da Saúde como construtor de política e mesmo como financiador nesse setor. Não é compreensível que o ministro da pasta abdique voluntariamente desse esforço.