SUS para combater a pandemia que a classe dos donos de bancos impõe aos trabalhadores: Leviandade e Irresponsabilidade além dos números.

por Heleno Corrêa Filho

Aviso.

Este é um texto leviano e irresponsável, apesar de recorrer a algumas fontes publicadas para fundamentar a discussão. É leviano por que não se prende ao peso de defender providências de governos eleitos com plataformas excludentes, anticientíficas, contrárias às políticas de bem-estar social. É leviano e flutua leve por que não adere ao austericídio do estado mínimo neoliberal que vem combatendo a participação social democrática direta dos Conselhos de Saúde. É irresponsável por que não responde aos arroubos autoritários de manda quem pode, obedece quem tem juízo, e exige participação técnica social ampliada na tomada de decisões sobre a pandemia do Corona vírus denominado SARS-COV-2 que produz a doença COVID-19. Por ser um texto que não considera ser austero contra pobres e trabalhadores é leviano. Por não acatar providências incompetentes de supostas autoridades públicas que não se coordenam, não consultam, não ouvem os trabalhadores e não se importam com quem morre por debaixo do pano da contenção social é também irresponsável. Esse texto irresponsável não se preocupa mesmo em responder com dados numéricos que mudam a cada dia na mídia, o clamor das autoridades sanitárias que tardam e oprimem em reconhecer a validade dos relatos científicos e a percepção social das pessoas que se envolvem com sua tarefa de ficar vivas, manter e reproduzir a vida dos que trabalham para sustentar os outros.

Análise.

Hoje é dia 17 de março de 2020. Há mais de vinte dias atrás o Secretário Geral da Organização Mundial de Saúde – Tedros Adhanon Ghebreyesus – considerou em sua comunicação ao mundo que o novo Corona vírus da geração 2019 SARS era mais de 99% assintomático, baseado na capacidade de alta taxa de reprodução em que uma pessoa infectada transmite para até mais de três outras pessoas antes que saiba que está doente, podendo nem sequer vir a saber. Pessoas desinformadas acharam que por causa disso a COVID19 era um “simples resfriado”, deixando de lado que os casos adoecidos, confirmados e graves seriam em alto número absoluto, embora em frequência proporcional baixa na população (menos de 5%). Os que desconfiaram das proporções e não pararam para pensar os números absolutos ficaram discutindo se era 5% ou 10% e exigindo fontes de dados, que naquela ocasião não existiam. Ficaram cobrando “quais são suas fontes? As minhas fontes do CDC Chinês não dizem isso?”.

O conhecimento epidemiológico antigo diz que doença rara em população grande gera número de casos que atola o sistema de saúde podendo exigir gastos e sofrimentos enormes pela falta de assistência. O exemplo clássico é que as crianças que nascem com síndrome de Down são raras (proporções menores que 2%) em mães com menos de quarenta anos, MAS como a maioria das mães têm menos de quarenta anos, o número de crianças “raras” entre mães jovens é muito maior que entre as mães acima daquela idade. Esse jogo entre o “raro” e o “alto número” é velho conhecido da epidemiologia. É raro mas têm de sobra.

O que aconteceu depois do dia 23 de fevereiro que mudou a abordagem mundial sobre a COVID19 foi o conhecimento do laboratório vergonhoso criado pelo aprisionamento do navio cruzeiro Diamond Princess no porto de Yokohama – Japão.

Como a maioria de passageiros do navio de cruzeiro estava acima dos sessenta anos, o aprisionamento permitiu conhecer que em uma gaiola de idosos a proporção de assintomáticos podia chegar a 40%, bem abaixo dos 99% da primeira impressão subjetiva relatada pela comissão que foi à China no início de janeiro de 2020. Na verdade, se a proporção de assintomáticos entre idosos pode ser de 40% pode mesmo chegar a 99% em população mais jovem como a chinesa. A discussão é útil para saber que toda pessoa com aparência de boa saúde pode estar contagiando. A discussão é inútil para prever quantos vão precisar ficar isolados pois TODOS devem manter o “distanciamento social”, antigamente chamado de quarentena. Todos devem ficar em casa. Só devem ter o direito de sair para obter alimentos, suprimentos e buscar ou oferecer atendimento. Nada de visitar os idosos em comitiva.

Vem daí a segunda discussão. Quem tem direito a sair de casa? A competência sanitária é uma capacidade fundamentada na experiência da velha Saúde Pública para conter epidemias e aliviar o sofrimento coletivo. Envolve a capacidade do estado de agir como instituição vertical – manda quem está por cima (1). Na moderna Saúde Coletiva envolve combinar DIRETAMENTE e de forma participativa com os estratos sociais envolvidos as medidas de proteção à vida e à saúde (2).

Na velha Saúde Pública, ou na Polícia Social da época de Bismark, quem não respeita o estado de sítio sanitário leva um tiro. Na moderna Saúde Coletiva, quem combina com a maioria do povo trabalhador tem chance de sucesso. Entre os dois modelos temos o estado socialista autoritário chinês que pratica o autoritarismo vertical capitalista combinado com a capilaridade socialista da organização planificada do mundo do trabalho.

No velho modelo de polícia social temos os novos governantes do Brasil em vários estados e na capital federal que pensam que podem agir como os antigos reis da Prússia e da Bélgica. Quem discordar leva tiro, vai para a forca, ou fica preso. Competência sanitária é caminhar na direção da Saúde Coletiva e não para o patíbulo dos militares. No Brasil de 2020, a autoridade sanitária que não é capaz de cuidar da maioria dos trabalhadores e pobres é incompetente.

A luta pelo poder entre os autoritários do século XXI tem momentos de confronto interno entre os estratos que servem diretamente ao interesse banqueiro internacional e os que buscam a sujeição interna dos poderes constituídos. Quando os poderosos brigam é cada um por si e um contra todos até que o mais fraco seja vencido. É assim que funciona o governo brasileiro que entrega o povo ao descuido do Sistema Único de Saúde TERCEIRIZADO, sem pessoal, sem dinheiro, sem suprimentos, desprotegido e desaparelhado.

A luta entre os que mandam segue o modelo do confronto alemão nazista entre as SS (Schutzstaffel (em portuguêsTropa de Proteção“)) contra as S.A. (Sturmabteilung abreviado para SA – em alemão, “Destacamento Tempestade” ou tropa de assalto – no Português brasileiro moderno= MILÍCIA). Termina sempre com uma “noite dos longos punhais” entre as primeiras milícias nazistas. De milícia os poderes brasileiros entendem. Daí o que sai na frente com medidas autoritárias se torna vitorioso acima de seus competidores. Esse é o componente arrivista da política dominante que prefere ser autoritária e chegar primeiro, de preferência pisando no pescoço dos próprios correligionários políticos. Quem se rebelar é apunhalado pelas costas. Ganha quem chegar primeiro e por cima. Isso se chama ARRIVISMO.

Foi o arrivismo que determinou que a primeira medida de contenção e isolamento no Distrito Federal atingisse as crianças filhas de trabalhadores nas escolas públicas da periferia, sem combinar com seus pais, com os empregadores e transportadores as medidas de distanciamento social. Criança filha de pobre que vá para a rua. O trabalhador tem de comparecer para cuidar do comércio e dos serviços. Não combinou com o governo federal situado a cerca de cinco quilômetros na Praça dos Três Poderes (?). Não coordenou com o ministro da saúde. Saiu na frente e no dia seguinte, as crianças filhas de trabalhadoras(es) lotaram os transportes públicos acompanhando suas mães e pais ao trabalho. Ficaram expostas ao que não estavam enfrentando por frequentar suas escolas.

No Rio de Janeiro e bem depois no Distrito Federal se lembraram que sem merenda escolar as crianças pobres passam fome. Permitiram que fosse concedida uma “bolsa merenda” abrindo os refeitórios escolares para as crianças receberem comida. Se podem comer juntas talvez não precisem ficar reclusas em casa ou em bandos não supervisionados pelas ruas. É a desorganização total.

A mídia vem alardeando o fechamento de fronteiras para conter o vírus. É conhecido desde a idade média que fechar fronteiras não funciona. Os países europeus e da América do Norte insistem em fechar seus burgos. A ineficácia do fechamento das fronteiras foi bem explicada um modelo claro sobre a propagação epidêmica de uma doença simulada (“simulite”) conforme modelo gratuito publicado na Internet em jornal importante do império estadunidense.

A Europa destroçada pelo Brexit encontrou na COVID19 seu melhor pretexto para impedir que cheguem refugiados das guerras que criou junto com os EUA na Palestina, Líbia, Iraque, Afeganistão, Síria e Turquia. Finalmente podem fechar as fronteiras e afundar no mar os botes com refugiados. Que se afoguem. Na Europa não entram.

No Brasil a COVID19 conseguiu unificar as dez maiores Centrais Sindicais em um documento conjunto, abrindo o mais amplo espectro político depois de décadas de dissenso entre as lideranças dos trabalhadores. Veja notas aqui e aqui.

É bom para o movimento sanitário brasileiro aprender as siglas das Centrais e entender o papel social relevante de cada uma delas (CGTB, CSB, CSP, CTB, CUT, FS, INTERSINDICAL, NCST, UGT). Os governantes incompetentes e arrivistas não serão interessados em negociar com a sociedade organizada do mundo do trabalho. Os fascistas e autoritários trabalham para destruir as Centrais Sindicais.

Se os princípios expressos no manifesto das Centrais Sindicais forem seguidos nas negociações sobre o “distanciamento social” para derrotar o pico epidêmico do vírus SARS-COV-2 poderemos conseguir retardar a transmissão e melhorar o sistema público do SUS. Se os governantes e os sanitaristas de governo souberem consultar o público talvez possam impedir que os trabalhadores tenham de sair para trabalhar em ônibus e metrô lotados sem saber se seus filhos estão sendo cuidados pela falta das escolas, alimentação e cuidado.

É esperado que a primeira onda epidêmica no Brasil só comece a ceder em fins de maio de 2020, se tudo for feito da melhor maneira possível, respeitando os princípios da Saúde Coletiva. Aí contaremos nossos mortos e cuidaremos dos atingidos. Há artigos publicados que dizem que a mortalidade vai convergir para 1% depois que forem conhecidos os casos leves. Enquanto internam apenas os muito graves a mortalidade aparece com 7% na Itália. Na Coréia do Sul, que tem bom sistema de saúde, a mortalidade está até agora em sete a cada mil diagnosticados – 0,7% (3). ( “cite suas fontes!”)

A melhor suposição epidemiológica (best epi guess) contida em vários textos baseia suas previsões e modelos matemáticos determinísticos na taxa de reprodução (Ro) de 2,5 (cada infectado produz 2,5 novos casos). O número de infectados dobra a cada sete dias (ou 6,8 se desejar significância na primeira casa decimal). A cada infectado conhecido existem pelo menos outros dezessete não detectados por que não fazemos teste em população como faz a Coréia do Sul. Se conhecemos dez casos existem cento e setenta casos não detectados. Se morreu uma pessoa existiam outras cem não detectadas dezessete dias antes e elas produziram o dobro do número de casos a cada sete dias. Dos infectados estimam que até 1% necessitarão de ventilação pulmonar mecânica em UTI.

Com o SUS que temos hoje todos são unânimes em predizer que nossas UTIs não darão conta. Mais uma vez o setor privado hospitalar não contribui para atender os mais graves e sim os que mais têm dinheiro. Isso explica por que a Espanha nacionalizou todos os hospitais privados na semana passada (15 de março). É o terror dos que desejam privilégios de classe para internar seus familiares. Para os pobres trabalhadores é uma sorte que os hospitais públicos ainda façam atendimento por critérios de gravidade e risco.

É necessário contradizer a afirmativa de que “romantizar a quarentena é privilégio de classe” por que pobre trabalhador tem que sair à rua para ganhar o dinheiro e sobreviver com a família. A estratégia de trabalho com distanciamento social deve ser equilibrada como exigem as Centrais Sindicais. Nossos grupos mais vulneráveis hoje são os moradores das ruas e os migrantes sem documentos. Eles não têm para onde ir fazer seu isolamento social. Entre eles estão os idosos que vão morrer primeiro se não forem agredidos antes pelas polícias e pelos bandos de fanáticos linchadores estimulados pelos que fazem “arminha” com os dedos da mão.

E quem tiver boas fontes confiáveis de informação que as utilize, saiba recomendar as melhores providências, e que não fique chocado com essas exigências levianas e irresponsáveis por democracia sanitária. Se não pedirmos o impossível eles nunca nos darão o possível. Devemos eliminar a Emenda Constitucional 95, revogar o teto da Lei de Responsabilidade Fiscal para saúde e educação, revogar as emendas constitucionais que tramitam para desobrigar o estado de pagar saúde, previdência e assistência social.

Antes das referências coloco alguns sites de informação mais atualizada consultados até o dia 17 de março de 2020. Aproveitemos para estudar uma vez que devemos todos permanecer em casa:

  1. Manifesto das dez maiores Centrais Sindicais em um documento conjunto, abrindo o mais amplo espectro político depois de décadas de dissenso entre as lideranças dos trabalhadores. Representa o melhor programa para todos os defensores da vida e da saúde. Veja aqui e aqui.
  2. Distanciamento Social doze a vinte dias antes de aparecerem mortos e grave. Leia aqui.
  3. Modelo para a taxa de infecção que dobra o número de infectados a cada 10 diasprojeções de 13 de março para 4 abril de 2020.
  4. ASSINTOMATICOS: “the estimated asymptomatic proportion ranges from 20.6% (95%CrI:?18.5–22.8%) to 39.9% (95%CrI:?35.7–44.1%)” . – e a maioria eram idosos em cruzeiro. Citation style for this article: Mizumoto Kenji, Kagaya Katsushi, Zarebski Alexander, Chowell Gerardo. Estimating the asymptomatic proportion of coronavirus disease 2019 (COVID-19) cases on board the Diamond Princess cruise ship, Yokohama, Japan, 2020. Euro Surveill. 2020;25(10):pii=2000180. https://doi.org/10.2807/1560-7917.ES.2020.25.10.2000180 Received: 20 Feb 2020; Accepted: 12 Mar 2020. Leia mais aqui.
  5. Quais as lições que o Brasil pode aprender com a disseminação do coronavírus na Itália? Tendências 16 de março de 2020
  6. Origens do vírus SARS-COV-2 parece ter sido o comparecimento de militares dos EUA à olimpíada militar em Wuhan em outubro de 2019 quando cinco deles foram internados na China com doença inexplicada semelhante a acidente com laboratório de armas de guerra em Fort Dietrik. Todos se recuperaram em hospital de Wuhan. Não é “teoria da conspiração”. É fato.
  7. COVID-19: Further Evidence that the Virus Originated in the US. Tendência em 16 de março de 2020.
  8. Anti-inflammatories may aggravate Covid-19, France advises
  9. Are patients with hypertension and diabetes mellitus at increased risk for COVID-19 infection? Não é uma relação epidemiológica direta. É uma forma de pensar sobre qual seria a conduta em caso de pessoas com CoronaVirus-19 estarem tomando Inibidores de Conversão de Angiotensina – Conhecidos no Brasil como ECA (Lisinopril, Captopril, são exemplos de nomes comerciais) . No caso a proposta é trocar o “ECA” por um outro medicamento hipotensor tipo “BRA” (Bloqueadores do sistema Renina-Angiotensina ) com nomes comerciais tipo “benicar”, etc. Não quer dizer que o vírus será pior em pessoas que tomam “ECA”. Quer dizer que face ao virus melhor trocar o remédio e não ministrar os “ECA” durante o tratamento. especialmente entre pessoas que têm história de fazer uso de antiinflamatórios de maneira crônica como Ibuprofeno, naproxeno, diclofenaco, nimesulida, e outros que inibem as enzimas inflamatórias (via Lancet.)
  10. Epidemiologia clínica “chinesa” publicada no BMJ com grupo sediado em Yale na cidade de New Haven – Connecticut. Março 2020. Epidemiological and clinical features of COVID-19 patients with and without pneumonia in Beijing, China

Referências:

1. Corrêa Filho HR, Monteiro MI, Iguti AM. Saúde Pública (verbete de dicionário). In: René Mendes (Organizador), editor. Dicionário de Saúde e Segurança do Trabalhador: Conceitos, definições, história e cultura. 1. 1a ed. Novo Hamburgo – RS – Brasil,: Proteção Publicações e Eventos; 2018. p. 1280.

2. Corrêa Filho HR, Monteiro MI, Iguti AM. Saúde Coletiva (verbete de dicionário). In: René Mendes (Organizador), editor. Dicionário de Saúde e Segurança do Trabalhador: Conceitos, definições, história e cultura. 1. 1a ed. Novo Hamburgo – RS – Brasil,: Proteção Publicações e Eventos; 2018. p. 1280.

3. CSSE – The Center for Systems Science and Engineering (CSSE) at JHU. 2019-NCov Global Cases By Johns Hopkins CSSE – Online Accrual (Electronic Digital Media). Baltimore – MD – USA: Johns Hopkins Whiting School of Engineering at JHU; 2020 (updated Daily04/Feb/2020). Incident Cases – Map based – Operations Dashboard for ArcGIS,). Available from: https://gisanddata.maps.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html#/bda7594740fd40299423467b48e9ecf6.