Impactos das políticas neoliberais na agenda das eleições municipais

Mantendo seu papel de tentar contribuir com o fortalecimento da pauta do direito à saúde no debate eleitoral, assim como ocorre a cada dois anos, o Núcleo Bahia do CEBES promoveu no último dia 14 de outubro um diálogo sobre os impactos das políticas neoliberais na agenda das eleições municipais, que foi transmitido pelo canal Cebes Nacional no Youtube. E para isso, contou com a participação de Grazielle David (Cebiana, doutoranda em desenvolvimento econômico e mestre em saúde coletiva) e Luis Eugenio de Souza (presidente da Abrasco 2012-2015, vice-presidente da WFPHA), com mediação de Rafael Damasceno (membro do Núcleo Bahia e do Conselho Consultivo dessa entidade).

A ideia de debater esse tema advém da necessidade de trazer para o cotidiano das pessoas os impactos dessa agenda perversa, e que muitas vezes, a visão macroeconômica não permite que elas compreendam o que isso implica em suas vidas. Ou até mesmo, não conseguem associar determinados projetos políticos locais a esse projeto maior, tornando fundamental discutir o cenário do neoliberalismo e suas repercussões nas eleições municipais que se aproximam.

A fala dos convidados e demais participantes permitiu elencar alguns elementos fundamentais para aquecer o debate eleitoral, bem como alguns eixos de propostas necessárias para preservação da saúde enquanto direito fundamental e universal.

Um dos pontos da agenda neoliberal que afeta diretamente a vida das pessoas, é o desfinanciamento das políticas públicas, e nesse sentido, aqui no Brasil a realidade do SUS, desnudada nessa pandemia, desvelou o quão distante esse financiamento está de sua necessidade real. O subfinanciamento crônico desse sistema, associado ao desfinanciamento a partir de 2016 e o aumento da demanda por serviços de saúde decorrentes da pandemia, torna o cenário temerário no que diz respeito à garantia do direito à saúde no país para os próximos períodos.

Com o teto dos gastos não tem mais previsão de investimento nem crescimento real das despesas primárias e, portanto, imobiliza justamente a União, que é o ente federado que possui a maior capacidade e mecanismos de prover recursos. Assim, deixa os estados e, principalmente os municípios, em situação mais vulnerável, uma vez que eles estão mais próximos das necessidades da população e que já vem, historicamente, arcando com uma parcela proporcionalmente superior do financiamento da saúde. A despeito das mobilizações promovidas pelo Conselho Nacional de Saúde e entidades diversas, pela ampliação do orçamento ou mesmo a manutenção do decreto de calamidade para poder viabilizar algum aumento de recurso para 2021, os impactos da continuidade da pandemia e as regras fiscais vigentes apontam para incertezas no financiamento do SUS, com consequências drásticas para a população brasileira.

É importante compreender como essa agenda neoliberal se fortaleceu a partir da crise do capital que eclode em 2008, cuja associação à derrota das alternativas democráticas, encontrou expressão política na ultradireita e num conjunto de valores que vão de encontro à defesa da justiça social. E a solução que é apontada para países como o Brasil, são medidas que reduzem o papel do Estado no provimento de políticas públicas, ao passo que continuam mantendo os lucros exorbitantes do sistema financeiro.

Para fazer frente a esse cenário, é necessária uma alternativa de programa político democrático e popular, que mobilize as pessoas e que seja construído de forma mais ampla possível sob as bases do desenvolvimento sustentável, inclusivo e soberano, com políticas de trabalho e renda, habitação, saneamento, transporte público, entre outros aspectos. É imprescindível o controle da financeirização e o apoio às atividades produtivas, assim como o adequado tratamento da dívida pública e necessidade de promoção de justiça fiscal. Ou seja, o regate de princípios do estado de bem-estar e de proteção social que necessita de uma maior radicalização da democracia e democratização dos meios de comunicação.

No atual debate das eleições municipais no Brasil, os programas mais voltados para políticas públicas sociais defendidas pelos governos de esquerda têm se mostrado enfraquecidos, diante do crescimento da direita em geral, não necessariamente “bolsonarista”. E nesse cenário vê-se imensas contradições, tanto da esquerda que tem dificuldade de apresentar um projeto de enfrentamento real da agenda neoliberal, diante do complexo cenário político e econômico do país, e do outro lado, a direita falando em enfrentamento de problemas sociais, ao mesmo tempo em que defende a política macro econômica extremamente restritiva, desde 2016, inclusive o próprio teto de gastos que é uma das causas de muitos desses problemas.

Nota-se a continuidade do avanço de evangélicos e militares, mesmo em candidaturas de esquerda. Associado a isso, questões como as possíveis abstenções devido a pandemia, o financiamento privado individual e o aumento das campanhas eleitorais digitais aumentam as incertezas para as eleições. Cenário que torna premente pensar para além das eleições e retomar as ações que ajudem a mobilizar a sociedade a potencializar as iniciativas de resistência nacional e global, pautadas na solidariedade.

Considera-se que o Brasil não se encontra isolado e, portanto, as disputas ao redor do mundo também vão influenciar nos cenários dos próximos períodos, que podem ser de acirramento da política neoliberal ou de arrefecimento da mesma. Exemplo disso é a eleição presidencial nos EUA ou mesmo as disputas entre os neoliberais quanto ao papel que o Estado precisa assumir nesse momento. Mas por outro lado, é importante salientar o quanto a financeirização encontra-se enraizada e que permeia inclusive as políticas públicas, a exemplo da transferência de renda como o próprio bolsa-família, o que põe limites a uma efetiva justiça social e ampliação de direitos sociais mais robustos.

Desafios colocados aos municípios e que deveriam estar sendo pauta do debate eleitoral

O papel dos candidatos seria de buscar alternativas, começando pelas próprias formas de financiamento dos municípios, na tentativa de ampliar repasses oriundos da união como de melhorar a captação de recursos por meio dos tributos municipais. No âmbito do IPTU e ITR, pode ser pensada a cobrança de grandes propriedades, propriedades improdutivas, poluidoras, além de pensar a questão ambiental, fazer revisão de gastos tributários, pressionar tributações sobre lucros líquidos e fazer revisão de dívidas ativas. Outra alternativa nesse sentido é a cobrança do ISS, taxando melhor as contribuições sobre lucro, como a tributação dos serviços digitais.

Outro ponto relevante que se apresenta ausente no debate corresponde às áreas essenciais para investir, a exemplo da habitação, que resolveria questões sociais e ainda gera emprego.

Destaca-se também a necessidade de ampliar a correlação de forças com as frentes de prefeitos e outros espaços onde esses atores políticos podem se articular e atuar para gerar resistências às políticas neoliberais contra a união, sobretudo para reverter as atuais regras fiscais que penalizam os próprios municípios.

Por fim, tem-se as armadilhas da proposta de reforma administrativa que também não está sendo devidamente debatido nas eleições municipais, que seguem com suas agendas muito específicas. Ao penalizar o conjunto do funcionalismo público dos serviços essenciais, essa proposta de reforma vai ter grandes repercussões na prestação de serviços públicos nos municípios.

Entendemos que os pontos aqui levantados necessitam ser difundidos amplamente, de modo a influenciar o debate eleitoral e as escolhas de candidatos e candidatas nesse pleito que se aproxima. Mas, mais do que isso, que tais elementos integrem o conjunto de pautas prioritárias do contínuo debate público de nosso país.

Centro Brasileiro de Estudos de Saúde

Núcleo Bahia

Debate completo disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=Yt3VOOywG-A

Ou abaixo: