Saúde é política: a capital nacional do petróleo e as eleições municipais.

Texto construído coletivamente pelo CEBES núcleo Macaé-RJ em parceria com a Liga Acadêmica de Saúde Coletiva de Macaé (LASCOM).

O rio Macaé e seus abismos sociais

Macaé é um município do estado do Rio de Janeiro, localizado na Região do Norte Fluminense. Sua população é de 261.501 pessoas habitantes e é conhecida como Capital Nacional do Petróleo, uma vez que recebeu a indústria petrolífera e tem sua dinâmica de crescimento baseada nesse agente externo, que começou a se instalar na cidade no começo da década de 80. A chegada do capital, proveniente da indústria petrolífera, e a mudança do perfil da fonte de renda da população promoveu a aceleração de ritmo de crescimento e com isso Macaé passou a ser vista como centro de negócios e de oportunidades de emprego.

Apesar de possuir recentemente investimentos em turismo local e ter os setores de comércio, hotelaria e imobiliário constantemente beneficiados pela presença de um Polo Universitário – fundado em 2008, com a presença dos cursos de graduação das Universidades Federais Fluminense (UFF) e do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Faculdade Professor Miguel Ângelo da Silva Santos (FEMASS), sua economia é praticamente dependente da exploração do Petróleo. Graças a sua crise mais recente gerada pelo desmonte do setor offshore, enfrenta também uma gravíssima crise de desemprego. O petróleo em Macaé representa o “progresso”, que infelizmente só chegou a determinadas partes da cidade; gerando uma dualidade social: a presença de duas cidades, sendo uma com acesso à cidadania e outra ignorada pelo poder público. Tal desigualdade em uma cidade tão rica, gera um cenário de violência muito alto, com uma mortalidade de números de guerra em determinados bairros.

Apesar do contexto local, tamanha desigualdade é também consequência de um sistema econômico global capitalista. O Petróleo não foi a primeira oportunidade da cidade ter uma experiência com o capitalismo internacional; entre o início do Século XX e as décadas da Ditadura Militar pós golpe de 1964, Macaé era conhecida como “Moscou”, pois na cidade se iniciaram as principais greves dos ferroviários contra uma empresa Inglesa.

A ditadura militar perseguiu, reprimiu e torturou membros do Sindicato dos Ferroviários, que se enfraqueceu, principalmente após o fechamento da ferrovia. A mesma Ditadura fundou aqui a Petrobras, iniciando a maior exploração de petróleo em território nacional. A exploração do petróleo atraiu um crescimento muito acelerado na cidade, que não foi acompanhado por uma democratização da cidade, o que gera também resistência. Atualmente o sindicato dos petroleiros continua suas lutas contra a exploração do trabalho e por divisão das riquezas de forma justa.

A cidade, dividida por pontes que se sobrepõe aos seus mananciais que caracteriza esse cenário urbano: de um lado o progresso, a organização, os investimentos diferenciados em setores relacionados ao bem-estar-social e do outro, esgotamentos à céu aberto, dificuldades de acesso à água, coleta de lixo e pavimentação irregulares. Na capital do petróleo, o acesso ao saneamento básico é um privilégio de poucos.

No ano de 2019, a Organização das Nações Unidas (ONU) afirmou que a água contaminada mata mais do que todas as formas de violência no mundo, e que mais da metade dos leitos hospitalares são ocupados por pessoas com alguma enfermidade relacionada a insegurança hídrica. Este cenário é reflexo das diversas organizações socioeconômicas ao redor do mundo, que resultam em uma sociedade profundamente desigual e excludente, fundamentada em privilégios de classe, raça e gênero.

É importante ressaltar que a água, além de uma necessidade fisiológica, é imprescindível para as relações socioambientais e desenvolvimento da qualidade de vida. Portanto, o conceito de segurança hídrica, fomentado pela Unesco, surge com intuito de direcionar a gestão dos recursos hídricos para garantir água com qualidade e quantidade para toda a população, independente de condições socioambientais. Desta forma, é de responsabilidade do poder público garantir a distribuição equânime do saneamento ambiental para todos os cidadãos e cidadãs. Estes equipamentos urbanos incluem serviços que promovam a qualidade e melhoria do meio ambiente, como o acesso a água encanada, esgotamento sanitário, coleta de lixo entre outras atividades.

Porém, lamentavelmente esta não é uma realidade em nosso país. No Brasil, cerca de 48% da população não tem acesso ao saneamento básico, um direito garantido pela Constituição Federal. Segundo os dados do IBGE, em 2019, 1 em cada 10 domicílios não continham água encanada, o que representa cerca de 16% da população brasileira (quase 35 milhões de pessoas) . Isto significa que essa população precisa encontrar formas alternativas para o abastecimento, recorrendo a fontes impróprias ao consumo humano.

Estas conjunturas afetam diretamente a qualidade de vida dos brasileiros, e por isso, há diversos estudos que correlacionam o déficit nas condições de saneamento aos impactos na saúde humana. O Sistema Único de Saúde (SUS) registra mais de 111 mil mortes por doenças associadas às condições de insalubridade, como esgoto a céu aberto e água contaminada, isto em menos de 10 anos (dados calculados entre 2008 e 2017). As estatísticas são alarmantes e, infelizmente, reais. Sendo assim, é de suma importância que o Brasil reconfigure o planejamento integrado dos recursos hídricos, a fim de promover uma distribuição efetiva dos serviços básicos à saúde.

De acordo com dados do Departamento de Informática do SUS (DataSUS, 2010), cerca de 78% dos moradores de Macaé tem acesso a água canalizada da rede geral de abastecimento, o que representa pouco mais da metade dos domicílios (cerca de 53%). O acesso a água em Macaé, portanto é bastante inferior média nacional, quase 83% dos domicílios. Já a coleta de lixo esteve presente para quase 95% dos moradores macaenses, proporção semelhante de domicílios. Para coleta de lixo, a média nacional é de cerca de 80%. Neste segundo caso, cabe questionar a regularidade da coleta diferenciada entre as regiões da cidade. Enquanto alguns bairros têm coleta diária outros precisam acumular para os dias da coleta em duas a três vezes por semana. Quanto ao acesso à rede geral de esgoto, em Macaé a cobertura é de quase 68% dos domicílios, enquanto a média nacional é de pouco mais da metade (55,5%).

O papel da educação na reforma sanitária

Pensar os processos de urbanização da cidade de Macaé é observar seus aspectos de exclusão e a construção dos processos de vulnerabilização de vida humanas e territórios, que expressam as raízes das desigualdades da colonialidade moderna, e produção da negação de humanidade. O termo vulnerabilização, é uma constatação ao invés do termo “em vulnerabilidade”, uma vez que ele remete ser fruto de políticas econômicas e sociais vulnerabilizantes, provocando a reflexão da não naturalização do termo e intencionando o diálogo epistemológico com a determinação social do processo saúde-doença-cuidado.

Deslocar o entendimento de como alcançar uma qualidade na saúde comum da população macaense é importante destacar o papel da educação como força motriz para romper com os paradigmas das desigualdades e iniquidades em saúde, bem como romper com a lógica fragmentada que destoa dos princípios e diretrizes do SUS.

Pensar na reforma sanitária e na saúde comum a todas as pessoas significa pensar, também, no fortalecimento da educação para o exercício dos direitos humanos e da natureza. A educação é capaz de não só trazer à tona problematizações urgentes, mas também, capaz de alimentar utopias possíveis. O processo educativo de cada cidadão e cidadã deve também ser um processo promotor de saúde e via de exercício dos demais direitos.

Nesse sentido, os espaços educativos – escola, terreiros, aldeias, quilombos, hortas comunitárias, universidade, entre outros – podem oferecer múltiplas possibilidades de se pensar a saúde verdadeiramente coletiva. Espaços estes que são legítimos na produção de conhecimentos e que devem ser levados em consideração para se pensar novos marcos de uma reforma sanitária.

É válido ressaltar que a maioria dos usuários do SUS também frequentam ou frequentaram, em grande parte, as escolas públicas brasileiras. Os temas relacionados à saúde também se encontram apontados dos currículos brasileiros. No entanto, suas abordagens ainda se encontram distanciadas do debate das desigualdades sociais e da saúde pública. Dessa forma, colaborando para o distanciamento de uma consciência sanitária crítica e engajada.

Eleições municipais

Depois de um ano de pandemia como este que vivemos não tem nos faltado conselho sobre votar em candidatos que defendem o SUS, nestas eleições. Mas você já se perguntou o que é defender o SUS?

O SUS precisa de algumas coisas para dar certo, e de fato, não é qualquer candidato e qualquer partido que estão aptos a defendê-lo, e para que o SUS funcione ele precisa ser integralmente público, estatal e gratuito. Porque?

Porque se construirmos o SUS por meio de privatizações e terceirizações, por exemplo, o que é construído é muito frágil e pode ser facilmente destruído por determinados governos. Veja o exemplo do SUS municipal do Rio de Janeiro que nos últimos anos foi diminuído pelo atual governo Crivella, pois devido as privatizações, era fácil fechar clínicas da família, os CAPS, e demitir funcionários em massa. Os contratos feitos com as organizações sociais são frágeis e podem ser alterados e findados sem grande esforço. Este esquema de administração privada tem demonstrado também sua fragilidade para conter fraudes das mais diversas, vide o escândalo atual na secretaria de estado de saúde do Rio de Janeiro e mesmo tantos outros escândalos envolvendo organizações sociais municipais.

Desta forma, a ideia é que o SUS seja uma política de Estado, de forma que não possa ser facilmente fragilizado a depender dos diferentes governos e que não possa ficar nas mãos de máfias de empresas privadas.

O SUS como uma política de Estado se consegue por meio de amplo financiamento da saúde para que se possa abrir serviços, comprar equipamentos e contratar pessoal com verba pública e por via pública. Assim garantimos maior estabilidade e segurança sobre a manutenção do SUS através do tempo e diferentes governos. E como podemos saber se os candidatos e partidos defendem de fato um SUS público, estatal e gratuito?

Bom, uma dica recente é checar quais partidos votaram a favor da Emenda constitucional 55 pois esta emenda congela os gastos públicos com saúde por 20 anos. Se estima que o SUS tenha perdido, só em 2019, 20 bilhões de reais. Veja como os partidos votaram sobre a emenda constitucional 55: Votaram integralmente NÃO: PSOL, PCdoB, REDE e PT (PT teve também uma abstenção). Votaram integralmente SIM: DEM, PHS, PSC, SOLIDARIEDADE, PSD, PSDB, PSL, PV, PTN, PMDB.

A maioria dos políticos votou “NÃO” mas teve também votação “SIM”: PDT, PEN. A maioria dos políticos votou “SIM” mas teve também votação “NÃO”: PP, PPS, PR, PRB, PROS, PTB, PTdoB, PSB.

Fique de olho em quem está em partidos que votam em iniciativas como a EC 55 e defendem a privatização e terceirização do SUS. Falar que defende o SUS é fácil, mas é necessária coerência política para esta defesa.

Vamos eleger candidatas e candidatos que de fato defendem o SUS, e que sejam de partidos que têm defendido historicamente a construção do nosso sistema de saúde. Confira na sua cidade qual histórico do seu/sua candidato/candidata e as propostas que ele/ela tem para saúde para além de “defender saúde”: como ele pretende efetivar esta defesa?

Defenda o SUS público, estatal e gratuito porque só o SUS salva!

Referências: