Jaques Wagner apresenta ao STF notícia-crime contra Jair Bolsonaro com retrospectiva da crise da covid-19

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

“CHEGA DE FRESCURA E DE MIMIMI. VÃO FICAR CHORANDO ATÉ QUANDO?”.

[J.M.Bolsonaro, 5.05.2021]

JAQUES WAGNER, brasileiro, casado, Senador da República (PT/BA), portador da cédula de identidade nº 01.532.975-57 SSP/BA e inscrito no CPF nº 264.716.207-72, com endereço funcional no Senado Federal, Anexo 1, 23º Pavimento, Brasília/DF e endereço eletrônico sen.jaqueswagner@senado.leg.br vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, no exercício de responsabilidade cidadã e por imperativo do múnus público em que investido, apresentar, em caráter de URGÊNCIA, com amparo no art. 102, I, “b”, arts. 127 e 129, incisos I e II da Constituição Federal de 1988, no art. 6º, V da Lei Complementar nº 75/1993 e art. 319 do Código Penal, sem prejuízo de outros possíveis enquadramentos legais, em desfavor do Senhor JAIR MESSIAS BOLSONARO, brasileiro, casado, com identificação civil nº 3.032.827 SSP/DF, inscrito no CPF sob o nº 453.178.287-91, atualmente no exercício do cargo de Presidente da República Federativa do Brasil, com domicilio funcional na Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto – Zona Cívico-Administrativa -Brasília/DF, 70.150-900, para fins de apuração de graves fatos que indiciam, em tese, prática de crime comum pelas razões de direito que se passa a expor:

I – CONTEXTUALIZAÇÃO FÁTICA E JURÍDICA.

O mapa estatístico da pandemia da Covid-19 apresenta, até da data de 3 de março de 2021, os seguintes dados1: na esfera mundial alcança a marca de 115.128.349 milhões de casos de Covid-19; no Brasil, que ocupa o posto de terceiro país com maior incidência, são 10.718.630 milhões de contaminados, 259.271 falecimentos, média de 71.704 casos novos, numa escala de 14 dias, e o quantitativo de 1.910 mortes por dia.

A instauração e o reconhecimento de um estado de emergência em saúde pública da caráter internacional decorrente da pandemia da Covid-19, a partir da declaração pela Organização Mundial de Saúde, em 11 de março de 2020, demandou e demanda dos poderes públicos providências imediatas e essenciais de expedição de diversos atos normativos das mais diversas estaturas e competências legais com vistas a estabelecer um aparato que autorize administração pública a uma atuação legítima (no campo da excepcionalidade), imediata, eficiente e contundente para a construção de uma adequada rede de assistência e proteção dos indivíduos (na tutela primacial do direito à vida, à saúde, à dignidade da pessoa humana), da sociedade brasileira (que engloba toda a coletividade), da economia, frente às medidas sanitárias essenciais preconizadas pela mais abalizada comunidade científica mundial, de modo a se investir no valor primaz frente à crise – a proteção às vidas -, com posterior investimento em resgate da economia, estando um fator inexoravelmente atrelado ao outro: vida e economia.

3. Sob o patamar máximo desse arcabouço autorizativo e impositivo está, por óbvio, a Constituição Federal, especialmente no campo dos direitos humanos fundamentais, dos deveres de Estado e de Governo, e da saúde, nos princípios diretrizes e normas dos arts. 1º a 4º, arts. 5º e 6º, art.18, arts. 21 a 24, art. 37, caput, e no campo da tutela do direito à saúde, conforme arts. 196 a 200. Seriam elas suficientes como modelares e determinantes à atuação dos agentes públicos.

3.1. Mas, tem-se, ainda, uma gama de normas que não deixam escapar obrigações ao Estado e, portanto, àqueles que o comandam. Na seara da pandemia são norteadoras a Lei nº 8.080, de 1990, o Decreto nº 7.508, de 2011, o Decreto nº 10.212, de 2020 (Regulamento Sanitário Internacional), a Lei nº 6.259, de 1975 (ações de vigilância epidemiológica e Programa Nacional de Imunização) e a Lei nº 13.423, de 2016 (estímulos à pesquisa científica).

3.2. Agregam esse arsenal normas específica e excepcionalmente disciplinadoras da situação pandêmica e instrumentais ao enfrentamento dos desdobramentos sanitários, sociais e econômicos pelos poderes públicos. Destacando-se, no campo sanitário, a Portaria GM/MS nº 188, de 3 de fevereiro de 2020, a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, a Emenda Constitucional nº 106, de 2020, e tantas outras. Ou seja, aos poderes públicos, em todas as esferas, mas mais acentuada à Executiva, e em todas as esferas federativas, não faltaram, como não faltam, o lastro de leis que os autorizem a agir, com devida eficiência, para conter e superar os males da Covid-19.

3.3. Ainda, a República Federativa do Brasil é signatária de diversos instrumentos internacionais de tutela de direitos humanos fundamentais, de índole individual e social, dentre os quais a vida e a saúde, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto de São José da Costa Rica, além de integrar organismos internacionais a exemplo da Organização dos Estados Americanos e da Organização das Nações Unidas.

4. Em que pese a gravidade das circunstâncias, e a fundamental necessidade de colaboração entre indivíduos, sociedade e Estado, constata-se que o representado, enquanto chefe de Estado e chefe de Governo adota posturas convictamente negacionistas, acerca da potencialidade da contaminação viral do SARS-Cov2 e de letalidade da Covid-19, e com isso, o Brasil alcança os patamares estatísticos preambularmente indicados e uma condição de absoluto esgotamento da capacidade assistencial nos sistemas de saúde públicos e privados em todas as unidades da federação. São estarrecedoras as condições da rede – física e humana – de saúde nos Estados do Norte, de Santa Catarina e do Nordeste.

4.1. Seus atos, palavras e comportamentos, como agente público e político, e também como indivíduo, ora habitam o campo da omissão (como sói com a questão da busca por meios dinâmicos para que o Brasil pudesse estar à frente dos possíveis desenvolvedores e adquirentes das vacinas, além dos entraves à flexibilização do processo de registro), ora de modo divergente a todas as recomendações sanitárias consensualmente preconizadas pela comunidade científica e por profissionais de saúde, como essenciais à prevenção e proteção contra a contaminação. O representado que não tem formação médica, arvora-se a prescrever, ele próprio, o uso de medicamentos sem comprovação científica para combate à doença e, mais, induz o Ministério da Saúde a expedir diretrizes no mesmo sentido.

4.2. Ademais, em direta afronta ao princípio federativo, o Presidente da República, ora representado, além de não se aliar, cria óbices à atuação de governadores e prefeitos que implementam medidas adequadas de enfrentamento da pandemia, nas respectivas unidades federativas – em devida observância ao preceito constitucional do art. 196 -, fomentando uma desagregação nacional que em nada dialoga com a organização do Sistema Único de Saúde, delineado nos arts. 196 a 200.

5. Em toda a conjuntura de atuação diante da pandemia e das demandas sanitárias dela decorrentes, o representado vêm atuado em divergência direta ao que está assegurado à sociedade e aos gestores públicos como Sistema Único de Saúde que é o aparato estatal, devidamente organizado em rede, sob o princípio da universalidade e da integralidade, com prioridade para as ações preventivas, por meio do qual o Estado deve garantir o direito à saúde “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196 CRFB/1988) e com atenção as diversidades regionais e especificidades e desigualdades sociais que caracterizam o Brasil.

6. A se observar o histórico comportamental da autoridade ora representada sobressai a indiferença e constata-se a inércia, letargia, retardo, no lidar com as demandas prementes para enfrentamento da Covid-19. E mais, constata-se a atuação adversa, que obstaculiza aos gestores que intentam atuar adequada e diligentemente.

6.1. Tal a leniência e irresponsabilidade do Governo federal que o Ministério Público Federal, ainda em março de 2020, encaminhou ao Presidente da República (ora representado) Memorando Conjunto nº 38/2020, para ciência da Recomendação PR PGR nº 0011779020202, embasada em robusto, com seguinte teor:

“{…}ao Governo Federal, na pessoa do sr. Presidente da República JAIR BOLSONARO, no sentido de que a implementação e a execução de ações de saúde, como também, a veiculação de pronunciamentos e informações correlatas, por toda e qualquer autoridade do Poder Executivo Federal, seja realizada de forma coerente e em sintonia com as orientações emanadas das autoridades sanitárias nacionais e da Organização Mundial de Saúde, bem como em consonância com o Plano Nacional de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus COVID-19, do Ministério da Saúde, devidamente compatíveis com o estado de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – ESPII, declarado pela OMS”.

6.1. Em que pese tal recomendação, ao que indicam o resgate histórico e os fatos de hoje, o não apenas parece ter ignorado, como ainda parece atuar no sentido contrário. Cabe rememorar uma a linha cronológica traçada pelo site jornalístico Jornalismo Arte3, que bem evidencia o descompromisso do Presidente da República com o enfrentamento de tão grave crise sanitária, em posturas quando não omissivas, adversas às recomendações científicas e ao próprio estado de emergência em saúde pública que se impõe aos olhos de todos e vivência de mais de 2 milhões de brasileiros, por conseguinte, desrespeitosas às autoridades públicas e à população. Recordemos:

  • ? 26 de fevereiro de 2020: O Brasil confirma o primeiro caso de Covid-19.
  • ? 15 de março de 2020, 162 casos confirmados: Ignorando as recomendações científicas, na qual se lastreiam o próprio Ministro da Saúde, e governamentais (Decreto Distrital nº 40.509, de 11 de março de 2020) de isolamento social, desconsiderando que esteve em agenda internacional com integrantes da deleção brasileira diagnosticadas com o coronavírus, Jair Bolsonaro participa presencialmente de manifestação pública ideológica contra Poderes da República.
  • ? 17 de março de 2020, 1 morto: Mesmo com a notícia da primeira vítima fatal da Covid-19, Jair Bolsonaro não esconde que o protagonismo do então Ministro da Saúde o incomoda, e promete organizar uma festa de aniversário para mais de mil de convidados.
  • ? 20 de março de 2020, 11 mortos: Jair Bolsonaro minimiza a potencialidade do coronavírus e argumenta que, “depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar“.
  • ? 24 de março de 2020, 46 mortos: Jair Bolsonaro pronuncia-se em cadeia nacional de rádio e televisão, para pregar contra o isolamento social. No pronunciamento, alega que, por possuir um histórico de atleta, estaria protegido contra o que novamente chama de “gripezinha”. Um escárnio à majoritária população brasileira que vive em condições de pobreza e extrema pobreza.
  • ? 25 de março de 2020, 59 mortos: Após Jair Bolsonaro defender um relaxamento do isolamento social, os Correios passaram a descontar parte da remuneração dos funcionários que estavam em quarentena.
  • ? 28 de março de 2020, 111 mortos: O Governo Federal lança campanha publicitária “O Brasil não pode parar” contra as medidas de restrição de circulação de pessoas adotadas pelos entes federativos. A Justiça Federal impede a veiculação da campanha.
  • ? 30 de março de 2020, 159 mortos: Jair Bolsonaro esvazia o Comitê de crise, e endossa uma mentira que reverberava nas redes sociais sobre uma morte acidental ter inflado números da como Covid-19.
  • ? 1º de abril de 2020, 240 mortos: Persistindo no discurso contra o isolamento social, Jair Bolsonaro compartilha um vídeo falso sobre um desabastecimento nos estados e municípios que, na verdade, não ocorria em lugar nenhum.
  • ? 2 de abril de 2020, 324 mortos: Alegando que os governadores estariam com “medinho” da doença, Jair Bolsonaro diz que só faltava apoio popular para assinar um decreto já pronto contra o isolamento social.
  • ? 13 de abril de 2020, 1.328 mortos: Bolsonaro veta o uso de dados de celulares no mapeamento do isolamento social.
  • ? 16 de abril de 2020, 1.924 mortos: Jair Bolsonaro demite Luiz Henrique Mandetta porque o então Ministro da Saúde cometia o pecado de ignorar as diretrizes presidenciais e atuava em sintonia com as recomendações da OMS no enfrentamento da pandemia.
  • ? 17 de abril de 2020, 2.141 mortos: Jair Bolsonaro volta a defender a abertura do comércio, mas promete assumir a responsabilidade caso a situação piorasse. Na mesma data, Bolsonaro pede ao Ministro da Justiça para reabrir as fronteiras do país.
  • ? 19 de abril de 2020, 2.462 mortos: Em alinhamento com as diretivas do Presidente Jair Bolsonaro, o então Ministro da Educação promete premiar universidades que sabotem o isolamento social.
  • ? 20 de abril de 2020, 2.587 mortos: Ao ser alertado do alto número de mortes naquele dia, Jair Bolsonaro respondeu a um jornalista: “Eu não sou coveiro, tá certo?“
  • ? 22 de abril de 2020, 2.906 mortos: Em reunião ministerial, Jair Bolsonaro reclama que o diretorgeral da Polícia Rodoviária, que viria a ser demitido por causa da homenagem, não destacou na nota as comorbidades de um policial morto pela covid-19.
  • ? 27 de abril de 2020, 4.603 mortos: O presidente é alertado pela Abin que a pandemia avançava com tanta força no Norte do país que já provocava caos nos cemitérios de Manaus, mas o alerta é ignorado.
  • ? 28 de abril de 2020, 5.083 mortos: Ao ouvir uma repórter citar que o Brasil superou a China no total de mortos por Covid-19, Jair Bolsonaro responde: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Sou Messias, mas não faço milagre“.
  • ? 11 de maio de 2020, 11.653 mortos: Jair Bolsonaro inclui academias e salões de beleza como serviços essenciais, e cogita vetar o pagamento de auxílio emergencial às categorias, o que forçaria uma exposição dos profissionais aos riscos da pandemia.
  • ? 13 de maio de 2020, 13.240 mortos: Jair Bolsonaro finalmente apresenta o exame negativo para Covid-19, uma prova que sonegava à opinião pública havia dois meses.
  • ? 14 de maio de 2020, 13.999 mortos: Jair Bolsonaro edita uma Medida Provisória isentando de responsabilidade agentes públicos que, como ele, pecavam por ação ou omissão em atos relacionados à pandemia.
  • ? 15 de maio de 2020, 14.962 mortos: O governo Bolsonaro dificulta o acesso ao auxílio emergencial condicionando o socorro à retirada de ações contra a União da parte de estados e municípios. Nessa mesma data, por não concordar com a insistência presidencial no uso da cloroquina, medicação cuja eficácia contra a covid-19 jamais foi comprovada, Nelson Teich se demite do comando do Ministério da Saúde.
  • ? 16 de maio de 2020, 15.662 mortos: Com a pandemia no 80º dia, o governo Bolsonaro tinha enviado aos estados menos de 3% dos respiradores prometidos.
  • ? 25 de maio de 2020, 23.473 mortos: Pela primeira vez, o Brasil foi o país que, em todo o mundo, contabilizou mais mortes por Covid-19 num intervalo de 24 horas.
  • ? 27 de maio de 2020, 25.598 mortos: Mesmo com a pandemia no 92º dia, o governo Bolsonaro havia pago menos de 7% dos R$ 11,74 bilhões disponibilizados para execução direta no combate à pandemia.
  • ? 28 de maio de 2020, 26.764 mortos: O governo Bolsonaro revogou uma portaria que obrigava a adesão ao isolamento social da parte de indivíduos com suspeita de Covid-19.
  • ? 3 de junho de 2020, 32.548 mortos: Mesmo sob acusações de crimes de responsabilidade, com riscos de processo de impeachment, Jair Bolsonaro insiste vetar o uso de R$ 8,6 bilhões — de um fundo que nem mais existia — para o combate à Covid-19.
  • ? 5 de junho de 2020, 35.026 mortos: Jair Bolsonaro pressiona o Ministério da Saúde para dificultar o acesso da imprensa e da população às estatísticas sobre o avanço da Covid-19 no Brasil, determinando a alteração do horário de divulgação de dados e a omissão dos dados sobre os óbitos.
  • ? 11 de junho de 2020, 40.919 mortos: Jair Bolsonaro recomenda que apoiadores invadam hospitais de campanha em busca de provas de que estariam vazios — o que resultou em tumultos e violação de normas sanitárias e de respeito ao patrimônio público nos dias que se seguiram. Nesta mesma data, o Presidente diz ter vetado o trecho de um projeto de lei que permitia a síndicos de todo o país barrar festas em condomínios, mantendo a linha adversa ao isolamento social.
  • ? 19 de junho de 2020, 48.954 mortos: O Brasil supera o milhão de casos, e ainda quebra o recorde mundial de diagnósticos confirmados em um único dia. Jair Bolsonaro, no entanto, estava mais preocupado em reabrir o comércio.
  • ? 20 de junho de 2020, 49.967 mortos: Desde o início da pandemia, de 632 compromissos na agenda presidencial, apenas 47 tinham alguma relação com o combate ao novo coronavírus. No mês anterior, tinham sido apenas seis.
  • ? 21 de junho de 2020, 50.591 mortos: Como o governo Bolsonaro nada faz neste sentido, o Congresso Nacional se compromete a decretar luto pelos mais de 50 mil brasileiros mortos
  • ? 22 de junho de 2020, 51.271 mortos: Mesmo diante da maior emergência sanitária em um século, o Brasil completa 38 dias sem Ministro da Saúde.

6.2. Assim foi, é, e se perpetua o agir do representado. Os fatos mais recentes são: (a) violação de do dever de informação adequada, transparência e publicidade, mediante manobras para obstar ou ocultar dados estatísticos da contaminação pela Covid-19 e de ausência de comunicação informativa e adequada; (b) óbices à contratação pelo Ministério da Saúde de insumos e participação em pesquisas da vacina “Coronavac” pelo Instituto Butantan e Governo do Estado de São Paulo (tão somente por oposicionismo políticos, além dos demais estados da federação );(c)ingerências na Agência Nacional de Vigilância Sanitária para obstar redução de prazos e flexibilização de procedimentos nos processos da Anvisa para registros – ou reconhecimento de registros de agências internacionais referenciadas – para a liberação do uso das vacinas (também por motivações político-ideológicas pessoais e não critérios científicos); (d) entraves ao repasse de recursos aos Estados e municípios; (e) inobservância de políticas de saúde peculiares às comunidades indígenas e quilombolas; (e) tentativa de divulgação de propaganda governamental convocando a população à normalidade (campanha “O Brasil não pode parar” – obstada pelo Tribunal de Contas da União);(f) edição de atos normativo inconstitucionais para limitar ou isentar responsabilidades dos gestores públicos quanto ao enfrentamento da pandemia; (g) ausência de propagandas institucionais orientativas à população para cuidados preventivos- isolamento, distanciamento, uso de máscaras;

(h) ausência de programa para vacinação, retardo na interlocução com fabricantes para a aquisição. (i) divulgação de pesquisas, sem embasamento científico legítimo, ao uso de máscaras. Não sendo este um rol exaustivo.

  1. Para suprir omissões e/ou exigir posturas ativas do representado, todos osPoderes Públicos, nas mais diversas instâncias foram e são diuturnamente provocadas, de modo a viabilizar demandas prementes da sociedade diante da pandemia, porque o Governo Federal se negou e se nega a atuar de ofício, somente agindo por imposição, notadamente dos Poderes Legislativo e Judiciário.

7.1. Talvez nunca, pelo menos na história democrática do Brasil, os mecanismos de freios e contrapesos da Constituição Federal e a atuação dos órgãos auxiliares de controle externo aos poderes públicos tenham sido tão desmandados no Brasil, por ausência de atuação, ou por atuação contrária à lei de parte do Poder Executivo federal. Isso frente a um estado de calamidade pública sanitária, cabe ressaltar. Está-se no âmbito da garantia do direito à vida, de todos os brasileiros.

7.2. Não é preciso aprofundar, porque de conhecimento público amplo, e ainda mais, sendo colhidas dos aposentos desta Corte, como do Ministério Público Federal, como do Poder Legislativo, como do Tribunal de Contas da União, o volumoso contingente de processos judiciais, legislativos e administrativos que foram e são necessários para o agir, ou o adequado agir do representado.

7.3. Começando pelo fim, não se pode olvidar que a aquisição de vacinas e um plano nacional de vacinação só foram diligenciados e apresentados ao país por força de decisão no âmbito do Supremo Tribunal Federal por decisão do relator na ADPF 770. Assim como, foi e tem sido essencial atuação desta Corte, pro sociedade, no enfrentamento da pandemia: a garantia da obrigatoriedade do uso de máscaras, no âmbito da ADI 6677, e no âmbito da ADPF 714 (esta para aqueles que atuam nos estabelecimentos de sistema prisional ou socioeducativos); a devida assistência e garantia de insumos pela União para proteção das comunidades indígenas, na ADPF 709; a garantia de destinação de ventiladores pulmonares demandados pelo Estado do Mato Grosso, na ACO 3393; a garantia da liberação dos recurso do Bolsa Família para beneficiários do Nordeste durante o estado de calamidade, na ACO 3359; a imposição do respeito ao federalismo e a garantia das comparências federativas no âmbito do Sistema Única de Saúde aos estados e município para determinar medidas de restrição sanitária, e do dever de coordenação da União, no âmbito da ADPF 672 e da ADI 6343 e da ADI 6362. E tantos outros.

7.4. No âmbito do Tribunal de Contas da União, são diversos os processos de fiscalização referentes à atuação do Governo federal no enfrentamento da Covid-19, de forma destacada, através do programa Coopera4, dos quais se menciona: (a) o processo de auditoria da aplicação dos repasses da União para estados e municípios para enfrentamento da pandemia, onde se apurou que não estavam sendo aplicados critérios de equidade e de regionalização que são diretivos no SUS (TC nº 045.73/2020-0); (b) aquisição e distribuição de medicamentos não preconizados cientificamente para o tratamento da Covid-19 (TC nº 005.273/2021-8 e 019.895/2020-8); (c) medidas para impedir disseminação da nova variante do vírus causador da Covid-195, em que diversas recomendações foram expedidas para provocar a atuação ou adequada atuação do Governo federal.

7.5. No Legislativo, a produção normativa para suprir omissões do Executivo federal também é intensa. Pode-se consultar o repositório legislativo das Casas – Senado6 e Câmara dos Deputados7. Para mencionar ato mais recente, a PEC nº 186, de 2020 (chamada PEC Emergencial), que sob o mote de viabilizar a ampliação do auxílio emergencial para assistência à população durante a pandemia – ato que poderia ter sido adotado pelo Executivo, com absoluta prontidão, dada a relevância e urgência, através de medida provisória, Cita-se também (a) a Lei 14.017, de 2020 que concede auxílio ao setor cultural durante o estado de calamidade; (b) a lei nº 14.115, de 2020 que aumentou a participação da União no fundo garantidor de operações para o Pronampe (Programa nacional de apoio à micro e pequena empresa; e as atuações no âmbito da tramitação das Medidas provisórias nº 1003, de 2020 e 1026,de 2021 para ajustar do disciplinamento da aquisição e distribuição das vacinas contra a Covid-19 – medidas essas que o representado adotou somente após imposições de parte do Tribunal de Contas da União e deste Supremo Tribunal Federal para viabilizar e cumprir o dever de buscar e ofertar a imunização dos brasileiros, e também de não impedir que os estados e municípios o façam, releva ressaltar.

8. As posturas omissivas e retardatárias do representado alcançam seu ápice, com a questão a vacina, conseguindo inclusive vulnerar a notória e valorosa reputação internacional do Programa Nacional de imunização (PNI) do Brasil. Ante o cenário mundial, o Brasil ocupa a 6ª posição8 dentre os países que conseguiram acesso à aquisição de vacinas (algumas, pelo menos; embora em escasso quantitativo) e 47ª posição per capita. E isso deve-se à pressão dos governadores sobre o Presidente Jair Bolsonaro, e provocações ao Judiciário, como já contextualizado (ADPF 770). E, embora declare que tem contratos para aquisição de vacinas da ordem de mais de 300 milhões de doses (cumpre lembrar que, à exceção da vacina Janssen, as aplicações são em dupla dose, portanto, trata-se de quantitativo que não atende a toda a população brasileira), as informações que se tem, em concreto, são que alcançam até o máximo de 2/3 das doses9. Sobre as 13 milhões de doses de vacinas da Oxford/Astrazeneca previstas para março, não devem ser entregues no prazo, segundo informações divulgadas pela imprensa, coletadas junto ao Ministério da Saúde10.

8.1. Cumpre atentar, esses atrasos não são circunstâncias imprevisíveis, são desdobramentos da desídia administrativa, da falta de interesse no adequado e diligente combate à pandemia pelo requerido. Em dezembro de 2020, quando outros países já estavam iniciando o processo vacinal da população, o Presidente Jair Bolsonaro assim se pronunciava à imprensa11, em evidencia de absoluto descompromisso em envidar esforços para a aquisição das vacinas e jogando o problema para os fabricantes, quando há uma natural e acirrada demanda pelos países:

Bolsonaro diz que são os laboratórios que deveriam ter interesse em vender vacina para o Brasil e que nenhum ainda apresentou pedido para liberação na Anvisa
Pfizer afirma que agência exige análises específicas para o país que demandam mais tempo para requerer o uso emergencial do imunizante.

O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta segundafeira (28) a apoiadores em Brasília que são os laboratórios que deveriam ter interesse em vender vacina contra o coronavírus para o Brasil e que nenhum deles apresentou ainda um pedido para liberação do imunizante.

‘O Brasil tem 210 milhões de habitantes, um mercado consumidor de qualquer coisa enorme. Os laboratórios não tinham que estar interessados em vender para gente? Por que eles, então, não apresentam documentação na Anvisa? Pessoal diz que eu tenho que ir atrás. Não, não. Quem quer vender, se eu sou vendedor, eu quero apresentar”, afirmou o presidente’.

Depois, Bolsonaro voltou a falar do tema: “Botei hoje nas mídias sociais que eu falei que não estava preocupado com pressão. Falei mesmo porque nós temos que ter responsabilidade, certas coisas não podem ser correndo, você está mexendo com a vida do próximo. A imprensa desceu o cacete em mim. Agora, se eu vou na Anvisa, que é um órgão de Estado ‘corre aí, não sei o que lá’, eu estou interferindo.”

Em resposta às declarações, a Pfizer informou, em nota, que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pediu uma série de “análises específicas” para liberação emergencial da vacina da Covid-19 no Brasil e que, por enquanto, seguirá com o pedido por outro formato, o de submissão contínua: quando a companhia envia documentos aos poucos, enquanto faz estudos e levanta dados.

De acordo com a farmacêutica, a nota também é uma demonstração de que a empresa “quer, sim, vender para o Brasil, mas que o processo aqui exige mais tempo”. Um exemplo dessa demora do procedimento, segundo a Pfizer, é a exigência dessas informações exclusivas sobre o Brasil, enquanto em outros países os dados são analisados em totalidade, sem exigir novos recortes.

As declarações de Bolsonaro ocorrem enquanto dezenas de países já começaram suas companhas de vacinação – 25 dos 27 da União Europeia (UE), assim como Estados Unidos, China, Canadá, Rússia, entre outros. Nesta segunda, Bélgica, Luxemburgo e Letônia foram adicionados à lista. O Brasil, apesar de ter contrato com a vacina da AstraZeneca e da Universidade de Oxford (produção pela Fundação Oswaldo Cruz), ainda não conseguiu aprovar o produto e iniciar a imunização.

Por Carolina Dantas e Paola Rodrigues, G1 e TV Globo – 28/12/2020 16h34. Atualizado há 2 meses

8.2. É de se notar Excelência, desde que se instaurou o quadro pandêmico, a comunidade científica mundial, especialmente no campo da epidemiologia e da infectologia, foi alguma alcançando algumas certezas: (a) a inexistência, até o presente momento de medicamento eficaz no combate ao vírus e aos seus efeitos; (b) o tratamento dos efeitos graves da Covid-19 demandam dos serviços de saúde de urgência e emergência com o aparato – em recursos materiais e humanos – da média e alta complexidade, cuja rede é insuficiente para a alta e extraordinária demanda em todas as unidades de saúde; (c) medicamentos cogitados foram, ao fim e ao cabo de pesquisas científicas contundentes, afastados como eficazes para o tratamento da Covid-19; (d) as medidas de isolamento, distanciamento social, uso de máscaras de proteção individual e higienização, principalmente das mãos, como medidas de precaução essenciais a conter a disseminação do vírus; e, por fim, (e) que a vacina é o mecanismo mais eficaz e contundente para conter a contaminação, imunizar a população e, alcançar uma estabilização na demanda por serviço de saúde que viabilizará a retomada de um anormalidade nas atividades e de recuperação econômica.

8.3. Como se viu acima, em face de todas essas recomendações o representado ou deixou de atuar, ou retardou as imperativas atuações, ou atuou em sentido contrário ao que impunham as circunstâncias e as normas regulamentares.

8.4. Somente em 24 de setembro de 2020 o Presidente expediu Medida Provisória nº 1.003 que autorizou o Poder Executivo federal a aderir ao Instrumento de Acesso Global de Vacinas Covid-19 – Covax Facility administrado pela Aliança Gavi (Gavi Alliance), com a finalidade de adquirir vacinas contra a Covid-19. É de se destacar, o projeto da Aliança Gavi foi lançado em abril de 2020, capitaneado pela

Organização Mundial de Saúde, estabelecida como uma forma de garantir que os países em desenvolvimentopudessem ter acesso às vacinas e que os produtos não ficassem apenas nas mãos dos países ricos. O Ministério da Saúde declarou à imprensa12 que, ao tomar conhecimento do acordo, tinha “outros acordos” em vista. Ademais, ao aderir o Governo somente se comprometeu à aquisição de quantitativo de vacinas que cobrem apenas 10% da população, quando tinha uma margem do correspondente até 50% de vacinas a que poderia ter acesso no âmbito da Aliança13.

8.5. E, mais, muitos entraves para a negociação e garantia de oferta das vacinas para o Brasil, decorrem, como aponta a reportagem acima citada, dos prazos e procedimentos da Anvisa para liberação do registro. Ora, já na edição da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 (art. 3º, inciso VIII) se vislumbrava essa problemática e conferia autorização de flexibilizações processuais quanto ao registro, bem como aceitação de reconhecimento, ainda que provisório, de registros expedidos por outras agências internacionalmente respaldadas. Providência alguma diligenciou o requerido para superação desse previsível empecilho, superável, nos termos da legislação excepcional, exceto a partir de comando judicial.

8.6. Todavia, para dispor sobre normas excepcionais e definição de um plano vacinal, somente dia 6 de janeiro de 2021 foi editada a Medida Provisória nº 1.026, que “dispõe sobre as medidas excepcionais relativas à aquisição de vacinas, insumos, bens e serviços de logística, vacinas, insumos, bens e serviços de logística, tecnologia da informação e comunicação, comunicação social e publicitária e treinamentos destinados à vacinação contra acovid-19 e sobre o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19”, em razão das exigências de parte do Judiciário e do Tribunal de Contas das União.

9. Não se pode deixar de citar toda a situação de criticidade porque passou – e, ainda passa – o município de Manaus pela ausência de insumos de oxigênio para a devida assistência emergencial aos pacientes acometidos pela Covid-19, em que pese a cientificação prévia ao Ministério da Saúde sobre tal risco e cujo retardo nas ações de suporte pela União agravaram o quadro de enfretamento da doença. Também esse é outro grave fato em que a inércia do Executivo Federal somente foi mobilizada não pelo sofrimento do povo ou de gestores,mas por cobrança da sociedade, através da imprensa, do Congresso Nacional, pelos órgãos de controle e pelo Judiciário.

10. Não sendo suficiente esse estado de coisas, em semana em que os índices epidemiológicos alcançaram patamares insustentáveis, exigindo-se dos gestores medidas radicais e contundentes, que foram adotadas com a decretação de lockdown em 19 estados, com um dado de mais de 1.900 mortes por Covid-19 em 24 horas, o representado, em postura pessoal, mas que reflete exemplo negativo à nação, porque descumpre formalmente dispositivo dos arts. 3º, III-A e 3º-A da Lei nº 13.979, de 202014, propagou o não uso da máscara de proteção individual, sem qualquer embasamento científico legítimo, em evento que promove pelas redes sociais – “live” – para interlocução com os brasileiros, no último dia 26.02.2021.

10.1. E, cabe observar que, embora use o discurso de que a economia precisa ser resgatada, que empresas não suportam a paralisação de atividades, que isso gera desemprego, há que se sopesar que a necessidade reiterativa de medidas como lockdown decorrem exatamente dessa ausência de atuação compromissada e coordenadora, como deve ser, da União, em medidas primaciais para conter a propagação e para assegurar o máximo de quantitativos e pronta entrega de vacinas para o Brasil (ante à evidente competitividade mundial), o que são medidas incisivas a viabilizar a normalização da atividade econômica e retomada de estratégias de crescimento do país. Expor a população ao risco, não apaziguará as dificuldades das empresas, simplesmente porque, empregado doente não trabalha, não produz e demanda ainda mais o sistema de saúde. A questão sanitária sob enfrentamento não é pontual, é sistêmica.

10.2. A atuação governamental, capitaneada pelo representado, conduz a uma absoluta desestruturação do SUS, pelo qual é constitucional o maior responsável, ao ponto em que o Ministério Público Federal, na data de ontem, expediu nova recomendação, assinada pelos representantes da Instituição em 24 unidades federativas, em contundente embasamento de dados epidemiológicos, para recomendar providências urgentes para conter a disseminação do coronavírus. Eis o teor da Recomendação (doc. Anexo)15:

“[…]RESOLVE RECOMENDAR ao MINISTRO DA SAÚDE que adote, com urgência, em todo o território brasileiro, de acordo com as situações epidemiológicas e capacidades de atendimento de cada localidade, e sem prejuízo das medidas mais restritivas adotadas por Estados e Municípios, medidas de contenção e prevenção da transmissão comunitária do novo coronavírus (SARSCOV-2) e de atendimento dos pacientes, tais como a implementação imediata das seguintes ações, com o escopo de evitar o iminente colapso nacional das redes pública e privada de saúde”.

10.3. E, diante desse quadro caótico por que passa o país, diante de dados tão incisivos, de evidencias que são legitimadas pela compreensão e atuação responsável de autoridades das instâncias de controle de atuação legislativa e jurisdicional, comprometidas com os fundamentos republicanos da Constituição Federal, com o Estado Democrático de Direito – que impõe deveres e responsabilidades a seus agentes -, o representado tem por comportamento e palavras para a nação – “Chega de mimimi! ”. Assim o representado se manifestou à imprensa, questionado sobre a atual conjuntura da pandemia no Brasil16:

Chega de mimimi

Nem a morte de 261 mil brasileiros é capaz de extrair alguma humanidade de Jair Bolsonaro. No pior momento da pandemia, o capitão voltou a ostentar desprezo pelo sofrimento alheio. “Chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando? ”, Debochou ontem, em Goiás.

As duas frases sintetizam a visão do presidente sobre a tragédia. Palavras dele, os esforços para conter a doença não passam de “frescura”. Quem usa máscara tem “medinho do vírus”. Quem respeita as regras de […] distanciamento é “frouxo” e “covarde”.

[…]

Por essa lógica, também é “mimimi” reclamar de um governo que ignora a ciência, deixa pacientes sem oxigênio e sabota uma negociação de vacinas. Ontem o capitão chamou de “idiota” quem reivindicou a compra de imunizantes para todos. “Só se para na casa da tua mãe!” (sic), Acrescentou.

A pergunta “Vão ficar chorando até quando?” expõe Bolsonaro em estado puro: um político que despreza a vida e celebra a morte.

BERNARDO MELLO FRANCO 05 DE MARÇO DE 2021
  1. Com efeito, Excelência, há que se concordar com o representado: “Chega de mimimi! ”. Chega de “mimimi” quando se ocupa cargo público, tanto mais de alta relevância. Chega de exercer funções de chefia de Estado e de Governo, como se estivesse na sala de casa, no jardim particular, em que se diz e age, segundo interesses e convicções próprias. Se assim atua, por tal postura cabe responder, à luz da legalidade. Porque a nação, o brasileiro, merece, segundo a Constituição Federal, no mínimo, respeito. Quando os mecanismos razoáveis do direito não alcançam resultados em trazer as pessoas, notadamente agentes públicos, à atuação segundo a legalidade, a ultima ratio para a tutela dos interesses da sociedade e a bem do império da ordem jurídica, está no Direito Penal.

11.1. Como contextualizado nessa notícia crime, a todas as portas das instituições públicas, inclusive este Supremo Tribunal Federal, a sociedade tem recorrido, no intuito de tanto de conter as posturas deletérias do representado, como de provocar a sua atuação, com adoção de medidas pertinentes e necessárias, que efetivamente propiciem proteção e consciência de responsabilidade sanitária aos brasileiros no enfretamento da pandemia. Os poucos resultados que se alcançam do Poder Executivo federal vêm por esses caminhos, a exigência de parte de outros poderes que o Executivo federal atue, onde e como tem que atuar. E, evidente, se se tem que socorrer ao Judiciário, ao Legislativo ou aos órgãos de controle, por mais dinâmicos que sejam, já há perda de tempestividade e eficiência na prestação do serviço público, no cumprimento de deveres atinentes ao Executivo.

11.2. Pelo menos em tese, a robustez dos fatos apontados, isso sem prejuízo de tantos outros divulgados pela imprensa e sob averiguação em outrs instâncias de controle, indiciam possível enquadramento das citadas condutas dos representados no tipo penal da prevaricação – art. 319 do Código Penal – pela presença das posturas de “retardo” e/ou “de omissão”, sem justo motivo, nas essenciais práticas ao combate da Covid-19.

11.3. Notadamente quanto às vacinas quando há expressa determinação constitucional do dever de garantir medidas de proteção da saúde e prevenção de agravos, conforme art. 196, assim agindo apenas por convicções ideológicas pessoais acerca da contaminação em voga. Tal norma constitucional é em si é bastante a estabelecer um dever ao Estado (portanto, a quem o represente) e assegurar o direito líquido e certo à saúde dos indivíduos. A legislação referenciada, sem esgotamento, cabe ressaltar, explicita e complementa esses direitos deveres, de modo que não cabe alegações de inexistência de dever de ofício. Sobressai, desse cabedal de proteção e promoção em sede de regulamentação normativa do direito à saúde e dever de prestá-lo, além dos robustos arts. 196 a 200 da Constituição Federal.

11.4. O Regulamento Sanitário Internacional (Decreto nº 10.212, de 30 de janeiro de 2020) preconiza deveres de informação e atuação pelos Estados Partes sobre questões sanitárias de acordo com sua legislação nacional relevante e com base científica ou, à falta destas, respaldadas pela Organização Mundial de Saúde:

“1. Este Regulamento não impede que os Estados Partes implementem medidas de saúde, em conformidade com sua legislação nacional relevante e as obrigações decorrentes do direito internacional, em resposta a riscos específicos para a saúde pública ou emergências de saúde pública de importância internacional, que:

(a) confiram um nível de proteção à saúde igual ou superior ao das recomendações da OMS, ou

(b) sejam proibidas em outras circunstâncias, nos termos do Artigo 25, Artigo 26, parágrafos 1º e 2º do Artigo 28, Artigo 30, parágrafo 1º (c) do Artigo 31, e Artigo 33, desde que tais medidas sejam, em outros aspectos, consistentes com este Regulamento.

Tais medidas não deverão ser mais restritivas ao tráfego internacional, nem mais invasivas ou intrusivas em relação às pessoas do que as alternativas razoavelmente disponíveis que alcançariam o nível apropriado de proteção à saúde.

  1. Ao decidir implementar ou não as medidas de saúde de que trata o parágrafo 1º deste Artigo ou as medidas adicionais de saúde contempladas no parágrafo 2º do Artigo 23, parágrafo 1º do Artigo 27, parágrafo 2º do Artigo 28 e parágrafo 2º(c) do Artigo 31, os Estados Partes basearão suas determinações em:

(a) princípios científicos;

(b) evidências científicas disponíveis de risco para a saúde humana ou, quando essas evidências forem insuficientes, informações disponíveis, incluindo informações fornecidas pela OMS e outras organizações intergovernamentais e organismos internacionais relevantes; e

(c) qualquer orientação ou diretriz específica da OMS disponível.” (Grifos nossos)

11.5. Parece indubitável que nossa legislação nacional relevante é a Constituição Federal de 1988 somada, no campo sanitário à Lei nº 8.080, de 1990 e demais normas do Sistema Único de Saúde e as normas que imputam deveres e responsabilidades aos agentes públicos. Especificamente quanto às medidas de proteção e prevenção à Covid-19, é de alta relevância (já o reconheceu o STF, como retro aludido), a Lei nº 13.979, de 2020. Ademais, acerca de orientações sanitárias, é amplamente difundido nos diversos meios de comunicação, a recomendação de parte da OMS do uso de máscaras de proteção individual como um das posturas de prevenção à contaminação pelo coronavírus17.

11.6. Ademais, reitera-se, a República Federativa do Brasil é Estado Parte das Convenções da Organização dos Estados Americanos, signatária do Pasto de São José da Costa Rica (Decreto nº 678, de 1992), que tutela direitos civis e políticos, dentre os quais o direito à vida e sua expressão na saúde, e integra a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Esta expediu a Resolução nº 01/2020 – Pandemia e Direitos Humanos nas Américas18 que também preconiza às autoridades públicas o dever de informação sobre a Covid-19 e seu enfrentamento com embasamento científicos e especificidades em se tratando de grupos vulneráveis (a exemplo de idosos, crianças, pessoas com deficiência), como se destaca dos itens 34, 38 e 63 (grifos nossos):

“34. Observar um especial cuidado nos pronunciamentos e declarações dos funcionários públicos com altas responsabilidades a respeito da evolução da pandemia. Nas atuais circunstâncias as autoridades estatais têm o dever de informar à população; ao pronunciar-se a respeito, devem atuar com diligência e contar de forma razoável com base científica. Também devem recordar que estão expostos a um maior escrutínio e à crítica pública, mesmo em períodos especiais. Os governos e as empresas de Internet devem atender e combater de forma transparente a desinformação que circula a respeito da pandemia.

38. Considerar os enfoques diferenciados requeridos ao adotar as medidas necessárias para garantir os direitos dos grupos em situação de especial vulnerabilidade no momento de adotar medidas de atenção, tratamento e contenção da pandemia da COVID-19, bem como para mitigar os impactos diferenciados que essas medidas possam gerar.

Crianças e Adolescentes

63. Reforçar a proteção de crianças e adolescentes – especialmente os que não contam com cuidados familiares e que se encontram em instituições de cuidado – e prevenir o contágio pela COVID-19, implementando medidas que considerem suas particularidades como pessoas em etapa de desenvolvimento e que atendam de maneira mais ampla possível seu interesse superior. A proteção deve, na medida do possível, garantir os vínculos familiares e comunitários.

11.7. Ademais, cabe, data vênia, avaliar se e as falas e posturas do representado não se fazem fronteiriças com os ilícitos penais contra a saúde pública (ex vi arts. 131, 132, 268, 283, 285 do Código Penal) – até porque, além de propugnar o não uso, ele próprio não usa máscara estando com quem quer e com quantas pessoas sejam, não pratica distanciamento social, pratica aglomeração.

  1. Acentua essa necessária apuração, tanto a envergadura do cargo e função pública que o representado ocupa e, em razão do qual se dão as posturas ora sopesadas como possível ilícito (em tese, reitera-se), como o resultado da sua condita, com alto contingente de pessoas fatalmente acometidas pela doença e que, no cenário mundial, somente no Brasil é crescente, bem como os escassos dados que apontam as estatísticas vacinais no país – até a data de 3 de março de 2020, apenas 4,6% da população19.
  2. Por fim, o que não esgota a pletora de fatos que caberiam em reforço aos indícios aqui trazidos, parece relevante a avaliação técnica da Fiocruz (Observatório Covid 19 – Informação para ação) – Nota Técnica nº 16, de 28 de dezembro de 2020.20 (Doc. Anexo):

A alta positividade dos testes pode indicar um descontrole do processo epidêmico, […].

Os testes, se aplicados de forma adequada e oportuna, podem identificar grupos populacionais e regiões prioritárias nos processos de relaxamento ou intensificação das medidas de isolamento social.

[…]

De acordo com a OMS, uma taxa de positividade inferior a 5% é um indicador de que a epidemia está sob controle. No Brasil, nenhum estado, desde o início da pandemia, apresentou valores tão baixos.”

II – PEDIDO:

  1. Com pedido de licença para a citação, a conjuntura fática que se expõe parece nos levar ao que Shakespeare já descrevia, no que suporíamos caber apenas em ficção:

“Apolônio (em inglês: Polonius) é uma personagem da tragédia Hamlet, de William Shakespeare.

Pai de Ofélia e Laertes, e adjunto do Rei Claudio, ele pode ser descrito como um tagarela, uma pessoa enfatuada por uns, ou como um excursionista da sabedoria para outros.

Claudio ordena-o que descubra por que Hamlet age como um louco. Apolônio sugere que Hamlet o faz porque Apolônio não autoriza Ofélia a vê-lo. Ele tenta colocar esta teoria sob teste, mas Hamlet confunde-o ainda mais. Apolônio, apesar de suspeitar que alguma coisa se passa, pode apenas dizer: “Though this be madness, yet there is method in it” (apesar disto ser loucura, há nela algo de metódico) – [Acto 2 Cena.ii, Hamlet].

  1. Ante o exposto, considerando a existência, em tese, de indícios de prática de crime comum, e em razão competência constitucional expressa conferida a este Supremo Tribunal Federal e da legitimidade processual ativa de exclusiva titularidade do Ministério Público, trago os fatos – que são de conhecimento geral, na medida em que compõem o rol diário de notícias no Brasil e no mundo – à ciência desta Corte para, conforme entendimento, o que se requer.
  2. Entendendo, com devida vênia a existência, em tese, de elementos normativos para requerer seja intimada a Procuradoria-Geral da República para, se assim convencida, oferecer denúncia contra o representado JAIR MESSIAS BOLSONARO, atual Presidente da República, pelos fatos expostos, sem prejuízo de outros que identifique como violadores da ordem jurídica e dos deveres funcionais, à luz da legislação brasileira, de modo que sejam devidamente apuradas e sancionadas as responsabilidades, e contidas posturas do mais alto dirigente da nação e do Governo deletérias à população, ao Estado, e às instituições públicas e privadas frente à tão gravoso estado de calamidade sanitária(e consequentes desdobramentos socias e econômicos)decorrente da pandemia da Covid-19, de alcance mundial.

Termos em que

Pede deferimento.

Brasília-DF, 4 de março de 2021.


Referências

  1. Fontes: https://www.google.com/search?q=dados+da+covid+no+mundo+hoje&rlz=1C1SQJL_pt-BRBR870BR870&oq=dados+da+c ovid+&aqs=chrome.7.0i131i433l2j0j69i57j0l6.6607j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8 https://bigdata-covid19.icict.fiocruz.br/
  2. Fonte: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/sobre/boas-praticas/covid19/documentos-2ccrcovid/recomendacao-pr-pgr-00117790-2020-2-2.pdf/view
  3. Fonte: https://www.jornalismo.art/2020/06/22/jair-bolsonaro-sabotagem-novocoronavirus/?utm_content=buffer995f5&utm_medium=social&utm_source=twitter.com&utm_campaig n=buffer
  4. Fonte: https://portal.tcu.gov.br/coopera/
  5. Fonte: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-pede-esclarecimentos-ao-ms-sobre-medidaspara-impedir-a-disseminacao-de-nova-variante-de-covid-19.htm
  6. Fonte: https://www.lexml.gov.br/busca/search?keyword=covid19&f1-tipoDocumento=
  7. Fonte: https://www2.camara.leg.br/a-camara/documentos-epesquisa/biblioteca/coronavirus/paginas-internas/legislacao-e-normas-pertinentes-de-estados-emunicipios
  8. Fonte: https://www.poder360.com.br/coronavirus/brasil-fica-aquem-da-meta-de-pazuello-e-ocupa-6o-lugar-em-ranking-de-vacinacao/
  9. Fonte: https://www.poder360.com.br/coronavirus/governo-fala-em-vacina-para-100-em-2021-mas-so-tem-garantidas-2-3-das-doses/
  10. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2021/03/governo-preve-ter-so-um-quintodas-vacinas-de-oxford-esperadas-para-marco.shtml
  11. Fonte: https://g1.globo.com/bemestar/vacina/noticia/2020/12/28/pfizer-diz-que-anvisa-pediuanalises-especificas-para-liberar-uso-emergencial-de-vacina-no-brasil.ghtml
  12. Fonte: https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/12/08/brasil-optou-porcobertura-minima-em-alianca-mundial-de-vacinas.htm
  13. Fonte: https://www.poder360.com.br/coronavirus/brasil-optou-por-cobertura-minima-aoaderir-a-alianca-global-por-vacina/
  14. Dispositivos com vigência prorrogada nos termos da decisão do Ministro Ricardo Levandowksi, na ADI 6677
  15. Fonte: http://www.mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/noticias-sp/mpf-em-24-estados-e-no-df-pede-queministerio-da-saude-adote-medidas-urgentes-para-conter-a-transmissao-do-novo-coronavirus-no-brasil
  16. Fonte: https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/chega-de-mimimi.html
  17. Fontes: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/332293/WHO-2019-nCov-IPC_Masks-2020.4-por.pdf
    http://www.ibes.med.br/atualizacao-da-oms-sobre-o-uso-de-mascaras-no-contextoda-covid-19/
  18. Disponível em: https://www.oas.org/pt/cidh/decisiones/pdf/Resolucao-1-20-pt.pdf
  19. Fonte: https://bigdata-covid19.icict.fiocruz.br/
  20. Disponível em: https://bigdata-covid19.icict.fiocruz.br/nota_tecnica_16.pdf

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