Saúde em Debate – Análise Política em Saúde II

Mais que nunca, e? preciso lutar…

Editorial

VIVEMOS UM MOMENTO EXTREMAMENTE DIFI?CIL. Os alicerces da nossa fra?gil democracia, conquistada com muita luta apo?s os 21 anos de regime autorita?rio, encontram-se ameac?ados pela mobilizac?a?o de considera?vel parcela da populac?a?o em torno de lideranc?as conservadoras que pregam a viole?ncia, a segregac?a?o, o o?dio. Testemunhamos a atualizac?a?o de preconceitos cristalizados na histo?ria da formac?a?o social brasileira, marcada pelo patriarcalismo, pelo racismo, pelo machismo, que se expressam contra pobres, mulheres, negros e segmentos da comunidade LGBTI (Le?sbicas, Gays, Bissexuais, Transge?neros, Travestis e Intersexuais).

Agregando-se a isso a insatisfac?a?o com os efeitos da crise econo?mica, poli?tica e e?tica que atravessamos nos u?ltimos anos, formou-se o caldo de cultura para a polarizac?a?o entre projetos distintos para a sociedade brasileira, que opo?em modelos econo?micos, concepc?o?es poli?ticas e perspectivas culturais, colocando o Pai?s em uma encruzilhada, que comec?ou a se configurar antes mesmo do golpe que depo?s a presidente Dilma Rousseff, e hoje se apresenta, sem disfarces, nos debates e nas estrate?gias adotadas pelas forc?as sociais e partidos poli?ticos que disputam as eleic?o?es.

Estamos editando este nu?mero da revista ‘Sau?de em Debate’ a ser lanc?ado durante a V Oficina de Trabalho do Observato?rio de Ana?lise Poli?tica em Sau?de (OAPS), justamente em um contexto de eleic?o?es presidenciais que definira?o o cena?rio para desenvolvimento das poli?ticas de sau?de e, especialmente, para o Sistema U?nico de Sau?de (SUS). Seja qual for o resultado dessas eleic?o?es, temos conscie?ncia de que a luta em defesa do direito a? sau?de continuara?, porque faz parte da histo?ria das forc?as progressistas deste Pai?s, que sonham e trabalham por um Brasil mais justo, menos desigual, mais democra?tico e solida?rio.

Faz parte dessa luta o desenvolvimento de estudos e pesquisas que contribuam para o conhecimento dos problemas do estado de sau?de da populac?a?o e do sistema de sau?de, de modo a subsidiar a elaborac?a?o e a implementac?a?o de poli?ticas, estrate?gias e pra?ticas coerentes com as concepc?o?es, princi?pios e diretrizes que animam o movimento pela Reforma Sanita?ria Brasileira (RSB) ao longo dos u?ltimos 42 anos, desde a criac?a?o do Centro Brasileiro de Estudos de Sau?de (Cebes) em 19761-3. Nessa perspectiva, o Cebes e o OAPS decidiram compor mais um nu?mero da ‘Sau?de em Debate’ dedicado a? Ana?lise Poli?tica em Sau?de, dando continuidade e conseque?ncia ao esforc?o da centena de pesquisadores vinculados aos diversos projetos de pesquisa que vem sendo desenvolvidos nos 12 eixos tema?ticos que compo?em, atualmente, o Observato?rio (www.analisepoliticaemsau?de.org).

Nas pa?ginas deste nu?mero especial da revista, os leitores encontrara?o um conjunto de artigos que abordam o processo poli?tico em sau?de de diversos a?ngulos, sejam questo?es gerais relacionadas com a luta pelo direito a? sau?de, no Brasil e em outros pai?ses, sejam aspectos especi?ficos do processo de formulac?a?o e implementac?a?o de poli?ticas em diversas tema?ticas, especialmente no que diz respeito a? organizac?a?o do SUS, em ni?vel nacional, estadual e municipal. Ale?m disso, apresenta-se o resultado de estudos bibliogra?ficos que tratam de mapear a produc?a?o cienti?fica sobre Ana?lise Poli?tica em Sau?de, visando sistematizar o elenco de teorias e estrate?gias metodolo?gicas utilizadas, de modo a fundamentar o trabalho do Observato?rio, tanto na perspectiva de sua organizac?a?o e funcionamento enquanto um espac?o singular que articula produc?a?o e difusa?o de conhecimentos com participac?a?o no debate poli?tico da sau?de quanto no aperfeic?oamento dos estudos e pesquisas desenvolvidos nos diversos eixos tema?ticos que o compo?em.

Nesse particular, cabe enfatizar o interesse que permeia muitos dos projetos em desenvolvimento no OAPS, e que se revela no conteu?do de muitos dos artigos apresentados neste nu?mero da ‘Sau?de em Debate’: a identificac?a?o e ana?lise do posicionamento poli?tico de diversos sujeitos e organizac?o?es governamentais e na?o governamentais, ou, melhor dizendo, do Estado e da sociedade civil, acerca dos projetos em disputa na sau?de. De fato, em um ambiente fortemente polarizado, assistimos tambe?m ao fortalecimento, em todos os espac?os do Estado brasileiro hoje, da hegemonia do projeto mercantilista4, defendido pelo conjunto de forc?as poli?ticas interessadas na reduc?a?o do gasto pu?blico, em defesa do mercado, privatizac?a?o da gesta?o do SUS e fortalecimento do modelo me?dico-assistencial hospitaloce?ntrico, bem como desvalorizac?a?o da participac?a?o e controle social do SUS por meio dos Conselhos e Confere?ncias de sau?de. Para os defensores desse projeto, a sau?de e? considerada uma mercadoria, e na?o um direito de cidadania, e o SUS pode limitar-se a um SUS ‘para pobres’, focalizado na garantia da atenc?a?o ba?sica, ao tempo que se intensifique a privatizac?a?o da gesta?o da atenc?a?o especializada e hospitalar, paralelamente a? expansa?o de cobertura dos planos privados de sau?de, reforc?ados, inclusive, pelo subsi?dio estatal.

O futuro do SUS, portanto, esta? em questa?o. Nesse cena?rio, a defesa do projeto da RSB, e do chamado ‘SUS constitucional’, fundado nos princi?pios da universalidade, integralidade e equidade, e? tarefa inadia?vel, e requer a superac?a?o do subfinanciamento e ampliac?a?o dos recursos pu?blicos investidos na sau?de, a democratizac?a?o da gesta?o do sistema em todos os ni?veis, a qualificac?a?o da gesta?o pu?blica e a consolidac?a?o de um modelo de atenc?a?o que vise a? integralidade, a? melhoria da qualidade e a? humanizac?a?o do atendimento. Resistir ao ‘desmonte’ do sistema, que, apesar das limitac?o?es e dificuldades, representa uma conquista da cidadania brasileira, um avanc?o civilizato?rio diante da barba?rie que se avizinha, e? o que nos move a continuar estudando, pesquisando, escrevendo, ensinando, debatendo e mobilizando pessoas, grupos, entidades, organizac?o?es a continuar na trincheira da luta por sau?de e democracia. Na?o passara?o!

Carmen Fontes Teixeira
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Instituto de Humanidades, Artes e Cie?ncias Professor Milton Santos (IHAC) – Salvador (BA), Brasil.

Ana Luiza Queiroz Vilasbo?as
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Instituto de Sau?de Coletiva (ISC) – Salvador (BA), Brasil.

Jairnilson Paim
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Instituto de Sau?de Coletiva (ISC) – Salvador (BA), Brasil.

Refere?ncias

  1. Fleury S, Organizadora. Sau?de e Democracia, a luta do CEBES. Sa?o Paulo: Lemos Editorial; 1997.
  2. Rizzotto ML, Costa AM. 25 anos do direito univer- sal a? Sau?de. Rio de Janeiro: CEBES; 2014.
  3. Camargo ATSP, Costa AM, Lobato LVC, et al. CEBES 40 anos: memo?ria do futuro. Rio de Janeiro: CEBES; 2016.
  4. 4. Paim JS. Reforma Sanita?ria Brasileira (RSB): ex- pressa?o ou Reproduc?a?o da revoluc?a?o passiva? Planejamento e poli?ticas pu?blicas. 2017 [acesso em 2018 set 2]; (49):15-33. Disponi?vel em: http:// www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/article/ view/946/441.