Revista Saúde em Debate, Vol. 40, Ed.111

Terminamos o ano de 2016 com muito pouco a comemorar e com o País imerso em uma grave crise política e econômica. Entretanto, temos a celebrar: os 40 anos do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e a ação militante dos ativistas cebianos nas dezenas de núcleos espalhados pelo País, que lutaram, denunciaram, ocuparam e se mobilizaram em defesa da democracia e contra os desmandos do governo ilegítimo que assumiu o poder por meio de um golpe parlamentar. O aniversário do Cebes é, também, de sua revista ‘Saúde em Debate’, que tem sido fundamental no processo da reforma sanitária brasileira e no campo da saúde coletiva nacional e latino-americana como espaço de divulgação do pensamento crítico.

 

Na saúde, sobraram más notícias para o Sistema Único de Saúde (SUS) e, especialmente, para os seus usuários que aumentarão diante do desemprego crescente que já atinge a taxa de 11,8%, deixando 22,7 milhões de pessoas desempregadas ou subutilizadas (iBGe, 2016).

 

A mais nefasta das medidas do governo Temer foi a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que definiu um teto para os gastos públicos pelos próximos 20 anos. Para os setores de saúde e educação, o congelamento dos gastos se inicia em 2018, para os demais, já em 2017.

 

Apesar de pesquisa de opinião mostrar que mais de 60% da população brasileira é contra o congelamento de recursos para as áreas de saúde e educação, deputados e senadores definiram que por duas décadas os valores gastos pelo governo federal poderão ser corrigidos apenas pela inflação do ano anterior. Na Câmara, foram 359 votos a favor e 116 contra (PEC 241), no Senado, foram 53 votos a favor e 16 contra (PEC 55), resultando na Emenda Constitucional(EC) nº 95/2016 (Brasil, 2016). Não esqueceremos!

 

A redução do investimento federal em saúde certamente levará a uma maior pressão financeirasobre os municípios e sobre os estados que terão que responder às demandas crescentes por serviços de saúde ante o aumento da população e a transição demográfica e epidemiológica em curso.

 

A PEC do teto dos gastos públicos, como ficou conhecida, foi a primeira de uma série de reformas do governo Temer que tem como principal objetivo reduzir direitos sociais. Trata-se do mais duro ajuste fiscal a ser feito pelo Estado brasileiro desde a Constituição de 1988, sob o comando de um governo que mais excluiu direitos e mais retrocedeu em termos de práticas democráticas.

 

A sensação que se tem é de que 28 anos de esforços por construir um sistema universal de saúde no Brasil foram destruídos em menos de um ano. Contudo isso não nos desanima: o Cebes e a revista Saúde em Debate nasceram em uma conjuntura difícil de ditadura militar, com o propósito de defender a democracia e a saúde como direito, tendo como lema ‘Saúde é Democracia’. Hoje, 40 anos depois, renovamos o propósito e mantemos a mesma disposição para a luta em defesa de um sistema de saúde universal e de qualidade para todos.

 

Este é o espírito dos cebianos, que registramos aqui, em alguns fragmentos recolhidos de troca de votos no último dia de 2016 em grupo de WhatsApp.

 

Cristiane agradeceu a todos os cebianos, “…é muito bom participar com vocês deste processo de luta por uma saúde pública e de qualidade! Obrigada pelo aprendizado”. Luís Bernardo respondeu com texto de Nara Rúbia Ribeiro, que inspirada no texto ‘El derecho al delirio1’ de Eduardo Galeano desejava:

 

Que as nossas almas sigam irmanadas na utopia de um mundo cuja maior loucura seja a dignidade de todos os homens. Cuja alegria de uns não esteja alicerçada na desgraça de inúmeros outros.

Cuja esperança sobreviva ao caos. Onde o pão nosso de cada dia esteja à mesa recheado de sonho e poesia. (ribeiro, 2015, p. 1).

Grazielle desejou aos “queridos do Cebes” “um 2017 de vitórias em nossas lutas e alegrias em nossas vidas. Obrigada pela oportunidade de aprender e crescer tanto com vocês”. Isabela agradeceu aos “compas” e desejou “um

2017 mais justo para nós, um Brasil mais solidário, um mundo menos violento e mais tolerante em que possamos estar mais unidos”. Marluce brindou o grupo com a poesia ‘A pedra’ de Antonio Pereira (Apon):

O distraído, nela tropeçou, o bruto a usou como projétil, o empreendedor, usando-a construiu, o camponês, cansado da lida, dela fez assento. Para os meninos foi brinquedo, Drummond a poetizou, Davi matou Golias… Por fim; o artista concebeu a mais bela escultura. Em todos os casos, a diferença não era a pedra. Mas o homem. (pereira, 1999).

E sugeriu que devemos “terminar o ano de 2016 sabendo o que fazer com as próximas pedras”.

 

Heleno respondeu dizendo: “Tô aqui catando de uma em uma” e desejou feliz 2017. Patrícia desejou “uma senda de alegria, de companheirismo e de muito amor a todos” e desafiou: “Vem 2017, não há nada a temer”. Cristiane concluiu dizendo que “o mais bonito de ser gente é isto.

 

A esperança de dias melhores não se acaba! Ser feliz é um imperativo que nos move em busca de sonhos… Ser Cebes é isto! Sonhar juntos para dias melhores…”.

 

Maria Lucia Frizon Rizzotto
Editora Científica da Saúde em Debate
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes)

 

Ana Maria Costa
Diretora Nacional do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes)

 

Referências

 

BRASIL. Presidência da República. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 15 dez. 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm>. Acesso em: 1 jan. 2017.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSITCA (IBGE). Pesquisa Mensal do Emprego. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/>. Acesso em: 1 jan. 2017.
PEREIRA, A. A pedra. Disponível em: <https://pensador.uol.com.br/autor/antonio_pereira_apon/>. Acesso em: 1 jan. 2017.
RIBEIRO, N. R. Morre Eduardo Galeano: eternize-se o direito ao delírio. Disponível em: <http://www.contioutra.com/morre-eduardo-galeano-eterniza-se-o-direito-ao-delirio/>. Acesso em: 1 jan. 2017