Revista Saúde em Debate v.33 n.82 maio/agosto de 2009

Em junho de 2009, a área econômica do governo enviou ao Congresso Nacional uma proposta para legalizar a incorporação da saúde em todos os tipos de seguro privado, mediante incentivo de dedução no Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) e Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) dos segurados, o que constituirá novo nicho no mercado de planos privados de saúde, se concretizado.

No ano passado, a área econômica enviou ao Congresso proposta de um novo sistema tributário com desejável simplificação, porém mantendo o que historicamente traz de pior, ou seja, seu caráter regressivo, e como se não bastasse, extingue as contribuições sociais, grande conquista Constitucional, colocando em seu lugar, uma estrutura de impostos que diminuirá ainda mais o financiamento da saúde, educação e assistência social e desorganizará a Seguridade Social definitivamente.

Estas duas recentes medidas seguem a mesma lógica de várias outras que vêm sendo implementadas pela área econômica de todos os governos desde 1990, como o cofinanciamento público dos planos privados de saúde aos servidores públicos, incluindo as estatais; as isenções tributárias a hospitais sem fins lucrativos credenciados por operadoras de planos privados; a dedução dos gastos com saúde no IRPF e IRPJ; o não ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS) pelas operadoras dos planos privados; e o estímulo da expansão dessas operadoras e da população afiliada, regulado em leis específicas a partir de 1998 e 2000 (criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar, ANS).

Essa sucessão de intervenções da área econômica dos governos no mercado de serviços de saúde foi concomitante a outra sucessão de intervenções, voltadas no mesmo período para a marcante e contínua retração federal do financiamento do sistema público de saúde.Por coincidência, ou não, nesse mesmo período não foi reformada a estrutura arcaica da administração direta e indireta do Estado, nem a relação público-privado no interior do setor saúde, que permanece promíscua e desregulamentada. O conjunto dessas estratégias e intervenções da área econômica afasta-se dos princípios e diretrizes do SUS, e tem sido forte e competente nestes 20 anos, a ponto de sobrepor-se às tentativas de intervenção em prol desses princípios e diretrizes, por parte dos gestores e conselhos de saúde nas três esferas de Governo. Um dos efeitos é o de compelir a classe média e os trabalhadores sindicalizados, incluindo os servidores públicos, a aderirem aos planos privados, abstendo a construção do SUS de pressão social decisiva.

Muito mais do que as alardeadas limitações conjunturais da situação econômica-orçamentária-financeira, a sucessão das intervenções apontadas, sob lógica cada vez menos disfarçável, sugere que a área econômica dos Governos, desde 1990, responde pela política de Estado implícita (real), atrelada à moldagem do nosso sistema de saúde ao paradigma do norte-americano, com grande predomínio do mercado na saúde, cuja tensão e irrealismo aumentaram a partir de 1990. A tensão ocorre porque convive com a pressão contínua pelo cumprimento dos princípios e diretrizes constitucionais e das demandas reprimidas, e o irrealismo porque a partir da atual crise econômica planetária contrasta com o anúncio das primeiras medidas do governo dos EUA de universalização do acesso aos serviços de saúde, com dotação inicial de 640 bilhões de dólares adicionais para os próximos quatro anos, além da intensificação do aprimoramento e consolidação dos sistemas públicos do paradigma europeu, com grande predomínio sobre o mercado na saúde.

Este rumo de políticas públicas, assumido desde 1990 pela área econômica dos governos, aparenta um deslumbramento nos anos 1990 em escala mundial excessivamente acrítico nos meios da tecnocracia econômica e corporativa de países em desenvolvimento como o nosso. Agora, sob nova conjuntura internacional, este rumo imposto poderá estar desafiado a visitar o rumo inicial. Se esta é a perspectiva, que seja assumida desde já, pois será necessariamente planejada e gradativa, durante vários anos, para desmanchar o rumo imposto nestes 20 anos e retomar a pactuação social da Constituição de 1988.

O simpósio do Cebes, que ocorrerá nos dias 28 e 29 de agosto, aprofundará este debate, será propositivo e deverá reforçar laços e alianças com entidades na reforma sanitária brasileira, com os conselhos de saúde, gestores do SUS, o parlamento e com as entidades ligadas aos demais setores dos direitos humanos.

A DIRETORIA NACIONAL

Sumário:

Artigos:

Vinte anos de SUS: o sistema de saúde no Brasil no século 21
Autores: Lenir Santos e Luiz Odorico Monteiro de Andrade

Pacto intergeracional, seleção adversa e financiamento dos planos de saúde
Autores: José Cechin, Bruno Dutra Badia e Carina Burri Martins

Contabilidade de custos e discriminação de preços entre clientes particulares e de planos de saúde: evidências de hospitais do município do Rio de Janeiro
Autores: Elton Azevedo Maia, Ricardo Lopes Cardoso, Delane Botelho e Rosana Lopes Cardoso

Quando o sanitário é estético: a questão da saúde nas mídias
Autores:Jacqueline Oliveira Silva e Carlos A. Gadea

A percepção de gestores de saúde sobre a rádio comunitária como instância mediadora para o exercício do controle social do SUS
Autores: Paulo Rogério Gallo e Sophia Karlla A. M. Espírito Santo

Os Centros de Atenção Psicossocial e as possibilidades de inovação das práticas em Saúde Mental
Autores: Rosana Carneiro Tavares e Sônia Margarida Gomes Sousa

O trabalho de supervisão como dispositivo de transformação das práticas psicossociais em Saúde Mental
Autores: Roberta Augusta Borges Calixto, Maria Tereza Perez e João Luiz Leitão Paravidini

Uma proposta de avaliação quantitativa e qualitativa de serviços de saúde mental: contribuições metodológicas
Autores: Luciane Prado Kantorski, Christine Wetzel, Eda Schwartz, Vanda Maria da Rosa Jardim, Rita Maria Heck, Valquíria de Lourdes Machado Bielemann, Jacó Fernando Schneider, Agnes Olschowsky e Valéria Cristina Christello Coimbra

A dança como dispositivo no processo da Reforma Psiquiátrica
Autores: Mariana Tavares Cavalcanti Liberato e Magda Dimenstein