Revista Saúde em Debate v.33 n.83 setembro/dezembro de 2009

É com grande satisfação que nós, da nova Diretoria Nacional, nos dirigimos pela primeira vez aos associados do Cebes.

Essa diretoria define uma nova etapa no nosso processo de refundação, e foi eleita em um evento exclusivo do Cebes: o 1° Simpósio de Políticas e Saúde, realizado nos dias 28 e 29 de agosto no campus da Universidade Federal Fluminense, em Niterói. Tal evento nos permitiu participar de um momento histórico da saúde em nosso país e do significado político de nossa entidade.

A primeira Saúde em Debate editada pela nova diretoria do Cebes aborda uma questão das mais importantes na história do pensamento que deu origem à reforma sanitária nas décadas de 1970 e 1980, o conceito de determinação social da saúde passou a ocupar recentemente uma posição central nos debates internacionais acerca de saúde e sociedade. Em grande parte, isso se deve ao trabalho de muitos anos da Organização Mundial da Saúde (OMS) com uma equipe de epidemiologistas britânicos, que culminou na elaboração, em 2008, de um impactante relatório sobre o tema, tendo sido precedido pelo informe da comissão brasileira que se organizou sob os auspícios da Fundação Oswaldo Cruz.

Nesses documentos, a ênfase tem recaído sobre os mecanismos causais que associam as desigualdades nas condições de vida e de trabalho com diferenciais de morbidade e mortalidade entre os grupos sociais. O enfoque de determinantes sociais procura alertar as autoridades dos países sobre a necessidade de se chegar a uma solução coletiva dos problemas da desigualdade social em saúde. Portanto, as políticas públicas nessa área não devem se limitar a promover incentivos de mudança de comportamento individual diante dos riscos das enfermidades. As pessoas estão morrendo por falta de justiça social, e esta é uma das conclusões mais salientes no relatório da OMS.

Em função desse diagnóstico, que se produz a partir do ponto de vista da filosofia moral, surge uma vertente de investigação teórica que procura esclarecer de que modo as condições concretas de saúde correspondem às ideias basilares de desigualdade, equidade e iniquidade. Assim, como consequencia da análise dos determinantes sociais, desperta-se um renovado interesse pelas questões de filosofia moral no campo da saúde.
Porém, em nosso entendimento, a retomada do debate sobre determinação social da saúde deve ir além das questões de filosofia moral. O conceito de determinação está assentado sobre o pressuposto de que a saúde humana deve ser compreendida e analisada a partir das formas de organização da sociedade, ou seja, de sua estrutura econômica e social, na medida em que essa dimensão subordina ou subsume as dimensões naturais (atinentes ao ambiente físico e à constituição genética e fisiológica dos indivíduos). Determinação social se refere às várias formas possíveis de conhecer – de modo mais concreto ou específico – essas relações entre saúde e sociedade, abrangendo a noção de causalidade, mas sem se restringir a ela.

Foi essa concepção que esteve presente nos trabalhos da Comissão Nacional de Reforma Sanitária (1986-1987) e que, em 1988, de forma alusiva, incorporou-se à primeira parte do artigo 196 da Constituição, que diz que o direito à saúde deve ser garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos.

É profundamente questionável que haja uma mobilização da sociedade restrita à luta contra as desigualdades em saúde. Mobilização social pela saúde ocorre, em geral, junto à mobilização diante de outros problemas sociais e políticos, e em articulação com movimentos que objetivam a conquista de um conjunto de importantes direitos sociais e políticos, os quais se encontram historicamente negados. Trata-se de uma questão de empoderamento por parte de diversos movimentos sociais que pactuam com uma agenda de transformação social e política. Foi isso o que aconteceu com o movimento de reforma sanitária nas conjunturas da redemocratização da sociedade e da reformulação constitucional.

Por outro lado, limitar a concepção da saúde a um bem de justiça distributiva induz à visão do Estado como o superjuiz das necessidades de saúde e como o supermédico das doenças prevalentes na sociedade. Por mais importante que seja assegurar a saúde como direito de todos e dever do Estado, a saúde não deve ser destituída da sua expressão inerente à solidariedade social espontânea.

No entendimento do Cebes, o escopo da discussão sobre determinação social da saúde tem que ser amplo, ou seja, não pode se limitar ao marco disciplinar da epidemiologia, devendo abranger uma ampla gama de questões sobre as relações entre saúde, sociedade, economia, democracia e políticas públicas.

A DIRETORIA NACIONAL

Sumário:

Artigos

A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúdecomo objeto de conhecimento)
Autor: Naomar Almeida-Filho

Debatedores

Contribuição para o debate do Cebes sobre a “Determinação Social da Saúde”: repensando processos sociais, determinações e determinantes da saúde
Autores: Ana Maria Testa Tambellini e Gabriel Eduardo Schütz

Uma introdução conceitual à determinação social da saúde
Autor: Paulo Fleury-Teixeira

Determinantes sociais da doença
Autores: Volnei Garrafa e Jorge Cordón

Determinantes, determinação e determinismo sociais
Autor: Roberto Passos Nogueira

Promoção da saúde e desenvolvimento sustentável: proposta de matriz de avaliação qualitativa de projetos locais
Autores: Andréia Faraoni Freitas Setti e Edmundo Gallo

Exploração sexual de jovens: uma situação socialmente produzida
Autores: Stela Nazareth Meneghel, Paula Camboim da Silva, Juliana Lopes Peixoto, Fernando Tarter e Tiago Fortuna

Determinantes sociais da saúde e tendências de nascimento prematuro no Brasil e no Canadá
Autoras: Renata Meira Veras e Martha Traverso-Yépez

Determinação social da saúde: um tema potente na mobilização pelo direito à saúde?
Autora: Ana Maria Costa

Projetos de extensão comunitária e o fortalecimento do movimento estudantil na área da saúde
Autoras: Alessandra Issis Cirne, Lenilde Duarte de S