Como a Saúde e o meio ambiente podem andar de mãos dadas?

Se por um lado as grandes obras como as do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a expansão da oferta de crédito, promovida pelo governo, – com o crescimento da economia brasileira em 40% entre 2004 e 2011 – colocam em pauta a expansão e o desenvolvimento de uma nação, por outro, traz a questão dos modelos de produção, que ameaçam o equilíbrio do planeta. Diante deste cenário, o campo da saúde aparece como pré-requisito para o desenvolvimento sustentável, segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

O macro problema apontado por especialistas é o esgotamento dos recursos que a Terra tem para oferecer. “Todos os diagnósticos apontam para um padrão de consumo que gasta um planeta e meio, ou seja, não conseguimos repor em termos de recursos naturais o consumo. Outra questão é a desigualdade social. Estudos demonstram que se a população mundial adotasse o padrão de consumo dos Estados Unidos, precisaríamos hoje de cinco Terras. Este modelo põe em risco a atual e as futuras gerações”, avalia o diretor do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes) e pesquisador da Fiocruz, José Noronha.

Estes processos impactam diretamente a saúde, por isso o tema vem ganhando visibilidade. Recentemente foi destaque no documento “O Futuro que Queremos” – texto final da conferência sobre desenvolvimento sustentável da ONU (Rio+20). Segundo o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, apesar de o texto ficar aquém das expectativas, a questão da saúde ganhou oito parágrafos no documento. “Pensar a sustentabilidade ambiental sem pensar a saúde é inaceitável, na medida em que a saúde é um dos maiores indicadores do processo de degradação ambiental”, afirma Gadelha.

O presidente destaca a importância do complexo econômico industrial da saúde no Brasil, que movimenta cerca de 8% do PIB por meio de várias áreas. Entre elas, a área da indústria farmacêutica, que pode gerar inúmeros processos de contaminação. Evidencia também a área de serviços que vai da construção sustentável ao tratamento do resíduo hospitalar, como o descarte correto de antibióticos, desinfetantes e produtos químicos usados com grande intensidade dentro dos hospitais. “Este complexo precisa ser pensado como uma das dimensões da dinâmica econômica de desenvolvimento, uma vez que pode caminhar no sentido amigável do ponto de vista ambiental e social ou ser mais um contribuinte para o processo de agravamento deste quadro.”

O papel da saúde também foi discutido durante a Conferência Mundial Sobre Determinantes Sociais, realizada no Rio de Janeiro, no final de 2011. “O sistema foi colocado como parte central dos determinantes sociais pelo seu impacto sobre a forma como se produz saúde ou doença e também pelo impacto na maneira como se produz sustentabilidade.” Ainda assim, segundo ele, a forma do sistema de saúde tratar a questão ambiental ainda está ‘engatinhando’. “Os profissionais de saúde e as políticas ainda estão aquém de eleger para o centro da sua reflexão e resposta a questão ambiental como prioritária.”

Lixo hospitalar

Apesar dos avanços, alguns problemas antigos ainda persistem no Brasil, como o esgoto e os resíduos sólidos que podem provocar uma série de enfermidades. “É uma situação paradoxal, pois estas questões se agravam com o progresso. Quando aumentamos a capacidade de ofertar mais serviços hospitalares, cresce a produção de lixo hospitalar processado e tratado. Assim, o próprio setor de saúde contribui para a degradação ambiental quando não consegue vencer o tratamento e destino adequado do lixo hospitalar”, ressalta Noronha. Outra questão atual é a importação de lixo. Em maio, a alfândega da Receita Federal no porto de Itajaí (SC) reteve um contêiner com 20 toneladas de lixo hospitalar espanhol. Em 2011, no porto de Suape (PE), dois contêineres vindos dos Estados Unidos também foram barrados.

Durante a Rio +20 foi citado, por exemplo, o caso do acidente radioativo com o Césio- 137, em Goiânia, em 1987. “É preciso analisar qual será o destino desses resíduos radioativos”, ressalta Noronha. Outro problema em voga , que impacta a saúde por meio da contaminação de rios, refere-se à produção das indústrias químicas, siderúrgicas, mineradoras. A utilização de forma imprópria de agrotóxicos na produção de alimentos também contribui para a presença de toxinas na água das cidades. Além disso, trabalhadores são intoxicados durante sua manipulação.

Educação

Segundo diretor de educação da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-Nacional), Luiz Edmundo Prestes Rosa, a saúde sempre foi tratada do ponto de vista curativo, ou seja, como uma maneira de acolher quem está doente. “A estrutura de acolhimento é muito antiga na história da humanidade, mas sempre foi uma ação reativa após a doença estar instalada”. Segundo ele, o ser humano ainda não olha para a saúde de uma forma preventiva, porque o conceito era o atendimento a alguém com uma necessidade. Embora esta ideia tenha evoluído muito, ainda é predominante no modelo vigente.

Assim, o diretor destaca que os ambientes hospitalares também poderiam ser locais para se trabalhar o conhecimento sobre a própria saúde. Muitos dos problemas atuais, como o número crescente de pessoas com obesidade mórbida (com 45 quilos ou mais acima do peso normal) poderiam ser abordados pela instituição hospitalar. “Todos são responsáveis pela própria saúde, mas não é possível assumir responsabilidade por algo que não se conhece”, ressalta ele.

Sustentabilidade hospitalar

Em fevereiro deste ano o consultor Rodrigo Henriques foi ao Reino Unido com representantes de empresas brasileiras para discutir os desafios do desenvolvimento sustentável na saúde. Durante uma semana, o grupo formado pelas instituições Lanakaná, Hospital Sírio-Libanês, Hospital Israelita Albert Einstein, Pró-Saúde, Fundação Dom Cabral e Projeto Hospitais Sustentáveis conheceram hospitais públicos ingleses e conversaram sobre custos do sistema de saúde, construções sustentáveis, ambientes hospitalares mais acolhedores e outras questões a respeito da saúde e meio ambiente.

Os ingleses queriam saber mais sobre hospitais públicos brasileiros que conseguiram, em 2011, uma verificação da Global Reporting Initiative (GRI). A entidade, com sede em Amsterdã, desenvolve diretrizes para a elaboração de relatórios de sustentabilidade. Henriques conta que o National Health Service (NHS) – sistema público de saúde do Reino Unido -, possui uma área de sustentabilidade. Para se ter uma ideia, quase todos os hospitais sabem sua emissão de carbono e, claro, trabalham para reduzir ou neutralizar essas emissões. No entanto, começaram a pensar nos relatórios de sustentabilidade agora. “Eles gostaram da nossa experiência e nos convidaram para viver um pouco a deles”, conta Henriques, que é sócio-diretor da consultoria Lanakaná e membro da GRI.

Durante a visita, os executivos puderam observar como o sistema de saúde inglês lida com as questões econômicas, ambientais e sociais do desenvolvimento sustentável. Como aqui, lá também precisam resolver problemas como os custos do sistema de saúde. “Por exemplo, com o aumento do número de idosos no país, cresce o número de atendimentos, mas há pouco investimento do poder público e de outros parceiros. “Por isso, há necessidade de se buscar a sustentabilidade em diversas áreas. Entre as tendências, estão as construções sustentáveis , que já são realidade por lá. “Hoje todos os hospitais novos no Reino Unido têm a certificação de construção sustentável.”

O grupo também viu de perto hospitais que adotaram práticas “verdes”, como a eficiência energética. Além disso, para melhorar a saúde, os hospitais estão criando ambientes mais acolhedores para a família e o paciente. Outra tendência forte é o chamado co-design, em que o hospital procura melhorar e entender os serviços a partir da perspectiva do paciente. “Tudo isto traz algo que é intangível: o ganho de imagem. Olhar não apenas para o cliente, mas também para o fornecedor, sindicatos e governo é outro exemplo que tem reforçado o desenvolvimento sustentável britânico.

”Após a viagem, há uma discussão junto à Fundação Dom Cabral que se disponibilizou a criar um centro de estudo sobre o impacto da sustentabilidade na saúde, primeiramente com as entidades que participaram da missão.

Fonte: Saúde Web

Conheça aqui o documento de posição do Cebes sobre saúde, desenvolvimento e meio ambiente, construído em um contexto de Rio+20.