Em decisão histórica, o STF decide pela inconstitucionalidade da extensão de patentes da saúde além de 20 anos

Por 9 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional nessa quarta-feira (12) parte do parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9279/1996) e a vigência das patentes no Brasil da área de Saúde não pode mais passar de 20 anos. O artigo foi denunciado por organizações da sociedade civil que atuam pelo direito à saúde e acesso a medicamentos – entre elas a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) – e alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5529) ajuizada em 2016 pela Procuradoria-Geral da República. Ganha o Sistema Único de Saúde (SUS), ganha a sociedade brasileira.

A partir de agora, nenhuma patente poderá ser concedida por mais de 20 anos em nosso país. Esse resultado significa uma grande vitória para o SUS, para o direito à saúde e para toda a população brasileira. Sem dúvidas, o julgamento de hoje foi um passo fundamental na construção de um sistema de inovação mais justo, equitativo e transparente”, disse Alan Rossi, advogado da ABIA para o portal da entidade.

Segundo o site De Olho nas Patentes, do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), que foi representado na ação pela ABIA, com a decisão, 3.435 patentes farmacêuticas que estão hoje em vigor perderam sua validade ou terão seus prazos de vigência drasticamente reduzidos, abrindo espaço para a entrada de genéricos e queda de preço. O portal informa que que “essas patentes envolvem pelo menos 15 medicamentos de câncer, dos quais 8 já poderão ser imediatamente adquiridos em versão genérica, conforme disponibilidade; 10 medicamentos de Diabetes, dos quais 4 já podem ser comprados em versão genérica este ano e outros 3 a partir do ano que vem; e 5 medicamentos de HIV/Aids, dos quais 2 já podem ter queda de preço imediata e 3 a partir do ano que vem“. “Além disso, se torna possível a oferta de versões genéricas, ainda este ano, de medicamentos para: rinite alérgica, síndrome do intestino irritável, bexiga hiperativa, doença pulmonar obstrutiva crônica, artrite reumatoide e artrite psoriática“.

O GTPI aponta que cerca de 118 milhões de pessoas serão afetadas por essa decisão no Brasil, que tem hoje cerca de 211 milhões de pessoas. O grupo destacou que “o impacto na saúde foi um elemento central na deliberação dos ministros, que consideraram a extensão do prazo uma medida abusiva, que gerava privilégios para grandes empresas farmacêuticas e prejuízos para o interesse público, para as políticas sociais e para a realização do direito constitucional à saúde“.

De acordo com o advogado da ABIA, a extensão automática e indeterminada do prazo de vigência das patentes no Brasil “viola o direito à saúde de milhões de brasileiros e brasileiras“. “Além de constituir uma política mal formulada e de não ter paralelo em nenhum lugar do mundo, o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial viola diversas normas constitucionais, prejudica a sustentabilidade das políticas públicas de saúde e limita a nossa capacidade de resposta à pandemia de Covid-19 e a futuras crises sanitárias”, explicou Rossi durante o julgamento.

Contraste da legislação brasileira com a internacional

Em artigo escrito para o portal Migalhas, Marcos Wachowicz, Professor de Direito no Curso de Graduação da UFPR e docente no Programa de Pós-Graduação-PPGD da UFPR, contextualiza a discussão sobre o artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial: “A legislação brasileira prevê a possibilidade de ampliação do prazo de vinte anos concedido a patentes, que vão além limites mínimos obrigatórios previstos nas convenções internacionais“.

Ele detalha:

(…) a LPI ao estabelecer a proteção aos direitos de propriedade intelectual, garante que as patentes tenham no mínimo 10 anos de vigência a partir da concessão pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, tem como efeito imediato: (i) retardar a entrada em domínio público, e; (ii) dificultar a entrada de concorrente no mercado para além do período da vigência da patente.

Ademais o período entre o depósito da patente até o momento de sua concessão, o depositante pode exercer seus direitos para proteger sua invenção ou para impedir o uso indevido. Com efeito, com a concessão da patente, a proteção por ela conferida retroage ao momento inicial do processo, funcionando como uma contenção aos concorrentes que cogitem explorar indevidamente o objeto protegido durante a tramitação do pedido. O artigo 44 da LPI possibilita inclusive o ressarcimento quando ficar caracterizado a infração e o dano nesse período.

No artigo, Wachowicz aponta a falta de corpo técnico qualificado suficiente para atender a demanda no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). Daí a demora na concessão de algumas patentes.

Julgamento

De acordo com informações do site Consultor Jurídico, o relator da ação, ministro Dias Toffoli, propôs soluções diferenciadas para as patentes de produtos farmacêuticos e equipamentos da área de saúde por conta dos efeitos da pandemia. “Nesses casos, a decisão da Corte vai retroagir, ou seja, vai atingir as patentes já prolongadas, que estão em vigor há mais de 20 anos – e devem cair agora. Nos demais setores, as patentes esticadas não serão atingidas, ou seja, continuam preservadas“.

Deixo de modular os efeitos da decisão tendo em vista a situação excepcional caracterizada pela emergência de saúde pública decorrente da covid-19, a qual elevou dramaticamente a demanda por medicamentos e por equipamentos de saúde de forma global, com a elevação dos ônus financeiros para a administração pública e para o cidadão na aquisição desses itens”, observou Toffoli. A propositura de modulação do Toffoli foi acolhida pela maioria dos ministros da Corte constitucional. Foram votos vencidos os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Edson Fachin.

Referência e apoio:

Alguns estudos foram usados para apoiar a ação da ABIA. Eles podem ser acessados a seguir:

A ABIA informa em seu site que a ação contou com a parceria da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e obteve manifestações de apoio de várias organizações como Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco); Conectas Direitos Humanos; Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar); Fórum das ONG/AIDS do Estado de São Paulo (Foaesp); Grupo de Incentivo à Vida (GIV) e as Universidades Aliadas para o Acesso a Medicamentos (UAEM).