CADERNOS CRIS 09-21 – Informe quinzenal sobre Saúde Global e Diplomacia da Saúde

Produção coletiva dos trabalhadores do CRIS-FIOCRUZ

Rio de Janeiro, 02 de junho de 2021

SUMÁRIO

Apresentação – Paulo Buss e Pedro Burger
Nações Unidas, Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Santiago Alcázar
Resposta da OMS e OPS à Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Luiz Augusto Galvão
Sobre o Conselho de Direitos Humanos da ONU e Movimentos Sociais que atuam no âmbito da Saúde Global – Armando De Negri Filho
G77, MNA e cooperação sul-sul na Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Regina Ungerer
OEA na Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Luana Bermudez
G20 na Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Paulo Esteves, Pedro Burger e Thaiany Medeiros Cury
OCDE na Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Pedro Burger, Júlia Abbud e Lucca Rizzo
Instituições Financeiras Multilaterais na Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Isis Pillar Cazumbá
BRICS, saúde global e diplomacia da saúde: Quo vadis, BRICS? – Paulo M. Buss e Claudia Hoirisch
América Latina e Caribe na Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Sebastián Tobar, Miryam Minayo e Carlos Linger
África na Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Augusto Paulo Silva e Felix Rosenberg
Europa na Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Ana Helena Gigliotti de Luna Freire
Ásia Sudeste, Pacífico Ocidental e Oriente Médio na Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Lúcia Marques
EUA na Saúde Global e Diplomacia da Saúde – Luiz Augusto Galvão
China na Saúde Global e Diplomacia da Saúde – André Lobato
A 47a. Cúpula do G7 (nota extra) – Paulo M. Buss

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Apresentação

Paulo Buss e Pedro Burger – Coordenação do CRIS/Fiocruz

A recém-encerrada quinzena trouxe novidades significativas no campo da diplomacia da saúde. De fato, a Assembleia Mundial da Saúde, a Cúpula de Saúde Global do G20 e Comissão Europeia, a atualização da proposta da Índia e África do Sul pela flexibilização das patentes na OMC, e a reunião inédita entre FMI, Banco Mundial, OMC e OMS solicitando à Cúpula do G7 (ver pg. 99) e a outros doadores pelo menos US$ 50 bilhões para vacinar o mundo de forma mais equitativa, conseguiram jogar alguma esperança na saúde global, por ações de uma diplomacia da saúde evidentemente forçada pelas circunstâncias.

Tendo como tema “Acabando com esta pandemia, prevenindo a próxima: construindo juntos um mundo mais saudável, seguro e justo”, a OMS realizou sua 74a Assembleia Mundial da Saúde (74a AMS) (24/05-01/06), cuja principal deliberação foi a Resolução sobre o fortalecimento da preparação e resposta da OMS a emergências sanitárias. Aprovada pelos Estados-membros, teve forte inspiração nos relatórios do Painel Independente sobre Preparação e Resposta à Pandemia (IPPPR), do Comitê de Revisão do Regulamento Sanitário Internacional (HRIRC) e do Comitê Independente de Supervisão e Aconselhamento do Programa de Emergências em Saúde da OMS (IOAC), unânimes em recomendar uma OMS mais forte no centro da arquitetura da saúde global.

Entretanto, foram também aprovadas mais de 30 resoluções, decisões e documentos que estabelecem a agenda de saúde global para 2021-2022. Fixou metas de vacinar pelo menos 10% da população de todos os países até o final de setembro, e pelo menos 30% até o final de 2021. E propôs a realização de um Fórum Mundial sobre Produção Local, que vai se realizar virtualmente de 21 a 25/06 de 2021. Já de 29/11 a 01/12 de 2021, a AMS fará uma sessão especial para discutir a proposta de um novo acordo marco de saúde global sobre a pandemia.

A Cúpula sobre Saúde Global do G20 e Comissão Europeia foi comentada em alguns dos capítulos desta coletânea. A Declaração de Roma aponta que para o mundo sair da crise sanitária todos os países precisam controlar a pandemia, insistindo assim na necessidade de equidade no acesso à vacinação e outros meios de controle. Apesar disso, fica o questionamento sobre a eficiência das ações concretas dos países signatários da declaração para o alcance da equidade e resposta global equilibrada contra a pandemia.

A Declaração assinala também a importância de uma manufatura ampliada e diversificada, insistindo no papel da propriedade intelectual na garantia da equidade, tanto por meio do licenciamento voluntário e da transferência de conhecimento, quanto no contexto das flexibilidades previstas no acordo TRIPS, assertiva possivelmente imposta pela União Europeia, que tanto aqui, como na OMC (ver abaixo), tem tido a menos flexível das posições. Na Organização Mundial do Comércio continuam os acirrados debates em torno da flexibilização das patentes de produtos relacionados com a Covid-19, inclusive do seu mais crítico insumo, a vacina. A nova formulação da proposta da Índia e África do Sul ampliou as adesões, mas continua o questionamento da União Europeia e a omissão do Brasil.

Todas as questões acima serão discutidas no Seminário Avançado do CRIS sobre Agenda da Saúde Global 2021, que vai se realizar dia 9 de junho próximo, em dupla jornada, pela manhã e à tarde, para poder cobrir adequadamente tantos temas de alta relevância, com especialistas nas matérias.

Na contramão de organizações outrora mais duras, como o FMI, a OCDE demonstra preocupações com a elevação dos gastos públicos e o endividamento resultante nos países sub-desenvolvidos, cuja capacidade de pagamento de empréstimos ficaria comprometida, principalmente porque os pacotes de suspensão de dívida não englobam países de média-renda. Essa dificuldade de manutenção do equilíbrio fiscal é global, porém os efeitos sobre a desigualdade e pobreza são maiores em países com maiores problemas estruturais.

Esta semana também movimentou o espaço político da cooperação sul-sul. Acelerar a realização dos ODS por meio da implementação eficaz do documento final do BAPA + 40 (Buenos Aires, abril de 2019), ao mesmo tempo em que responde à pandemia COVID 19 e a outras crises globais semelhantes, é o tema da 20a Reunião do Comitê de Alto Nível das Nações Unidas sobre a Cooperação Sul-Sul, que se realiza na semana de 1 a 4 de junho. As conclusões da reunião deverão nortear a implementação da cooperação Sul-Sul e triangular para o desenvolvimento sustentável no sistema das Nações Unidas e no seio dos acordos multilaterais no próximo biênio. No Conselho de Direitos Humanos da ONU (CDH) foram realizadas duas atividades de grande interesse no âmbito da saúde global e da diplomacia em saúde: 1) a Reunião do Grupo de Trabalho sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 17 a 21 de maio, que examinou a primeira versão comentada do texto para o tratado ou instrumento legalmente vinculante deste direito, num ambiente de apoio dos Não-Alinhados e a China e de resistência dos países da OCDE; e 2) em 28 de maio, o Seminário ‘’A Contribuição do Desenvolvimento a Todos os Direitos Humanos’’, sobre um enfoque dos direitos humanos baseado no desenvolvimento.

No âmbito da sociedade civil global se destacam os posicionamentos críticos sobre a lentidão de respostas efetivas às desigualdades e insuficiências na resposta à pandemia em seus aspectos sanitários e econômicos e suas graves consequências sociais em um mundo onde democracia política e justiça social e ambiental/climática estão seriamente ameaçadas.

Como grupo, BRICS não fez manifestações em nenhum dos eventos cruciais da quinzena. Nenhuma palavra conjunta específica na Assembleia Mundial da Saúde, na Cúpula de Saúde do G20 ou no Conselho de Direitos Humanos. Entretanto, os Ministros de Relações Exteriores de BRICS reuniram-se virtualmente em 1o. de junho, por ocasião das comemorações do 15o aniversário de criação do grupo, emitindo uma Declaração Conjunta sobre Fortalecimento e Reforma do Sistema Multilateral. A declaração dedica seus três parágrafos finais à saúde global, no qual é reiterada a visão de vacina como bem público global e reafirmada a implementação do Centro de Desenvolvimento de Vacina. Quo vadis, BRICS?

Na Organização dos Estados Americanos (OEA) cabe destacar a ratificação da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância por parte do Brasil, a publicação de um diagnóstico sub-regional do sistema de compras e contratações públicas e a manifestação de apoio do organismo à recente proposta de negociação apresentada pelo líder da oposição venezuelana.

Os números de infecção e mortalidade pela COVID-19 continuam desanimadores na América Latina, porque o número de casos e mortes está estabilizado em nível alarmante. Na América do Sul, destaca-se o Peru que, com a revisão de óbitos realizada, passou a ser o país com a maior taxa de mortalidade no mundo (5,48 mil por milhão de habitantes). O Brasil é o segundo país com maior número absoluto de óbitos no planeta, enquanto o Uruguai e Argentina também apresentam número muito elevado de óbitos segundo população. No Caribe, a CARPHA continua liderando a resposta regional de saúde. Na América Central, picos de casos continuam a ser relatados em países como Costa Rica, Panamá, Belize e Honduras. Com todo este triste quadro, não se registram até o momento movimentos multilaterais capazes de reorganizar o necessário enfrentamento compartilhado e solidário da pandemia na região.

Sem ações comuns quanto a pandemia, se realizam eventos sobre economia, como a VII Reunião Ibero-Americana de Ministras e Ministros da Fazenda e de Economia para tratar da recuperação econômica da região, do fortalecimento dos bancos de desenvolvimento nacionais e da melhora das condições de endividamento que enfrentam alguns países. O início distribuição na América Latina da vacina AstraZeneca, produzida por México e Argentina, também mereceu destaque. Já o IV Fórum Latino-Americano e do Caribe de Habitação e Habitat chamou a atenção para o fato de a América Latina ser uma das regiões mais urbanizadas do planeta, concentrada em seis megacidades.

Na África, os Ministros de Saúde da União Africana (UA) reuniram-se virtualmente num evento de emergência de alto nível, enquanto a UNECA e Universidade de Cabo Verde acolheram a 3a edição The Africa Climate Talks (ACT!). Embora fabricantes de vacinas declarem o desejo de ajudar a vacinação no continente, paradoxalmente a OMS AFRO emitiu um alerta candente: a África precisa urgentemente de 20 milhões de segundas doses de vacina.

A Comissão Europeia, por ocasião da Cúpula de Saúde do G20, sublinhou a importância de uma manufatura ampliada e diversificada, reconhecendo o papel da propriedade intelectual na garantia da equidade, tanto por meio do licenciamento voluntário e da transferência de conhecimento, quanto no contexto das flexibilidades previstas no acordo TRIPS. A UE aproveitou o evento para anunciar a doação de 100 milhões de doses, a disponibilização de 1,3 bilhão de doses, a preços acessíveis e o investimento na capacidade produtiva em saúde no continente africano. A EMA autoriza a vacina da Pfizer a adolescentes de 12 a 15 anos e o ECDC atualiza relatório técnico com alternativas à segunda dose da AstraZeneca.

Encontrar formas para controlar rapidamente a pandemia pela Covid-19 e prevenir a próxima, com respostas mais rápidas e eficazes, aumento da capacidade de fabricação e acesso equitativo a vacinas, rearranjo das cadeias de suprimentos e compartilhamento da infraestrutura para promover o desenvolvimento regional, foram temas que estiveram no centro das discussões das muitas reuniões bilaterais e multilaterais que ocorreram neste final de maio, com participação dos países da Ásia Pacífico e Oriente Médio. A Ásia discutiu caminhos para o seu futuro e a ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático) esteve no centro de todas as discussões, inclusive como convidada à Cúpula sobre Saúde Global do G20.

A disputa entre Israel e Palestina e suas consequências para a saúde nos territórios palestinos levou a um debate de dia inteiro na 74a AMS, com seus 194 membros divididos em apoios a ambos os lados.

Esta quinzena estabeleceu bases para o futuro? Ou tivemos discussões exaustivas que apenas reforçarão o business as usual da cena global? Estaremos atentos aos desdobramentos.

Por enquanto, boa leitura deste informe! Seus comentários são sempre benvindos!