Novo vírus espalha medo em cidade baiana
Por Cláudia Collucci
Dobrado, contorcido de dor. O significado de chikungunya na língua maconde, um dos idiomas oficiais da Tanzânia -onde a “prima da dengue” nasceu- está na boca do povo de Feira de Santana, 108 km de Salvador (BA).
A cidade, de 600 mil habitantes, vive uma epidemia da doença que está se alastrando pelo país e promete ser a nova preocupação do verão.
“Deixa a gente travado, dói todas as juntas do corpo, mãos, braços, pernas. Até pra pegar um copo é difícil”, diz Luiz André Pereira da Silva, 33, morador no bairro George Américo, que concentra quase 40% dos 371 casos confirmados e 1.161 suspeitos.
Na rua onde ele mora, T1, ao menos oito vizinhos tiveram “chiku”, como a doença foi apelidada. Nas ruas próximas, todas com letras em vez de nomes, a cena se repete. A febre chikungunya já visitou o alfabeto inteiro.
O vírus é transmitido pelo mesmo mosquito da dengue (Aedes aegypti). Dor, muita dor nas articulações é a principal queixa dos moradores, embora na fase aguda a doença também provoque febre alta, mal-estar e manchas vermelhas pelo corpo -assim como na “prima” dengue.
Dados da literatura médica mostram que 95% das pessoas infectadas pelo chikungunya terão os sintomas. Na dengue, eles se manifestam só em 40% a 50% dos casos.
“Não mata, mas deixa a gente quebrado. É uma dor que você não aguenta”, relata o pedreiro Joselito Pereira dos Santos, 49, que convive com o sintoma há dois meses.
Nos momentos de maior crise, ele vai até o posto de saúde em busca de injeções de dipirona para aliviar a dor. Na família dele, mulher, filho, nora e cunhadas já tiveram “chiku”. Todos se queixam que a dor, em maior ou menor intensidade, ainda continua mesmo após semanas do diagnóstico.
A letalidade da doença é baixa (1 morte para 1.000 casos). Em até um terço dos casos, as dores articulares continuam por um mês ou mais.
Em 10%, podem durar anos e até resultar em artrite crônica. “São realmente dores muito fortes e inchaço, especialmente nas articulações das mãos, pés, cotovelo e joelho”, explica o infectologista Artur Timerman, do Hospital Edmundo Vasconcelos, em São Paulo.
‘CHIKUMACONHA’
Entre a molecada da Pedra Ferrada, bairro pobre, com ruas sem asfaltamento e que concentra altas taxas de criminalidade, a doença já ganhou outro apelido: “chikumaconha”. Ninguém quis explicar a razão do nome.
“O Moisés tá com chikumaconha, Moisés tá com chikumaconha”, dizia Samuel, 8.
O primo Moisés, 16, abatido e ainda se recuperando da doença, foi se queixar com a tia Marinalva Gonçalves, que também já teve “chiku”. “Não gosto dessas brincadeiras, tia. Vou bater nele.” Samuel parou imediatamente.
A febre chikungunya não escolhe idade. Embora 56% dos casos de Feira de Santana estejam concentrados entre 20 e 49 anos, nove crianças abaixo de um ano e 21 idosos acima de 80 estão entre os casos investigados.
Nos mais velhos, os sintomas de dor tendem a ser piores. “Já tomei três injeções pra dor e a danada não passa. Não desejo isso nem para os inimigos que eu não tenho”, comentava o aposentado Antônio Almeida Borges, 64, numa unidade de saúde da família do bairro.
A poucos metros dali, a aposentada Tereza de Souza, 61, saía mancando do ambulatório após também receber uma injeção para as fortes dores e inchaço nas articulações. “Dói, menina, dói. Já tive dengue, mas chiku é muito pior.”
Diabética e hipertensa, Tereza faz parte do grupo considerado de risco para o agravamento dos quadros de chikungunya e que precisa de acompanhamento médico.
“Quanto mais idade e comorbidades [outras doenças associadas], mais chance de ter artrite e precisar de tomar corticoides e imunossupressores. Já houve relato até de idoso que precisou de prótese de quadril”, diz o infectologista Esper Kallás, professor da USP.
Fonte: Folha de São Paulo