Médico não pode prescrever próteses e órteses pela marca, afirma CFM
Objetivo é evitar assédio da indústria do setor, mas profissionais temem perda de autonomia e de itens de qualidade. Órgão referendou resolução recente da Agência Nacional de Saúde Suplementar que vinha gerando confusão entre médicos e convênios
O Conselho Federal de Medicina (CFM) orientou ontem (26) os médicos a não prescrever próteses, órteses e outros materiais implantáveis pelo nome comercial, acompanhando resolução da agência regulatória dos planos de saúde (ANS) válida desde junho.
A mudança, que visa principalmente a evitar conflitos de interesse entre médicos e fabricantes dos produtos, é polêmica. Parte dos médicos argumenta que a medida coloca em xeque a autonomia do médico, o que o CFM nega.
Nos casos em que, após especificar a prótese necessária, o médico receber um produto que considerar inadequado, poderá sugerir três marcas ao plano de saúde ou ao gestor da saúde pública. Em caso de nova divergência, o especialista terá direito a um árbitro, um médico especialista da área pago pelo plano, mesmo em caso de emergências.
A medida, segundo o CFM, dirime dúvidas que vêm surgindo desde a decisão da agência, uma vez que só o conselho pode regular a atividade médica. “A norma fica mais bem posta se feita pelo conselho”, afirmou Antônio Gonçalves Pinheiro, relator da resolução, publicada ontem no Diário Oficial da União.
Parte dos profissionais, porém, afirma que, apesar de a orientação buscar evitar a manipulação da indústria de equipamentos, ela é um prato cheio para que os planos de saúde e os gestores de saúde pública vetem os produtos mais caros, muitas vezes considerados também os de melhor qualidade.
A orientação atinge diretamente áreas como cardiologia, ortopedia, cirurgia plástica e otorrinolaringologia, entre outras, e procedimentos como a colocação de válvulas cardíacas, próteses em membros e próteses mamárias e auditivas.
“O médico não pode indicar uma prótese pelo simples fato de o fabricante lhe dar um retorno financeiro. Nesse ponto, a resolução faz um grande serviço. O perigo é o profissional que conhece a performance dessas próteses não poder escolher. Quem escolherá será o diretor administrativo, pelo produto mais baratinho?”, questionou Gilberto Barbosa, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular (SBCC), que ainda vai avaliar a medida em detalhes.
“O fato de o árbitro ser um especialista da área é interessante. Mas não há relação dos árbitros com a indústria?”, continuou. “Aplaudo a medida, embora tenha preocupação com os resultados. Como tudo o que se inicia, há um momento de inércia e depois aparecem os detalhes para se corrigir”, continuou.
Ainda de acordo com o presidente da SBCC, o ideal é que se estabeleçam no Brasil diretrizes clínicas sobre o uso de órteses e de próteses, que são revisões sistemáticas de estudos sobre os procedimentos realizadas para orientar os médicos.
“Deve ser respeitado que o médico tenha preferência por uma marca”, opinou o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Sebastião Guerra.
“A liberdade de escolha não foi retirada. Tanto que, quando houver negativa, o auditor do plano de saúde terá de justificar clinicamente”, opinou Sérgio Okane, responsável pelo controle de materiais ortopédicos da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Para o especialista, o principal benefício da mudança é que o CFM definiu claramente a atuação do árbitro.
Os conselhos de medicina debatiam o assunto desde 2004, quando uma manifestação dos conselheiros do Paraná, favorável ao veto à prescrição por marca, trouxe divergência e levou o caso ao conselho federal.
No entanto, antes que o órgão definisse uma orientação para os médicos, a ANS incluiu, em janeiro deste ano, o tema na resolução do rol mínimo dos atendimentos que os planos de saúde devem cobrir.
Mesmo antes das resoluções, a liberação de próteses era um tema polêmico no setor de convênios, em razão da dificuldade de acesso aos itens, geradores de demandas judiciais. “As resoluções da ANS e do CFM não se sobrepõem à lei nem ao Código de Defesa do Consumidor. O paciente pode ir à Justiça se o médico entender que ele precisa de um produto determinado”, diz o advogado Julius Conforti. Para o advogado Rafael Robba, a mudança fere o código. “O plano tem de cumprir sua função social, que é restabelecer a saúde. Não pode haver restrição.”
O QUE DIZ A RESOLUÇÃO
Especificações
Cabe ao médico determinar as características (tipo, matéria-prima) das órteses, próteses e materiais implantáveis.
Marca
É vedado ao médico exigir fornecedor ou marca comercial.
Aval
As autorizações ou negativas devem ser acompanhadas de parecer identificado.
Recusa
Quando julgar os materiais inadequados ou deficientes, o médico pode recusá-los e oferecer à operadora ou instituição pública ao menos três marcas de produtos de fabricantes diferentes.
Justificativa
A recusa deve ser justificada. Caso persista a divergência, os envolvidos deverão, de comum acordo, escolher um médico especialista para a decisão.
Prazo da arbitragem
A decisão do árbitro não deverá ultrapassar prazo de cinco dias úteis, contados a partir do conhecimento do responsável.
Fonte: O Estado de São Paulo