A importância da vacina contra HPV para o Brasil
Por Julio Teixeira*
O vírus HPV é o causador do câncer do colo do útero. Entre os mais de 200 tipos de HPV, existem cerca de 15 tipos com mais poder de desenvolver um câncer. Entre eles, os HPV-16 e HPV-18, responsáveis por cerca de 70% do total de casos de câncer.
O câncer do colo do útero atinge mulheres relativamente jovens no mundo todo – a grande maioria em regiões onde o acesso às medidas preventivas adequadas não são regulares. Entre a ocorrência de uma infecção por HPV, que ocorre por meio do contato sexual e é muito comum no início da vida sexual, e o surgimento de um câncer pode demorar 15 anos. Nesses casos, é necessária infecção persistente pelo HPV por anos, não controlada pelo organismo, causando lesões pré-câncer, assintomáticas (que poderiam ser detectadas em exames preventivos de citologia ou papanicolau) e algumas evoluindo lentamente para câncer.
O reflexo desse cenário está nos atuais 500 mil novos casos de câncer do colo do útero a cada ano no mundo – metade desses casos fatais. Pior: estudos indicam que, mantidas as ações atuais, a perspectiva é de que em 2050 sejam 1 milhão de novos casos por ano. Fica claro, então, que esse câncer pode ser prevenido e não deveria existir.
No Brasil, são 18 mil novos casos por ano – 9 mil com óbito. Esses números significam 21 mortes de mulheres por dia, repercutindo não somente por ceifar uma vida pela metade, mas também pelo impacto social na vida da família ao redor. Custo incalculável.
Apenas como paralelo para esclarecer o significado desses números, no primeiro dia do último feriadão de maio ocorreram 20 mortes no trânsito no Brasil. Ou seja, os números de mortes por câncer do colo do útero representam “um feriadão por dia” para as mulheres brasileiras.
A partir do conhecimento de um causador dessa doença, o vírus HPV, foi desenvolvida a primeira “vacina contra câncer”, exatamente contra o HPV-16 e o HPV-18. Ela começou a ser desenvolvida há 18 anos e testada clinicamente a partir do ano 2000 em todos os continentes. O Brasil detém parcela representativa desses estudos, gerando resultados que têm suportado as aprovações para a utilização da vacina mundo afora, com o acompanhamento mais antigo de mulheres (8 anos, com resultados já publicados de 6,4 anos), mostrando a qualidade da pesquisa clínica realizada por aqui.
Os resultados observados mostram eficácia de 100% na prevenção de lesões pré-câncer de alto grau, acrescentando ainda prevenção parcial das infecções causadas pelo HPV-45 ou 31 (proteção cruzada adicional). Isso representa a perspectiva de ampliar a prevenção para até 80% do total desse câncer. A presença de anticorpos gerados pela vacina foi observada em 100% das usuárias, com elevadas e mantidas concentrações de anticorpos no sangue até o momento. Isso se traduz na ótima performance da vacina nos estudos com cerca de 30 mil mulheres que a utilizaram.
Sabe-se que a mulher está exposta à infecção por HPV durante toda a vida sexual, e manter os altos níveis de anticorpos após a administração das doses da vacina é crucial. Pesquisas estimam que não haja nenhuma queda importante desses anticorpos em até 10 anos, com grandes perspectivas de ser mantida a proteção vacinal por 20 anos. Por isso, espera-se que, ao vacinarmos meninas antes do início sexual (idade recomendada pela OMS de 11-12 anos e adotada pela maioria dos países onde a vacina está disponível), haverá nível de proteção adequado quando iniciar a vida sexual.
Em princípio, o tempo de duração da vacina não deve pesar contra sua utilização. Dessa forma, e com base em estudos de impacto econômico populacional para a implementação da vacina contra o HPV na saúde pública, está claro que precisamos avançar muito para conseguir preços acessíveis para a vacina, além de adequarmos os programas de prevenção. É importante lembrar que, mesmo com sua abrangência, a vacina atual não previne as mulheres contra 100% dos HPVs causadores de câncer. Os programas de prevenção são hoje – e sempre serão – de enorme importância.
Existe muito a ser feito e todos temos alguma responsabilidade. É crucial informar a população de forma adequada para que possa participar na defesa de seus direitos. Precisamos também dos esforços dos gestores das políticas de saúde. Médicos e pesquisadores de todo o Brasil e as próprias mulheres devem cobrar posições para garantir que a vacina esteja disponível para as mulheres de maior risco o mais breve possível.
(*) Julio Teixeira é médico ginecologista do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism/Unicamp). Artigo publicado no jornal Correio Braziliense, na edição de 22/09/08.