Métodos agrícolas precisam de revisão

Valor Econômico – 15/06/2012

O Brasil não escapou do risco da fome – há 60 milhões de brasileiros que ainda sofrem com a insegurança alimentar. Ao mesmo tempo, o país já convive com um mal típico de país rico – 50% da população tem excesso de peso e 18,9% são obesos. Nas duas pontas, ambas de alto risco para a saúde, estão os hábitos inadequados de alimentação, causadores de doenças, debilidades e redutores da capacidade de trabalho. A segurança alimentar, como a questão é chamada, é um dos temas cruciais a serem debatidos na conferência Rio+20. A agricultura é a base de amplas cadeias produtivas voltadas à produção de alimentos, energia, fibras e produtos de base florestal. A degradação dos ecossistemas – pela simples retirada de água ou por cultivos inadequados – é em grande parte responsável pela fome e pela alimentação desregrada, principalmente nos países em desenvolvimento.

“O Brasil é uma potência que ainda convive com uma das maiores desigualdades do mundo, onde 36 milhões de pessoas vivem na pobreza”, diz Gleyse Peiter, representante da Rede de Mobilização Social no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Gleyse falou terça-feira, segundo dia da Conferência Internacional 2012, promovida pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.

O painel de que participou tratou do tema “Agricultura e Segurança Alimentar”. Gleyse, que também é coordenadora da área de sustentabilidade e meio ambiente da Eletrobrás, diz que apesar de o Brasil ser a 6ª economia mundial, um terço da população padece de algum tipo de insegurança alimentar. “O Nordeste concentra o maior índice de pessoas que sofrem de insegurança alimentar grave, mas o país também convive com populações sofrendo em grau leve e moderado”, informa.

As dificuldades encontradas em algumas regiões nordestinas podem ser vistas em muitos pontos do planeta. Os Indicadores do Desenvolvimento Mundial do Banco Mundial apontam que 70% da população pobre do mundo vive em áreas rurais e tem na agricultura sua principal fonte de renda e trabalho. O estudo ressalta que a degradação da terra e dos recursos naturais colocam sérios desafios em relação às condições de vida de populações rurais pobres e à produção de alimentos para a população urbana. Ainda de acordo com a Avaliação Ecossistêmica do Milênio, cerca de 60% dos serviços dos ecossistemas têm sido degradados ou utilizados de forma não sustentável. “É preciso avaliar o impacto de cada produção agrícola e mitigar seus danos. Esse é o grande desafio na agricultura”, afirma André Nassar, diretor geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), que também participou do painel.

Segundo Nassar, o Brasil tem chances de se tornar não apenas o maior fornecedor de alimentos mundial, mas também o maior fornecedor de biocombustíveis, principalmente oriundos da cana-de-açúcar. Esse cenário – diz Nassar – torna de extrema importância as metodologias para avaliar as mudanças no uso da terra, que têm se mostrado incompletas e incapazes de mensurar a dinâmica do uso no caso brasileiro.

“Defendemos uma agricultura de base agroecológica com tecnologia, redução de subsídios e de desperdícios, transição rápida e equitativa, que respeite os limites. Cerca de 70% da produção interna vem da agricultura familiar, sendo que a agricultura de grande escala está direcionada à exportação”, afirma Gleyse.

Após o debate foram elencadas três das 10 propostas de políticas públicas que serão discutidas na Rio + 20. A primeira tem como mote promover o zoneamento ecológico-econômico, com a regularização fundiária e ambiental de propriedades agrícolas, garantindo os direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais. A outra demanda foca a ampliação, produtividade e inovações na produção nos modelos de negócio, nas cadeias de valor, no financiamento e nas formas de organização dos mercados que proporcionem produção e manejo sustentável, tanto para agricultura familiar quanto industrial, com equidade e inclusão social. A última demanda defende a ampliação de investimentos em infraestrutura, ciência e tecnologia voltadas à produção agrícola. O bojo da proposta contempla ainda o aproveitamento sustentável da biodiversidade e modernização dos mecanismos de investimentos e financiamentos da produção agrícola.