Radioterapia enfrenta deficit no Brasil

Correio Braziliense – 11/05/2012

Tratamento indicado para 60% dos casos de câncer no país é insuficiente devido à falta de aparelhos modernos e mão de obra capacitada. Apesar de governo anunciar recursos, especialistas estão desconfiados

Belo Horizonte —  Uma das ferramentas mais potentes contra o câncer é a radioterapia. A técnica é necessária para tratar 60% dos casos de tumores malignos diagnosticados, inclusive aqueles mais prevalentes no país, como os de próstata e de mama. Esse procedimento permitiu, por exemplo, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva evitasse uma cirurgia, o que poderia comprometer sua capacidade de falar. “A percepção de que a radioterapia é apenas um tratamento paliativo não corresponde à realidade. Casos de câncer de laringe, de colo uterino e de pulmão, por exemplo, em estágio inicial, podem ser totalmente curados utilizando apenas a radioterapia,” afirma Robson Ferrigno, radio-oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein e presidente da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT).

No entanto, 85 mil pacientes não vão conseguir se submeter à radioterapia neste ano no Brasil. E aqueles que o fizerem terão de esperar em média mais de 110 dias para iniciar as sessões. No Reino Unido, por exemplo, 99% das pessoas com câncer iniciam o tratamento em até 28 dias após o diagnóstico da doença. Mesmo a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendando uma máquina de megavoltagem — o acelerador linear — para cada 600 mil habitantes, no Brasil, com uma população estimada em 200 milhões de pessoas, há 230 máquinas — o indicado seriam 335. Há 30 em Minas Gerais, mas seriam necessárias 42. Amapá e Roraima, no Norte do país, não têm nenhuma máquina para atender a população. Outro problema é a concentração desses aparelhos nas capitais.

Diante do quadro, mesmo quem tem acesso a planos de saúde e a exames mais complexos precisa esperar muito para iniciar o tratamento. E a situação pode se agravar. Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, Anderson Silvestrini, “houve um aumento de 69% nas projeções de novos casos de câncer no Brasil nos últimos 10 anos”. Até 2020, os tumores malignos serão a principal causa de morte no país. Além de alguns maus hábitos, como o tabagismo e o sedentarismo, e os altos índices de obesidade, a população brasileira está envelhecendo. “Nossa pirâmide etária está mudando. Vamos deixar de ser um país de jovens e a importância disso é que o câncer afeta principalmente maiores de 60 anos”, completa o oncologista Rafael Kaliks, diretor-científico do Instituto Oncoguia.

Atualmente, as técnicas mais modernas de tratamento são a radioterapia guiada por imagem (IGRT) e a radioterapia de intensidade modulada (IMRT). São distintas, mas complementares. O IGRT utiliza técnicas de imagem digital e tridimensionais para identificar a localização exata de um tumor. A precisão proporcionada pela IGRT é muito importante porque os tumores não são estacionários. Eles podem se deslocar um pouco entre e durante os tratamentos devido a processos fisiológicos normais,  como a respiração. Essa tecnologia permite que o feixe de radiação acompanhe os movimentos da respiração sem perder o foco no tumor.

Por melhorar a precisão do tratamento na radioterapia, a IGRT permite que os médicos usem melhor a IMRT, aumentando a dose de radiação nas células cancerígenas e, ao mesmo tempo, mantendo a dose nos tecidos próximos a mais baixa possível. No caso de tumores da cabeça e do pescoço, a radioterapia de intensidade modulada minimiza a exposição da medula espinhal, do nervo óptico, das glândulas salivares e de outras estruturas importantes. E no tratamento do câncer de próstata, a bexiga e o reto ficam protegidos.

A radioterapia também pode ser usada depois da intervenção cirúrgica de retirada do tumor para evitar sua reincidência. Em parte dos casos, ela é administrada em combinação com a quimioterapia. As células tumorais, mais sensíveis à radiação do que as células sadias, podem ser destruídas com a radioterapia ou ser impedidas de se reproduzir, interrompendo a progressão do câncer. O tratamento é realizado pelos aceleradores lineares, equipamentos que produzem radiações terapêuticas invisíveis e indolores para atingir uma camada específica do corpo.

Vale o investimento

O custo de aquisição dos aceleradores é alto: média de US$ 2 milhões por um modelo básico. E não há similares nacionais. Além disso, o valor do metro quadrado da construção das salas de tratamento é muito maior devido à necessidade de blindagem. Ainda assim, Robson Ferrigno garante que o investimento compensa. “Pacientes com câncer de próstata tratados com uma radioterapia antiga e inadequada têm chances maiores de recaída e de complicações.” Segundo ele, esses pacientes voltam com mais frequência ao sistema público de saúde para tratar a remissão da doença com hormonioterapia e ou para tratar complicações da radioterapia. “Na região abdominal, por exemplo, a radioterapia convencional, única técnica autorizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), é incapaz de prever a dose de radiação liberada nos rins, podendo levar o paciente à insuficiência renal crônica e esse necessitar de diálise para o resto da vida. Isso torna o custo final de tratamento muito maior e com prejuízos inestimáveis à qualidade de vida do doente”, pondera Ferrigno.

Quando usado o acelerador linear, o número de aplicações varia de uma a 40, dependendo da situação clínica do paciente, com tempo de 10 minutos a 20 minutos por sessão. São usadas pequenas doses de radiação diariamente em vez de doses maiores, ajudando a proteger os tecidos sadios do corpo na área de tratamento. Pausas para descanso nos fins de semana permitem que as células normais se regenerem. A dosagem total de radiação e o número de tratamentos que um paciente necessita dependerão do tamanho e da localização do câncer, do seu tipo, da saúde geral do paciente, entre outros fatores.

Para preservar as células sadias, há ainda outra estratégia. “A radioterapia atua localmente, mas a radiação pode passar por órgãos saudáveis. Como queremos bombardear apenas o inimigo, usamos várias portas de entrada para a radiação, direções diferentes que vão sempre para o tumor e se concentram lá”, explica Carlos Manoel Mendonça de Assis, diretor de Radioterapia do Instituto Nacional de Câncer (Inca).

Sobrevida maior
Na década de 1960, apenas 39% das pessoas com câncer sobreviviam cinco ou mais anos depois do diagnóstico da doença. Esse percentual vem crescendo ao longo dos anos. Atualmente, chega a 64%. E mais de 60% dos pacientes alcançam a cura definitiva. Mas esse êxito depende, em grande parte, de uma descoberta a tempo do problema, e de um tratamento adequado.