Agulha no palheiro
A reportagem “Agulha no Palheiro” foi publicada pela revista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), na edição de junho, trouxe como fonte o conselheiro do CEBES e economista do IPEA, Carlos Ocké Reis, que abordou a regulação e os subsídios ao setor privado de saúde. Todas as fontes ouvidas pela reportagem foram unânimes em apontar a solução para as distorções no mercado de planos de saúde: a ANS precisa aplicar regras para os planos coletivos da mesma forma que o faz com os individuais e familiares.
Outra medida que Ocké Reis aponta para melhorar os problemas do setor é a compensação dos subsídios à saúde privada. “O governo abate parte dos gastos com saúde na base de cálculo do imposto tributável. No setor de medicamentos, por exemplo, a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] impõe um controle de preço no ponto de venda por causa desse subsídio. No de planos de saúde, não há isso. Dada essa destinação de subsídios, deveria haver mais controle de preço dos planos [pela ANS]”, afirma.
O economista do Ipea sugere também a retirada gradual dos subsídios aos planos e transferência desses recursos para o SUS, na forma de investimento na atenção primária (prevenção e promoção da saúde) e na média complexidade (consultas especializadas, exames e cirurgias ambulatoriais).
Confira abaixo a entrevista concedida por Carlos Ocké Reis ao IDEC:
1. A pesquisa mostrou que as 10 maiores operadoras detêm 81% do mercado nacional de planos individuais, em média. Como você avalia o grau de concentração nesse segmento em nível nacional?
Independente da natureza do produto, na atual conjuntura histórica, o grau de concentração e de centralização do mercado de serviços de saúde tende a se ampliar com a aprovação da internacionalização, em especial nos mercados relevantes (ocupação, renda e escolaridade).
2. Em São Paulo, foi registrada a menor concentração (67,52%), e no Rio Grande do Norte a maior (92,48%). Como vê esses números em particular?
Considerando os resultados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS/IBGE), onde se observa maior cobertura de planos de saúde na região sudeste, era de se esperar que fosse verificado em São Paulo um padrão de competição oligopolista e diferenciado, bem como a presença de monopólios na região nordeste.
3. A pesquisa também mostrou que em 5 estados (AP, BA, MG, ES e MA), nenhuma das 10 maiores operadoras oferece planos individuais dentro das especificações pesquisadas. Como avalia esses resultados?
No contexto da estagnação da economia brasileira e da renda média das famílias, uma vez que o mercado de planos individuais é regulado (preço, produto e cobertura), os planos individuais se tornaram o patinho feio das operadoras. Veja o caso da carteira dos planos antigos.
4. Paralelamente, em 13 capitais (ou seja, em 48% delas), a Unimed é a única operadora a oferecer esse tipo de plano. Como vê essa questão? Isso caracteriza uma espécie de monopólio? O que as agências reguladoras ou outros órgãos governamentais deveriam fazer nesse caso?
Não deixa de ser paradoxalmente um nicho de mercado. Dentro da cooperativa, o médico é liberal, mas também empresário, fato que pode ter gerado vantagens competitivas. Mas não há dúvida: práticas lesivas ao consumidor devem ser coibidas pelas autoridades governamentais.
5. Na sua opinião, o que leva a esse cenário de baixa disponibilidade e oferta dos planos de saúde individuais? O que poderia ser feito pela ANS ou outros órgãos para reverter a situação?
Em primeiro lugar, reduzindo os subsídios destinados ao setor privado, o Ministério da Saúde deve fortalecer suas ações na atenção primária (prevenção e promoção) e na média complexidade (consultas especializadas, exames e cirurgias ambulatoriais). Em segundo lugar, a ANS deve regular substantivamente os planos coletivos – que representam a maior parte do mercado. Isso terá implicações positivas sobre a regulação (menor reajuste de preço) e sobre a dinâmica (passarão a ser vistos enquanto fronteira de acumulação) dos planos individuais.
6. Outra dificuldade para o consumidor que a pesquisa mostrou são os preços: apesar de variarem muito (desde 200 até mais de 2.000 reais), o valor dos planos nacionais representam em média 40% da renda do consumidor médio segundo dados do IBGE; planos estaduais 26,7%; e ambas as categorias 34,5%. Como você vê esse valores, no sentido de comprometimento de orçamento familiar e/ou renda pessoal? Enquanto economista, o que sugere para o consumidor?
Os consumidores precisam se organizar politicamente e vocês fazem um excelente trabalho de conscientização nesse sentido. Além do mais, de um lado, dado os subsídios do Estado destinados às familias e aos empregadores para o consumo de planos de saúde, a exemplo do que a Anvisa pratica com a regulação de preços dos medicamentos, a ANS poderia ter reduzido ao longo desse anos os reajustes aplicados aos planos individuais. De outro, embora compreenda que esse é um setor de economia popular, ou seja, as famílias poupam com o objetivo de se proteger financeiramente do risco de adoecer no longo prazo, uma alternativa crível é se organizar enquanto cidadão para fortalecer o Sistema Único de Saúde, garantindo o direito ao acesso a uma saúde pública de qualidade.