Carta aberta à 15ª Conferência Nacional de Saúde
Aos defensores do Sistema Único de Saúde, alertamos que a constatação de que vivemos um momento de crise internacional do capitalismo, crise econômica e política em países vizinhos e no Brasil, é verdadeira, porém incompatível com a inação e a passividade no plano político. Isso porque correm grave perigo os direitos e as aspirações fundamentais do povo brasileiro: aspirações ao emprego, à moradia, ao bem-estar social, às liberdades democráticas, à soberania nacional, à integração com os países vizinhos.
Faz-se urgente defender uma política econômica voltada para o desenvolvimento com distribuição de renda. Se, durante vários anos, vivemos uma conjuntura marcada pelo crescimento econômico, geração de empregos, elevação dos salários e progresso nas políticas sociais, nos últimos meses, entretanto, entramos num ambiente de recessão, desemprego, contenção salarial e cortes nas políticas sociais.
Aproveitam-se deste ambiente a oposição de direita, o oligopólio da comunicação, controlado pelas classes dominantes, e o grande capital para atacar com agressividade a democracia, as classes trabalhadoras, as esquerdas e o governo Dilma.
Simultaneamente, o conservadorismo encrustado na dita base de apoio ao governo federal passa a dirigir importantes ministérios, com destaque para o da Saúde, por meio de representantes de setores conservadores antipopulares, os mesmos que vem trabalhando, no Congresso Nacional e fora dele, com o maior empenho para liquidar – na prática e na norma constitucional – o direito social à saúde inscrito na CF de 1988.
Diante deste cenário adverso, para defender o governo Dilma da sanha golpista, para proteger as liberdades democráticas, para preservar a esquerda e os movimentos sociais, é condição incontornável reatar os compromissos com os setores democrático-populares que foram fundamentais para eleger Dilma presidenta no segundo turno das eleições de 2014. E para reatar esses compromissos é necessário mudar a política econômica: realizar investimentos – inclusive na Saúde –, deter e reverter a recessão, gerar empregos e recompor salários.
Ou seja: defender a democracia é mudar a política econômica e, assim, ganhar o apoio da maioria do povo brasileiro em defesa das liberdades democráticas.
Alinhado com esta premissa, concomitantemente, devemos cerrar fileiras em torno da defesa, da manutenção e da ampliação do SUS, conforme foi inscrito na CF de 1988, a saber:
1. um SUS de fato nacional – urge que a União e os Estados da Federação (re) assumam protagonismo maior e de novo tipo no Sistema dando um basta no sacrifício que se impôs historicamente às municipalidades;
2. um SUS de fato único – urge superar a fragmentação do Sistema em redes de entes federados que podem fazer – e fazem – o que querem, porém guardam entre si insuficiente interação sistêmica, fragmentação essa agudizada pela avassaladora privatização de redes públicas de saúde por meio de Organizações Sociais;
3. um SUS de fato público – urge estancar e reverter toda sorte de privatização direta ou indireta do Sistema, a começar por aquela realizada por meio de Organizações Sociais;
4. um SUS de fato com carreira de âmbito nacional – urge criar uma carreira do SUS de âmbito nacional, que na sua estruturação possibilite a adesão de funcionários municipais, estaduais e federais, cujos concursos tomem como referência territorial o Estado da Federação;
5. um SUS de fato universal – para todos os brasileiros e todas as brasileiras;
6. um SUS de fato com renovada participação da comunidade; e,
7. um SUS de fato com financiamento adequado – que foi bloqueado pelas elites econômicas e políticas brasileiras, desde seu nascedouro, ao obstaculizarem o suficiente financiamento federal e, desse modo, a implantação plena do Sistema.
Devemos debater e buscar aprovar proposições de futuro para o SUS que vem sendo apresentadas à sociedade brasileira nos últimos anos.
Há consenso, entre os defensores do Sistema de Saúde nacional, público e universal, quanto à premência de conferir nova institucionalidade à administração pública federal, estadual, do Distrito Federal e municipal no Sistema Único de Saúde, na busca da interação sistêmica entre os entes federados, mediante o planejamento e a operação do SUS a partir das 436 Regiões de Saúde existentes no País.
A concretização de tal proposição vem sendo apresentada em dois formatos, que demandariam a aprovação de lei federal visando compatibilizá-la com as urgências apontadas nos itens 1 a 7 desta Carta Aberta, sendo que ambos reforçam os avanços institucionais havidos depois da criação do SUS, tais como: a participação da comunidade – instituição de Conselhos e previsão da realização de Conferências de Saúde – e gestão compartilhada – Comissão Intergestores TriPartite – CIT, Comissão Intergestores BiPartite – CIB e Comissão Intergestores Regional – CIR.
Um formato prevê a criação de uma autarquia pública da União, gerenciada pelo Ministério da Saúde, pelas Secretarias de Estado da Saúde e Secretarias Municipais de Saúde, cujo núcleo organizativo seria as Regiões de Saúde, como instrumento operacional do SUS.
O outro, embora não preveja a criação de autarquia pública, também propõe as Regiões de Saúde como núcleo organizativo e operacional do SUS, o que demandaria instituir lei federal para tornar obrigatória a participação dos Estados da Federação e da União na operacionalização, compartilhada com Municípios, das Regiões de Saúde.
A 15ª Conferência Nacional de Saúde exigirá dos delegados e das delegadas, a um só tempo, sensatez ao analisar a conjuntura política e ousadia ao propor medidas que apontem para o futuro do SUS constitucional.
Na 15ª Conferência Nacional de Saúde, voltamos a alertar, não devemos nos intimidar e arrefecer nossas proposições de futuro para o SUS em face do cenário conjuntural adverso, ao contrário.
Neste sentido, o Conselho Nacional de Saúde, ao vir a público recentemente manifestar preocupação com mudanças no Ministério da Saúde, reafirmou princípios constitucionais e disposições infraconstitucionais referentes ao SUS, merecendo registro: o SUS é um direito de todos e um dever do Estado. Mantê-lo íntegro, universal e gratuito é uma luta de que nunca abriremos mão!
Coordenação Setorial de Saúde da Articulação de Esquerda.
Fotos: Fabiana Ganem