Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres – panorama de crimes no BR
Além de casos como feminicídio, assédio, estupro e diversos outros tipos de ocorrências, as mulheres brasileiras têm que enfrentar um outro tipo de violência: a invisibilidade dos crimes cometidos contra elas. Nesse 25 de novembro, Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, o Cebes mostra um pouco desse cenário no País.
Segundo dados da plataforma online Evidências sobre Violências e Alternativas para mulheres e meninas (EVA), lançada hoje pelo Instituto Igarapé, entre 2015 e 2018 o Brasil registrou mais de 1,7 milhão ameaças à mulheres, 650 mil estupros, 250 mil casos de lesão corporal dolosa, 15 mil homicídios dolosos e 2 mil casos de feminicídios. Esse cenário pode ser pior, pois nem todos Estados coletam e disponibilizam informações sobre esses tipos de crimes.
Dentre os municípios com mais de 250 mil habitantes, Santa Maria (RS) é aquele com maior índice registrado de Violência Física contra o sexo feminino na comparação de 2018 e o ano anterior. Já dentre os Estados, o Amapá fica no topo da lista.
Na categoria Violência Sexual, Cuiabá (MT) e Mato Grosso têm o maior número de casos registrados. Essas mesmas posições se repetem quando se trata de Violência Patrimonial.
Quando se trata de Violência Moral, Manaus (AM) e Mato Grosso do Sul são os entes federativos no topo da lista de ocorrências.
No quesito Violência Psicológica, a cidade de Santa Maria volta a figurar no topo. Rio Grande do Sul é o Estado com maior número de casos.
Alguns Estados e municípios apresentaram melhora nesses índices. A plataforma também compilou dados de segurança pública da Colômbia e México. Para ver os dados completos, basta clicar aqui.
Neste último sábado, a Rede de Observatórios da Segurança, que reúne dados sobre violência, segurança pública e direitos humanos em cinco estados – Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo – lançou o primeiro relatório.
Entre os dados obtidos de junho a outro de 2019, se destaca o número de feminicídios nestes locais. Cerca de 39% dos crimes monitorados pela organização foram enquadrados nesse tipo de ocorrência, enquanto 42% como tentativa de feminicídios ou agressões físicas e 15% como agressões sexuais (incluindo estupros).
Ana Maria Costa, diretora-executiva do Cebes ressalta que “a persistência da violência contra as mulheres no Brasil é um ultraje ao processo civilizatório e um problema de saúde pública da maior importância“. “Houve uma mudança de concepção importante acerca da responsabilidade do serviço de saúde em relação à violência doméstica, que pode ajudar a evitar uma tragédia maior“, ressalta.
A Portaria n° 104/2011 do Ministério da Saúde estabelece que notificação compulsória é obrigatória em casos de violência doméstica, sexual e/ou outras violências. “Isso ajuda no empoderamento das mulheres. É um incentivo para que denunciem os agressores. O Cebes endossa essa abordagem“, finaliza.
Mais alguns números
Dados divulgados no 13° Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apontam que houve queda no registro de mortes violentas intencionais (10,8%), crimes contra o patrimônio (14,2%) e mortes de policiais (10,4%) em 2018 ante o ano anterior. Na contramão dessas estatísticas, o número de casos de feminicídios cresceu 11,3% no mesmo período, somando 1206 vítimas.
Na grande maioria das vezes, essas mulheres eram negras (61%), tinha no máximo ensino fundamental, com idade entre 20 e 39 anos (58%). Em 88,8% dos casos o autor foi o companheiro ou ex-companheiro.
No mesmo período, o Brasil registrou 66.041 estupros em 2018 – cerca de 180 por dia -, alta de 4,1%. Desse total, 81,8% das vítimas eram do sexo feminino. Um pouco mais da metade (53,8%) tinham até 13 anos e 50,9% eram negras. De acordo com as estatísticas divulgadas, em 2018 cerca de 4 meninas de até 13 anos foram estupradas no Brasil por hora. Foram 263.067 casos de lesão corporal dolosa, crescimento de 0,8% no período. Cerca de um registro a cada 2 minutos.
Já o Dossiê Mulher 2019, do Instituto Patrícia Galvão, aponta que uma mulher foi morta quase todo dia no estado do Rio de Janeiro. A cada 100 mil mulheres, 6,8 negras e 2,7 brancas foram vítimas de homicídio doloso. O sexo feminino representou 72,4% das vítimas de Violência Moral (injúria, calúnia e difamação) e 71,6% dos casos de crime de natureza sexual. De cada 10 estupros, sete ocorreram em casa. A base de dados do dossiê é o Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Veja mais dados no link.
Invisibilidade
As entidades citadas acima são unânimes ao apontar que crimes contra mulheres no Brasil são subnotificados. Para o Instituto Igarapé “a lacuna de informações com relação à violência contra mulheres dificulta o enfrentamento do problema“.
Esse deserto de dados é causado pela subnotificação de crimes, falta de padronização de dados, registros malfeitos, incompletos e desatualizados. E essa a ausência de informações consolidadas sobre os incidentes dificulta a formulação de políticas públicas.
O Anuário 2019 do FBSP destaca um outro complicador: “no caso dos crimes sexuais, uma grande parte da subnotificação se explica pelos custos em que a vítima incorre ao denunciar, tais como exposição e julgamento social ou revitimização por parte das autoridades que deveriam protegê-la“.
Em seu relatório, Rede de Observatórios de Segurança lembra que a lei que classifica feminicídios “é de 2015, portanto, relativamente recente“. Segundo a organização, algumas polícias ainda relutam em usar a classificação, “mesmo quando os indícios são fortes“. E isto, possivelmente, explicaria o fato de que “apenas 29% de todos os homicídios contra mulheres em 2018 tenham sido classificados como feminicídios“.
Neste domingo (24/11), o governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha defendeu a “não divulgação” de casos de feminicídio por entender que pode ajudar a incentivar novos crimes, da mesma forma que acontece com o suicídio. De janeiro a novembro deste ano, o DF registrou 31 casos desse tipo de crime, o maior número desde 2015. “Estou estudando ainda e elaborando pesquisas“, disse. Seria um complicador a mais para quem pesquisa o assunto.
Em outubro, o governador de São Paulo João Dória vetou um projeto de lei que prevê compilar dados de crimes contra mulheres. Para o governo paulista, o projeto criaria “gastos desnecessários” já que a Secretaria Estadual de Segurança já publica estatísticas sobre crimes. Um projeto semelhante da vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018, foi sancionado no município do Rio de Janeiro.
Em publicação de 2006, a ONU aponta que a violência contra a mulher é “consequência da discriminação que sofre, tanto nas leis como na prática, e a persistência das desigualdades por questões de gênero“. Um dos passos fundamentais para mudar esse quadro é conseguir enxergar com clareza o cenário, afim de poder traçar as políticas públicas adequadas.
Nota da presidente do Cebes, Lúcia Souto:
O tema da violência contra a mulher está se tornando visível. Até pouco tempo atrás os dados eram desconhecidos e poderia parecer que esse tema era inexistente. Mas hoje é absolutamente impossível não enxergar essa bárbara situação da violência contra as mulheres expressa nos números, que ainda são subnotificados, mas já é algo de caráter que se poderia chamar de epidêmicos. Essa situação de barbárie mostra a degradação das relações na nossa sociedade que precisam urgentemente ser transformadas.
Segundo ponto que gostaria de ressaltar: a violência é conhecida por nós há muito tempo como uma questão de saúde pública. No caso da violência contra a mulher, a dimensão é enorme e para quebrar os elos de transmissão dessa selvageria nada mais relevante ter uma rede de atenção básica com todas as suas dimensões funcionando. Nesse momento de corte de verbas tanto por conta da emenda constitucional 95 como pelo desvinculamento das receitas da união e a mudança do padrão de financiamento da APS, vemos uma era de destruição de direitos sociais que vai ter repercussão enorme nessa questão da violência contra a mulher.
As redes de atenção são fundamentais a nível do território, da família, das redes a nível de cada localidade para que se possa ter metas em cada cidade de enfrentamento dessa realidade de uma maneira objetiva. A gente tem que saber qual é a realidade em cada local, em cada cidade, para organizar uma ação pública de enfrentamento a altura dessa tragédia social no Brasil.
Por último, os atos promovidos em cidades no mundo todo, como na França, Rio de Janeiro, e diversas outras cidades, contra a violência contra a mulher mostram uma decisão inerredável do movimento feminista, das mulheres e da sociedade em geral que estamos em um ponto de não retorno. E quanto mais se conhece a realidade da violência contra a mulher, melhor estaremos preparadas para enfrentá-la. E nesse momento importante o Cebes se associa e está participando ativamente da organização em defesa de outro paradigma. Precisamos fazer a transformação da sociedade que gera tamanha violência, que é a expressão de relações de degradação. Estamos imbuídas da responsabilidade que temos de contribuir e colaborar de maneira ativa para mudança de realidade no Brasil.
A Organização das Nações Unidas (ONU) declararou em 1981 a data 25 de novembro como o Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher em homenagem às irmãs e ativistas políticas Minerva, Patria e Maria Teresa Mirabal, assassinadas em 1960 a mando do ditador da República Dominicana, Rafael Leónidas.
No Brasil, um caso notório de violência de gênero que ganhou destaque e se transformou em lei em 2006 (nº11.340) foi o de Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de tentativa de feminicídio por duas vezes. Mas a maioria dos casos de violência de gênero é invísivel diante dos olhos da sociedade e do Estado brasileiro.
Além de farmacêutica e mãe, hoje Maria da Penha é porta-voz de defesa de direitos das mulheres.