Ana Costa: “Grandes tragédias sanitárias, como estamos vivendo agora, ficam na conta do SUS”
Veja no vídeo abaixo a fala da diretora-executiva do CEBES Ana Costa para o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal sobre o papel do SUS na pandemia do Covid-19.
“O SUS – o conjunto das ações que faz, que não são só as assistenciais – atingem toda a população em termos de vigilância epidemiológica, vigilância sanitária e na própria assistência. As grandes tragédias sanitárias, como as que estamos vivendo agora ficam na conta do SUS, assim como nas emergências e tratamentos caros (como câncer).
SUS está tendo agora a chance de ser reconhecido pela sociedade brasileira como um sistema justo e capaz de dar conta da necessidade do povo e de todos nós.
Espero que essa consciência cresça e traga robustez política ao SUS e que não fique no limbo que os governantes costumam colocá-lo. A própria população e imprensa tem tido reconhecimento muito forte.
As coisas que são valorizadas dentro do SUS não são relacionadas a ele, como o SAMU. A população, de forma geral, elogia a presteza e rapidez que o SAMU atua. E é SUS. Assim, como a vacinação e grandes programas que temos no Brasil, as campanhas para doenças crônicas, a Atenção Básica, a pesquisa… Tudo isso é SUS. A população precisa saber que a Fiocruz e outras instituições muito valorizadas são integrantes do SUS. Precisa saber que precisa de mais recursos, prestígio e importância por parte dos governos.
Estamos vivendo hoje no Brasil uma situação sanitária muito trágica porque a epidemia da covid-19 chega no País com o SUS fragilizado. O SUS deveria ter hoje pelo menos três vezes o financiamento que tem e esse financiamento foi sendo reduzido a um ponto em que tivemos a pá de cal com a emenda constitucional 95 (Teto de Gastos) que coloca o SUS numa situação muito fragilizada. Essa é a grande tragédia. Se o SUS estivesse forte como o NHS – sistema de saúde inglês – que, embora vinha sendo fragilizado, mas não na mesma proporção do SUS, o enfrentamento dessa epidemia seria mais sereno, menos penoso e morreria um número menor de pessoas. Isso porque teríamos melhor infraestrutura, um número maior de pessoas, de serviços. Teríamos UTIs na medida correta que a população brasileira precisa. Teríamos mais e melhor distribuição de recursos.
Quando se vê a distribuição de recursos de infraestrutura e saúde no Brasil você vê o vazio no Nordeste e na região Norte, uma extrema concentração nas regiões mais abastadas e mais ricas. Isso gera uma condição de injustiça muito grande.
Estamos assistindo em Manaus o crescimento da pandemia e a mortandade é eticamente inadmissível. Por que morrer mais em Manaus por falta de recursos, por falta de capacidade de serviço atender as pessoas que adoecem? Isso de fato vai acontecer e piorar mais no Brasil.
Certamente no Brasil vão ser penalizadas as regiões Norte e Nordeste em comparação com outras regiões. Isso não significa que a pandemia será leve pelas outras regiões. Os prognósticos que estão sendo desenhados é de que viveremos uma situação muito grave, tanto do ponto de vista de estresse assistencial, do colapso do sistema de atenção e de cuidado, como também do ponto de vista da sociedade e, particularmente, dos profissionais de saúde, que estão enfrentando a pandemia de maneira heróica – mas que não deveria ser heróica. Heróica por quê? Porque estão indo para o front de batalha sem infraestrutura, sem EPIs, sem uma serenidade que pudesse permitir o trabalho desses profissionais com segurança de que não iriam adoecer e ter suas vidas colocadas em risco.
A condição de trabalho hoje, que é uma questão crônica, do SUS, se expõe nessa epidemia. E é importante que os recursos humanos, a força de trabalho do SUS, tivesse uma valorização adequada – o que nunca teve. Nunca teve uma política de recursos humanos consequente para o SUS que criasse carreira, condições de trabalho, condições de uma melhor distribuição desses profissionais no território brasileiro.
Quando houve uma iniciativa que preenchesse esses vazios existenciais com profissionais de saúde, como no Mais Médicos, que é uma política de várias críticas mas que tem muitas virtudes pois distribui médicos pelo interior do Brasil – apesar de médico sozinho não conseguir fazer muito, mas fizeram muito mesmo sem enfermeiras, enfermeiros e outros profissionais da equipe de saúde (como odontólogos, fonoaudiólogos, psicólogos e todo o conjunto que compõe a equipe de profissionais de saúde). Mesmo assim, tivemos impacto positivo nos indicadores de saúde em virtude da presença desses profissionais nos rincões brasileiros.
Isso de fato foi uma condição muito agravante porque esses médicos não estão lá e essas populações estão completamente abandonadas. Assim como está abandonada a condução da pandemia na medida que temos uma rinha do governo federal, que até hoje não tem comando único que possa dar uma condução consequente a essa epidemia. Estamos atrasados na aquisição de equipamentos e em várias iniciativas que o Brasil requer com urgência.
É uma situação trágica que a consciência popular e ação popular e do conjunto de políticos que prezam pela democracia no Brasil tem que aparecer e comparecer nesse momento tão difícil no Brasil. É impossível que o Brasil enfrente a pandemia com esse estado de desmando que o governo federal promove no País.