Manifesto sobre a Reforma Psiquiátrica Brasileira
A história da saúde pública brasileira demonstrou, em período não muito distante, o vigor e lucidez do chamado “Movimento da Reforma Sanitária”, quando em 1986 (20 anos) realizou a mais importante e democrática Conferência Nacional de Saúde – a VIII Conferência – marco definitivo na nossa história. A partir dela conseguimos inscrever na Constituição Federal de 1988 a saúde como um direito de todos os brasileiros, direito não reconhecido até então, e definir o SUS – Sistema Único de Saúde, como a forma de consecução deste direito, através de um sistema público, nacional, complementado pela iniciativa privada.
Sem maiores detalhes, o “Único” do SUS remete, pelo menos, a uma unidade de ação, dos diversos entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), com responsabilidades atribuídas a cada um, de forma complementar e planejada, cujo objetivo comum é melhorar a saúde dos brasileiros e a sua qualidade de vida.
Esta unidade é um dos grandes desafios do SUS, no Brasil e no Estado do Rio de Janeiro em particular.
Malgrado o Rio de Janeiro apresentar enormes desafios em saúde, como a incidência alta de tuberculose, o risco de epidemia de dengue a cada verão, a maior taxa de envelhecimento populacional do Brasil, etc, a unidade das ações de saúde se destacam com enorme importância.
A herança de uma capital nacional legou uma importante e complexa rede de saúde, sobretudo hospitalar, situada na cidade do Rio de Janeiro, além de importantes universidades e centros de pesquisas, como a Fiocruz.
O Rio de Janeiro possui a maior rede hospitalar do Brasil e deveria ser a referência inequívoca para as ações de média e alta complexidade em saúde para os pacientes de todo o estado e, em alguns casos, para o Brasil.
Entretanto, com muita freqüência, assistimos o noticiário dos jornais relatando as dificuldades da população no acesso a quase todo tipo de serviço de saúde, lotando as emergências e provocando desatenção e baixa qualidade nos atendimentos, quando são feitos.
É bem verdade também, que de outro lado, em diversos municípios, milhares de pessoas são assistidas adequadamente, por profissionais competentes, seja com ações de promoção da saúde, prevenção de doenças, atenção curativa e reabilitação, o que é o “dever de casa” do sistema.
Uma rede de saúde é composta de um conjunto de unidades básicas de saúde, que deve ser a porta de entrada do sistema, com alta capacidade de resolução dos problemas da população, seja em consultas, exames e terapias, horário flexível para permitir o acesso das pessoas e ser capaz de responder por mais de 90% dos problemas de saúde. Uma atribuição típica dos municípios, seja a capital ou interior.
Acrescente-se a esta rede um conjunto de ambulatórios de especialidades, exames e terapias de maior complexidade e hospitais, que servirão de referência para a rede básica, podendo ser responsabilidade de municípios ou do estado, dependendo do porte e região. A partir daí, deve-se ter estruturas mais complexas e de pesquisa, que continuarão sendo referência, desde a rede básica, para os casos não resolvidos, e serão atribuição dos estados ou da união, de acordo com a necessidade.
O caso do Rio é único por sua herança, uma estrutura complexa e capaz, com profissionais de saúde dos mais gabaritados. Entretanto esta estrutura vem, ao longo dos anos, perdendo sua capacidade de atenção, seja por sucateamento de seus equipamentos e instalações, falta de recursos humanos adequados, falta de investimentos, gestão inadequada e integração praticamente inexistente.
É preciso que esta rede de fato trabalhe na lógica do SUS, tendo o cidadão como foco principal, respeite os seus princípios organizativos e o “comando único em cada esfera de governo” como previsto na legislação. Isto significa dizer que cada município deve fazer a sua parte e respeitar as ações que estão para além dos seus limites, ainda que dentro do seu território, trabalhando em sintonia com o Estado e a União. Estes, por sua vez, têm que dar o apoio necessário, técnico e financeiro, para que os municípios consigam cumprir suas responsabilidades. Tudo previsto nas regras do SUS!
Portanto, é necessário que a rede de saúde controlada pelo governo federal no Rio se integre e se submeta às regras do SUS, os hospitais universitários da mesma forma, que o Estado passe aos municípios parte da rede que são da sua competência e organize estruturas regionais de referência eficazes e, municípios (os que ainda não o fazem) assumam as suas responsabilidades na atenção básica e no restante da rede de acordo com sua complexidade.
Quando falo das regras do SUS estou afirmando que existem regras e mecanismos suficientes, como a Comissão Intergestores Bipartite, fórum de pactuação entre municípios e Estado (e União quando desejável) e o Conselho Estadual de Saúde, onde a população, trabalhadores da saúde e prestadores são representados, além dos gestores. Existem ainda, diversos outros instrumentos de orientação política, planejamento e gestão.
Uma concertação política, com o interesse público e pela vida presidindo estas relações, irá transformar as regras e mecanismos suficientes em eficientes. Menos mortes, mais vida; menos doentes, mais saúde. Todos devemos incentivar e apoiar as medidas que caminhem nesta direção.