Manifestação de entidades da sociedade civil pela revogação do documento ‘Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento’
O Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes) e entidades diversas da sociedade civil atualizaram uma manifestação que pede a revogação do documento ‘Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento‘, do Ministério da Saúde, além do adiamento da audiência pública marcada para o dia 28 de junho de 2022 sobre o manual. O novo documento do Ministério coloca “imposição de obstáculos à concretização do direito à saúde de mulheres, meninas e pessoas que gestam“. Cebes já havia se posicionado contra o documento em nota publicada no último dia 14.
Representantes da sociedade civil apontam “os equívocos e ilegalidades do documento”, além de apresentarem 21 recomendações a serem seguidas pelo Ministério da Saúde na elaboração de materiais a respeito de situações de abortamento.
Veja as recomendações a seguir. As justificativas destas podem ser acessadas na publicação em PDF no final deste texto.
RECOMENDAÇÃO Nº. 1: Reconhecer que os abortos inseguros são uma das principais causas de mortalidade materna no Brasil e que, devido à criminalização, os dados oficiais de saúde pública são subnotificados, não podendo ser utilizados como indicativos da real magnitude do aborto no país.
RECOMENDAÇÃO Nº. 2: Reconhecer que uma gestão comprometida com os direitos das mulheres deve estar comprometida com o enfrentamento de todas as causas de mortalidade materna e que não há justificativa de saúde pública para não priorizar o aborto, tendo em vista que este representa a quarta causa de mortalidade materna, ou seja, está imediatamente após as causas consideradas pelo Ministério da Saúde no documento.
RECOMENDAÇÃO Nº. 3: Reconhecer que o aborto realizado de maneira legal e segura é um procedimento de baixa complexidade, com risco de morte quase insignificante.
RECOMENDAÇÃO Nº. 4: Reconhecer que a garantia do aborto legal e seguro é compatível com os tratados internacionais de direitos humanos e que isso já foi reiterado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e por órgãos de monitoramento de tratados dos quais o Brasil é signatário.
RECOMENDAÇÃO Nº. 5: Reconhecer que, por força do entendimento firmado na ADPF 54, dos princípios gerais do direito penal e da decisão do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.476.888/GO, é legal a realização do aborto nos casos de todas as malformações incompatíveis com a vida, e não apenas a anencefalia, não devendo ser exigida autorização judicial para a realização do procedimento.
RECOMENDAÇÃO Nº. 6: Reconhecer que a expressão “aborto legal” é compatível com o tratamento dado ao aborto pelo ordenamento jurídico brasileiro nas hipóteses de violência sexual, risco à vida, anencefalia e outras malformações incompatíveis com a vida, uma vez que, nessas hipóteses, o aborto é realizado dentro da legalidade e assegurado pelas políticas públicas de saúde.
RECOMENDAÇÃO Nº. 7: Reconhecer que o acesso ao aborto legal para mulheres diagnosticadas com condições de risco à saúde deve ser facilitado, de modo que os profissionais devem sempre informar a presença do risco e respeitar a decisão das mulheres ante a possibilidade de interromper a gestação para a proteção de sua saúde e vida.
RECOMENDAÇÃO Nº. 8: Reconhecer que não há na Constituição e nas leis brasileiras equiparação do feto à pessoa humana e que a titularidade dos direitos fundamentais é condicionada ao nascimento com vida, como preceitua o Código Civil e já entendeu o Supremo Tribunal Federal.
RECOMENDAÇÃO Nº. 9: Esclarecer que o respeito ao sigilo profissional é a regra no atendimento de saúde às mulheres vítimas de violência e que a notificação externa é feita de forma anonimizada e consolidada, ressalvadas as hipóteses legais, e jamais pode ser utilizada como condição para o acesso ao aborto legal.
RECOMENDAÇÃO Nº. 10: Esclarecer que o sigilo profissional é a regra e os profissionais de saúde não podem notificar quaisquer crimes às autoridades competentes, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa.
RECOMENDAÇÃO Nº. 11: Esclarecer os limites do direito à objeção de consciência, nos termos do Código de Ética Médica.
RECOMENDAÇÃO Nº. 12: Reconhecer que o procedimento de aborto por telemedicina pode ser realizado de forma legal e segura, de acordo com as evidências científicas recentes de saúde e as recomendações da OMS.
RECOMENDAÇÃO Nº. 13: Não hierarquizar as diferentes possibilidades ante a gestação decorrente de violência sexual ao insinuar que a entrega à adoção seria preferível ao aborto legal, quando, na verdade, todas as opções devem ser igualmente ofertadas, evitando, assim, que as mulheres que buscam o aborto legal sofram qualquer tipo de pressão ou coerção.
RECOMENDAÇÃO Nº. 14: Evidenciar que o papel do profissional ante o processo de tomada de decisão da mulher é de apoiá-la e fornecer informações imparciais, relevantes e precisas, baseando-se estritamente naquilo que é relevante para a saúde da mulher e se distanciando de preferências e valores pessoais ou qualquer forma de pressão.
RECOMENDAÇÃO Nº. 15: Não fundamentar recomendações de saúde em eventos anedóticos e casos isolados, sem corroboração de estudos sistemáticos e metodologicamente adequados.
RECOMENDAÇÃO Nº. 16: Reconhecer que o termo “feticídio” não é um termo clínico e apropriado para tratar do aborto induzido e que a indução do óbito fetal -termo tecnicamente correto – é parte do procedimento possível para a realização do aborto acima de 22 semanas de gravidez nos casos de violência sexual, como já reconheceu a Febrasgo.
RECOMENDAÇÃO Nº. 17: Reconhecer que não há referência na lei brasileira a limite de idade gestacional para a realização do aborto legal, que as evidências apontam para a segurança do procedimento de aborto mesmo em idades gestacionais avançadas e que o Ministério da Saúde já publicou documentos com orientações sobre o procedimento até as 27 semanas ou mais.
RECOMENDAÇÃO Nº. 18: Reconhecer que o estresse e outros sentimentos negativos muitas vezes associados ao aborto podem advir do estigma e do medo do julgamento moral que recaem sobre o tema e que a ocorrência de sentimentos positivos após o procedimento é constatada por organizações internacionais de saúde e pela literatura médica.
RECOMENDAÇÃO Nº. 19: Consolidar informações sobre cada um dos tipos de aborto (por decisão da mulher, legal ou clandestino, e espontâneo), de forma sistematizada, clara e facilitada para os profissionais de saúde.
RECOMENDAÇÃO Nº. 20: Recomendar o atendimento humanizado e acolhedor, que é incompatível com afirmações discriminatórias sobre as situações que levam as mulheres a recorrerem a um aborto.
RECOMENDAÇÃO Nº. 21: Priorizar o atendimento humanizado e acolhedor, sem quaisquer afirmações que induzam profissionais de saúde a acreditarem que é necessário distinguir um aborto espontâneo de um aborto provocado, uma vez que isso é clinicamente inviável e pode fazer com que a mulher se sinta investigada; bem como os levem a fornecer, em qualquer caso, orientações sobre uma nova gravidez, baseados tão somente na pressuposição discriminatória de que a mulher poderá desejar ter filhos futuramente, ainda que ela não tenha manifestado interesse.
Assinam esta manifestação:
- Cravinas – Clínica de Direitos Humanos e Direitos Sexuais e Reprodutivos da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB)
- Anis – Instituto de Bioética
- Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (CISAM) – Universidade de Pernambuco (UPE)
- Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz)
- Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (ReHuNa)
- Grupo Curumim Gestação e Parto
- Associação das Advogadas pela Igualdade de Gênero, Raça e Etnia (AAIG) 8. Observatório de Direitos Humanos do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP)
- CEPIA – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação
- Católicas pelo Direito de Decidir
- Cunhã Coletivo Feminista
- Associação Brasileira de Saúde Coletiva
- Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde
- Casa Marielle Franco Brasil
- Núcleo de Estudos Interdisciplinares de Gênero Diversidades e Inclusão (NeGeDI) do Instituto Federal do Paraná (IFPR)
- Ginecosofia Brasil
- Relatoria Nacional de Direitos Humanos da Plataforma de Direitos Humanos Dhesca
- Instituto Prios de Políticas Públicas e Direitos
- Grupo de Pesquisa e extensão da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Loucura e Cidadania (LouCid)
- Clínica Feminista na Perspectiva da Interseccionalidade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
- Grupo de Pesquisa Direito, Discriminação de Gênero e Igualdade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
- Laboratório de Direitos Humanos (LADIH) da Faculdade Nacional de Direito (FND) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
- Núcleo de Pesquisas e Estudos em Saúde da Mulher e Gênero (NUPESMeG) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
- Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Sexualidade, Corporalidades e Direitos da Universidade Federal do Tocantins (UFT)
- Clínica Jurídica de Inovação Pedagógica da Universidade Federal de Roraima (CJIP/UFRR)
- Observatório da Mulher
- Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais (NEPEM/UFMG)
- Coletivo Maín
- Coletivo Feminista Peitamos
- Rede Nacional Feminista Antiproibicionista (ReNFA)
- Frente Catarinense de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto
- Fórum Latino Americano de Antropologia do Direito
- Coletivo das Mulheres de Monte Alto
- Projeto Vivas
- Faculdade de Saúde Pública – USP
- Coletivo Jaraguá
- Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
- União de Mulheres do Município de São Paulo
- Promotoras Legais Populares de São Paulo
- REDEH – Rede de Desenvolvimento Humano
- AMA – Articulação de Mulheres do Amazonas
- Rede Nacional de Promotoras Legais Populares
- Fòs Feminista
- Avante Educação e Mobilização Social
- Projeto Vez e Voz: Educação Popular na Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas nas Escolas do DF e Entorno
- Instituto Árvores Vivas para Conservação e Cultura Ambiental
- Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (RFS) 48. Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal de Minas Gerais (CdH/UFMG)
- Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS (RNP+ Brasil)
- Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS, Núcleo do Ceará (RNP+/CE)
- Coletivo Viveração (PR)
- Roda de Conversa I=I (PR)
- Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV AIDS no Amazonas -RNP+Amazonas
- Conselho Federal de Serviço Social (CFESS)
- Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras
- Instituto Maternidade Consciente
- Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
- Associação Juízes para a Democracia – AJD
- Coletiva Mulheres Defensoras Públicas do Brasil
- Articulação Nacional de Luta Contra a AIDS (ANAIDS)
- Associacao de Gays e Amigos de Nova Iguaçu, Mesquita e RJ (AGANIM-RJ)
- Movimento O Povo e o SUS
- Associação Mulheres Evangélicas pela Igualdade de Gênero (EIG)
- 8M/SC
- Think Olga
- Marcha Mundial das Mulheres (MMM)
- Fórum de Mulheres do Espírito Santo
- ICW Brasil
- Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS no Espírito Santo
- Laboratório de Pesquisa e Avaliação Qualitativa em Saúde (CE)
- União Brasileira de Mulheres (UBM) (LAET/UNIFAP)
- Laboratório de Estudos Etnográficos e Antropologia do Direito
- Grupo de Pesquisa Direitos Sociais, Cultura e Cidadania – UNIFAP
- Núcleo de Estudos e Pesquisas em Antropologia Visual, da Imagem e do Som, Linguagens, Memória e Identidades (NAIMI/UNIFAP)
- Centro de Promoção da Defesa dos Direitos Humanos Pe. Josimo
- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
- Rede Nacional Feminista de Saúde Direitos Sexuais Direitos Reprodutivos- Regional Rio de Janeiro (RFS/RJ)
- Grupo de Pesquisa Gênero, Reprodução e Justiça (RepGen) (Fiocruz/UFBA/UFRJ)
- Promotoras Legais Populares do Distrito Federal e Entorno
- Núcleo de Pesquisa e Extensão em Bioética e Saúde Coletiva – NUPEBISC
- Sociedade Brasileira de Bioética
- Laboratório de Estudos e Pesquisas Feministas em Saúde Mental, Cultura e Psicanálise (LabEFem/CFCH-UFAC)
- Conselho Regional de Serviço Social (CRESS) da 9° Região – São Paulo
- Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero
- Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Mulheres (NEPEM/UnB)
- Themis – Gênero Justiça e Direitos Humanos
- Confederação das Mulheres do Brasil (CMB)
- Sindipetro ES
- Instituto Cultural Barong
- Studio de Arte Social Adriana Bertini
- Instituto do Luto Parental
- Rede de Assistentes Sociais pelo Direito de Decidir
- Coletiva Feminista do PSOL/RJ
- Resistência Feminista (Rio de Janeiro)
- Redes da Maré
- Coletivo de Mulheres Chá das Marias
- Conselho Regional de Serviço Social da 1ª Região (CRESS/PA)
- Milhas Pela Vida das Mulheres
- Nosso Instituto
- Instituto Renascer Mulher
- Liga Brasileira de Lésbicas
- Setorial Nacional de Mulheres do PSOL
- Grupo de Estudos sobre o Aborto – GEA
- Conselho Regional de Serviço Social 17ª Região (Espírito Santo)
- Grupo Marias de Extensão e Pesquisa em Gênero, Educação Popular e Acesso à Justiça – UFPB
- Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP)
- Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade
- Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes)
- Movimento de Mulheres Olga Benário
- Instituto Pluralis
- Instituto Agali Awamu
- Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos
Acesse a publicação: