José Noronha avalia a Saúde nos primeiros meses do governo Lula

O cebiano José Noronha conversou com o jornalista Gabriel Brito, do portal Outra Saúde, sobre o cenário da Saúde nesses primeiros meses do governo Lula. Noronha, que é membro do Conselho Consultivo do Cebes, falou sobre a retomada do Mais Médicos, a gestão de Nísia Trindade a frente do Ministério da Saúde e a necessidade de abrir novas vagas em cursos de medicina que sejam voltadas para a saúde coletiva e não a lógica do mercado, dentre outros assuntos. Veja o texto a seguir.

O preenchimento total das 6 mil vagas da primeira chamada do Mais Médicos dá a noção do tamanho do gargalo criado pelos governos Temer e Bolsonaro na saúde pública. Além disso, fornece um retorno inicial positivo aos incentivos colocados pelo governo aos profissionais de saúde que aderirem ao programa. Outras 10 mil vagas poderão ser preenchidas ainda neste ano, num contexto onde pelo menos 60 milhões de brasileiros perderam o acesso a um médico após a saída dos cubanos, causada pelos discursos anticomunistas de Bolsonaro, que levaram à ruptura do convênio com o Estado cubano.

Trata-se não só de uma importante vitória prática do governo, como também de um sinal positivo à população que viu seus indicadores de saúde piorarem com a brutal soma de pandemia com desmonte de políticas públicas. Esse foi o tema da edição do PULSO, programa de entrevista do Outra Saúde, que contou com a presença do sanitarista e médico José Noronha, uma das figuras mais influentes da própria concepção do SUS no Brasil.

Não haveria tempo pra dizer o quanto mudou. Saímos de uma situação de obscurantismo grotesco. Violento, agressivo, genocida. Saímos de uma necropolítica de apreço pela morte, de amor mórbido pela morte. Uma lógica de domínio dos corpos pela celebração da morte, como escrito pelo Achille Mbembe [filósofo camaronês criador do conceito de ‘necropolítica’]”, contextualizou Noronha, ao falar do início do novo governo Lula.

Mas ele continua, otimista: “Estamos numa transição para outra transição. Mas temos a fortuna de ter no ministério uma pessoa de alto compromisso público, não vinculada a grupos políticos, que é a Nísia Trindade. Agora temos um ministério da Saúde, não da Morte. Vai se coordenar política de saúde, dar voz às secretarias municipais e estaduais, não a clientelismo mesquinho”, celebrou.

Economia

Apesar do alívio, Noronha é consciente dos imensos desafios que a democracia tem pela frente, uma vez que a necropolítica conta com uma resiliente argamassa no campo econômico, ainda dominado por um neoliberalismo que suga as energias do Estado em prol de uma parasitária comunidade financeira. Um de seus representantes é o presidente do Banco Central – além de grande aplicador financeiro, com direito a contas em paraíso fiscal – Roberto Campos Neto. Na entrevista, o tema econômico também esteve em pauta.

Em sua visão, está claro que saúde e SUS de qualidade não cabem na visão neoliberal, com seus tetos e arcabouços fiscais. No entanto, é preciso ter clareza de que aqueles que lutam pelo bem estar social ganharam terreno. “Os planos privados, para atender um quarto da população, gastaram R$ 230 bilhões em 2022. Ou seja, o orçamento ideal do ministério seria quase o dobro do atual. Mas temos uma conjuntura de 13,75% de taxas de juros, amplamente defendida pela mídia”, reflete Noronha.

Ainda tratando de economia, o sanitarista defende a proposta da Frente pela Vida de alteração do “arcabouço fiscal”: “Temos de furar um pouco o teto, colocar saúde e educação, como se tenta, acima do arcabouço. Mais dia ou menos dia, como se viu no seminário do BNDES com economistas que trouxeram outra visão, vamos superar essa política para assegurar saúde de qualidade para 210 milhões de brasileiros”.

Mais Médicos e formação na medicina

É neste contexto que se insere o novo Mais Médicos. Com gatilhos e novos incentivos à carreira, parece ter impactado positivamente na classe médica brasileira, também mais numerosa que há 10 anos. Por tabela, a volta do programa coincide com o fim da moratória que proibia abertura de novos cursos de medicina, não à toa orquestrada em parceria entre Michel Temer e Conselho Federal de Medicina. Apesar de positiva, Noronha alerta que essa reabertura deve atender aos interesses da saúde pública e, também neste campo, romper com os paradigmas de mercado, com uma formação integradora da Atenção Básica com as média e alta complexidades.

Sou francamente favorável [à abertura de mais cursos de medicina]. Mas me preocupa que tais cursos tenham algum grau de regulação, tanto em termos de qualidade como grade de ensino. A distribuição geográfica preocupa menos, pode ser corrigida pelo mercado de trabalho. O que mais me aflige é que novos cursos sejam abertos com a concepção da medicina dos planos de saúde, do produtivismo, do ganho por procedimento realizado, com esse tipo de visão inserida na grade curricular”, explicou.

Afinal, como fez questão de recitar na abertura e encerramento da entrevista, “o artigo 196 da Constituição é uma espécie de mantra que deveria ser recitado todos os dias por budistas, católicos, materialistas, muçulmanos, umbandistas, judeus: saúde é direito de todos e dever do Estado. Este direito é garantido por meio de políticas sociais e econômicas que minimizem riscos de doença e morte. Seu acesso é igualitário e universal. Essa é a tríade sagrada, à qual só acrescento que saúde também é direito a uma morte digna”.

Assista no link. Leia a matéria de Gabriel Brito publicada originalmente no portal Outra Saúde.