Brasil e o direito de envelhecer com dignidade
Cada vez mais nossa população é composta por pessoas idosas. O Cebes Debate trouxe o assunto para discussão de perspectivas e questões que precisaremos responder nos próximos anos.
O ato de envelhecer no Brasil acontece com equidade? A longevidade é uma conquista da humanidade, mas ainda é algo profundamente desigual. O direito a viver, na ordem constitucional, orienta e dá sentido último a todos os demais direitos fundamentais. A diretriz do Plano Plurianual de Ação (PPA) do Governo Federal 2024-2027, sobre o direito a envelhecer para todas as pessoas, passa pelo combate ao idadismo estrutural, às desigualdades e à invisibilidade dos segmentos mais vulnerabilizados, e pela promoção da intergeracionalidade.
Para o secretário Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Alexandre da Silva, é importante pensarmos sobre quem é a pessoa mais velha nos dias atuais para além do critério cronológico (a partir dos 60 anos). “Como estamos de fato, respeitando essas biografias e essas singularidades das pessoas mais velhas?”.
Atualmente o Brasil possui aproximadamente 32 milhões de pessoas idosas e é preciso discutir se os direitos destas pessoas têm sido respeitados. “É preciso pensar um pouco das equidades, da justiça social, que é o que precisa estar acontecendo para que as pessoas possam ter esse direito de envelhecer”, comentou Alexandre durante o Cebes Debate realizado nesta segunda (4).
O secretário refletiu sobre a questão demográfica. Em 1980, as mulheres tinham uma expectativa de vida em torno de 65,7 anos. Quando elas chegavam aos 60 anos, esse cálculo de expectativa ficava em torno de 17,8 anos. Já os homens, neste mesmo período, tinham a expectativa em torno de 53,5 anos, e aos 60, de 16,4 anos. Já em 2019, a expectativa de vida das mulheres passou para 80,1 anos, e ao chegar aos 60 anos, mais 25,3. Os homens ainda ficam atrás, mas agora contam com uma expectativa de 72,8 e 20,8 ao atingir os 60 anos.
“Neste momento estamos falando de um processo que é o da feminização da velhice. Então, mais pessoas do gênero feminino conseguem chegar a idades mais avançadas. Mas na perspectiva dos direitos humanos é: nós não podemos naturalizar a morte precoce dos homens”, apontou o secretário. Para ele, é necessário pensar na mortalidade antecipada dos homens. “A gente sabe, quem está na assistência tratando as pessoas idosas, que muitas vezes os espaços pensados para os homens não são espaços convidativos”.
Alexandre também lembrou do ganho social com a inclusão das pessoas idosas. “Nós temos uma riqueza de saberes que nem sempre são contempladas em nosso cotidiano. Faço um chamamento às pessoas: vamos fazer um enfrentamento conjunto ao idadismo, que se manifesta de diversas formas e acaba modulando a nossa democracia, assim como o racismo, o machismo e outras formas de discriminação”.
“Nós sabemos que não ter dinheiro também adoece. Não só a gente ter uma alteração no equilíbrio corporal que adoece. Eu saber que meu neto, que meu filho não tem condições de para um aluguel e colocar comida saudável em casa, também vai fazer com essa pessoa mais velha adoeça”. – ALEXANDRE DA SILVA – Secretário Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC)
O secretário também pontuou os direitos da pessoa idosa e os aspectos culturais que permeiam a sociedade na compreensão da velhice, além das condições de vida e vulnerabilidades sociais. “O direito de envelhecer não é garantido para as pessoas que ao longo da vida acumulam vulnerabilidades e acumulam discriminações”.
A coordenadora do Grupo de Informação, Saúde e Envelhecimento (GISE) do Laboratório de Informações em Saúde do Instituto de Informação e Comunicação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT) da Fiocruz e coordenadora do Núcleo Envelhecimento Saúde e Sociedade do Cebes (NESS/CEBES), Dalia Romero, trouxe algumas questões importantes para o debate: no Brasil temos direito a envelhecer? Direito a envelhecer com dignidade? Direito a envelhecer com dignidade e qualidade de vida?
Um dos exemplos trazido a partir do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM – 2017-2020) é o de que 16% dos óbitos de indígenas acontecem antes de um ano de idade. “Isso é totalmente escandaloso. As consequências virão depois”, apontou Dalia. As estatísticas indicam que atualmente no Brasil a população com maiores índices de envelhecimento é branca.
Entre a população negra, os números apontam o alto índice de mortalidade na juventude. “Coloquei o exemplo de Marielle (Franco). Ela é uma das tantas vidas negras que não tiveram o direito de envelhecer. Foi morta 22 anos antes de ser idosa. E quantos casos temos no Brasil como esse?”
Dalia explicou que o grupo de idosos pode ser comparado ao grupo de crianças, já que ambos são diferentes dos demais. “Idade cronológica é a que determinaria os direitos, é dependência em ambos os casos, mas expressa de forma diferente. Na infância, na falta de capacidade de decidir de forma independente e durante a velhice, na perda da autonomia ou na limitação para exercê-la”.
Para pensar a discriminação no envelhecer, Dalia trouxe o pensamento de Simone de Beauvoir, numa crítica ao modelo capitalista. “A velhice, tal qual a condição da mulher, é um fato cultural e não apenas biológico. A sociedade fabrica a impotência da velhice, tal qual fabricou a da mulher. Submetida à alienação social, a velhice torna-se um mal para o homem, condição abjeta aos olhos do mundo”.
A coordenadora também questionou a razão da longevidade ser considerada uma espécie de problema, especialmente quando se fala em previdência social e demanda de serviços. Outro ponto levantado foi a incorporação de questões importantes para os idosos no Plano Plurianual 2024 -2027, conquistado a partir da 17ª Conferência Nacional de Saúde.
Diretrizes:
- Combater o idadismo estrutural, a violência contra a pessoa idosa, as desigualdades, a invisibilidade dos segmentos mais vulnerabilizados e promover a intergeracionalidade, visando garantir o direito a envelhecer para todas as pessoas.
- Estabelecer políticas públicas, intersetoriais e transversais, voltadas para o cuidado humanizado e integral, reconhecendo e atuando na sobreposição de exclusões que incidem sobre as populações vulnerabilizadas (…). respeitando as especificidades das suas demandas e o princípio da equidade, em especial aquelas pessoas afetadas pela pandemia.
O Cebes Debate está disponível no canal do Cebes no Youtube. Acesse aqui ou veja a seguir: