Ameaças ao SUS e o compromisso das entidades que defendem a saúde
No Cebes Debate, Conselho Nacional de Saúde, Frente pela Vida e ABrES se manifestam em defesa da manutenção do piso constitucional da saúde e debatem como informar a população
Nas últimas semanas a possibilidade de cortes de gastos (investimentos) na saúde e na educação foram temas amplamente discutidos, especialmente nas redes sociais. Embora o presidente Lula tenha garantido que não haverá cortes nestas áreas, a preocupação diante do tema é uma realidade diante das possíveis mudanças na correção do fundo constitucional da saúde.
Para debater a questão, o Cebes reuniu, na última segunda-feira (17) alguns nomes importantes da luta pela saúde pública e universal no Brasil. Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Túlio Franco, coordenador da Frente pela Vida e integrante da Rede Unida e Francisco Funcia, professor da USCS e Presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES) foram recebidos pela diretora administrativa do Cebes, Ana Tereza Pereira Camargo.
Ana Tereza abriu o debate com números importantes para a compreensão do atual panorama. O Brasil gasta cerca de R$ 2,43 per capita por dia para cobrir uma ampla gama de serviços, desde vacinas, transplantes, hemodiálise e todo o rol da saúde. Em contraste, os planos privados de saúde gastam aproximadamente R$15 per capita por dia, mas focados apenas na assistência médica e ambulatorial, sem se aproximar da vastidão de operações realizadas pelo SUS.
O coordenador da Frente Pela Vida, Túlio Franco destacou o montante que o país perde em arrecadação por renúncia fiscal e como estes valores poderiam ser revertidos para frentes importantes como a saúde. “Os reitores das universidades federais estão reivindicando do governo R$ 2,5 bilhões para fechar as contas da universidade este ano. Todas, mais de 60 universidades federais, e você tem mais de R$ 600 bilhões de renúncia fiscal”.
O coordenador lembrou que durante a reunião realizada no Ministério da Fazenda, o governo afirmou sua posição contrária à desvinculação dos recursos da União, que tiraria do governo a obrigatoriedade de aplicação de recursos na área da saúde.
Para o presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES), Francisco Funcia, é importante analisar os números com cuidado para entender que o discurso que fala da necessidade de redução nos gastos públicos no Brasil precisa ser melhor esclarecido, visto que o país está dentro do padrão internacional de gastos públicos em saúde (9,7 do Produto Interno Bruto. “Mas, diferente do padrão internacional, em 60% ou 70% na maior parte dos casos, desse total é gasto público, no Brasil só 40%”, apontou. “Então nós temos uma primeira comparação internacional que mostra que o Brasil aplica pouco em saúde pública”.
Funcia fez uma crítica ao conceito de conceito de superávit primário. “A palavra ‘superávit’ muitas vezes leva o senso comum a compará-la com o orçamento doméstico, onde não se deve gastar mais do que se ganha, no entanto, essa comparação entre o orçamento doméstico e o público é indevida devido às diferentes dimensões e complexidades envolvidas”.
Fazer superávit primário significa garantir recursos, economizando em áreas essenciais como saúde, educação, transporte, previdência e habitação, para pagar juros da dívida pública. É crucial perceber que essa realocação de recursos não recebe a mesma pressão da imprensa ou de outros setores organizados da sociedade, em comparação, por exemplo, com a insistência do Comitê de Política Monetária (Copom) em manter altos os juros do Banco Central.
Os juros também foram apontados pelo economista como responsáveis por um impacto significativo. “Os juros estão elevados, comparando com a situação econômica estável que o Brasil está vivendo”. O Banco Central mantém esses juros elevados, mesmo com o crescimento econômico e a redução do desemprego. “Essa política monetária faz com que o país pague cerca de R$ 700 bilhões de reais em juros da dívida. Você não vai fazer superávit primário nunca com esses R$ 700 bilhões”.
Crescimento das Emendas Parlamentares – Túlio Franco destacou o “sequestro” de verbas através das emendas parlamentares. “Tem dinheiro, mas esse dinheiro está na mão de grandes corporações que têm renúncia fiscal e do Congresso Nacional em emendas parlamentares que vão beneficiar suas bases especificamente, ou seja o uso privado de um dinheiro que deve ser de toda a nação.Então essas questões precisam ser colocadas muito claramente”.
Entre 2014 e 2023, as emendas parlamentares no orçamento do Ministério da Saúde cresceram 15 vezes, passando de R$1 bilhão para R$15 bilhões de reais. Durante o mesmo período, o orçamento geral da saúde não dobrou, o que significa que a participação das emendas parlamentares no orçamento da saúde cresceu seis vezes mais do que o próprio orçamento. Esse aumento impede um planejamento adequado no SUS, uma vez que as emendas abocanham quase 20% do orçamento da saúde, dificultando a execução de programas pactuados entre gestores federais, estaduais e municipais.
Para a diretora do Cebes, Ana Tereza, mesmo com a garantia do presidente de que não haverá ajustes fiscais sobre os mais pobres, o desfinanciamento do SUS é uma realidade concreta. “Se a lógica do Ministério da Fazenda for aplicada, haverá um maior desfinanciamento da saúde e isso terá impacto real na população e acho que a gente tem que começar a mostrar isso a ela”. Diante disso, é importante que haja um esforço para demonstrar à população o que significa o abocanhamento de recursos através das emendas e o o que é uma emenda parlamentar.
Importância da mobilização e informação – O presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto destacou a importância de buscar as informações diretamente na fonte e não apenas manter o foco na mídia tradicional. “A gente dialoga diretamente com a população e a gente traduz o que é desvincular recursos, o que é perder receita, o que é cortar gastos”.
Pigatto destacou que a mobilização em defesa da integridade da vinculação de recursos do orçamento destinados ao SUS e a importância de ampliar e manter o diálogo nesta defesa. “Ainda vivemos um desfinanciamento, mas estamos recuperando, acho que é importante a gente fazer essa avaliação aqui. Mas podemos intensificar a luta por mais recursos para o sistema Único de Saúde e trabalhando também na articulação com as outras áreas”, pontuou.
O debate completo está disponível no canal do Cebes no Youtube.