O SUS nas maiores cidades mineiras
Das três maiores cidades de Minas, Juiz de Fora e Uberlândia figuram entre os piores IDSUS do Brasil, enquanto Belo Horizonte figura entre as 10 melhores. Para Nilton Júnior, do Núcleo do Cebes de Campinas, médico sanitarista e pesquisador do Departamento de Saúde Coletiva da UNICAMP, “a diferença concentra-se na estrutura e qualidade dos sistemas municipais de saúde”. Confira!
O IDSUS de Belo Horizonte, Juiz de Fora e Uberlândia
Em março deste ano o Ministério da Saúde divulgou o Índice de Desempenho do Sistema Único de Saúde (IDSUS). Com o intuito de construir uma Política Nacional de Avaliação e Monitoramento do SUS, que considere múltiplas dimensões, triangule dados quantitativos e qualitativos, metodologias participativas e insira os diversos atores do SUS nesse processo, o IDSUS é um instrumento valioso e pioneiro na saúde pública brasileira, mas não o único.
Para construí-lo, o Ministério sistematizou informações de diversas fontes de dados nacionais (SUS, IBGE, IPEA, entre outros) enviadas pelos municípios e estados, entre 2008 e 2010, referentes a todos os níveis de assistência à saúde (atenção básica, ambulatorial, hospitalar e de urgência e emergência). O objetivo é dar maior transparência à população sobre a situação dos serviços de saúde pública em todo o país. Ao mesmo tempo será uma grande arma para os gestores municipais, estaduais e federal avaliarem e tomarem decisões para qualificar a saúde pública em cada município.
De acordo com o Índice, o Brasil tem uma nota de 5,47. A região Sul teve a melhor pontuação (6,12) e a região Norte a pior (4,67). Entre os estados, possuem índices mais altos Santa Catarina (6,29), Paraná (6,23) e Rio Grande do Sul (5,90). As menores pontuações são do Pará (4,17), de Rondônia (4,49) e Rio de Janeiro (4,58). Minas Gerais obteve uma média de 5,87. Para obter as notas regionais, estaduais e nacionais, fez-se média ponderada das notas municipais.
Os municípios foram classificados em 6 grupos de acordo com o perfil sócio-econômico, determinantes de saúde, condições de saúde da população, estrutura do sistema de saúde e porte populacional. No grupo 1 estão os 29 municípios mais ricos e com estrutura mais complexa; no grupo 6 estão as 2.183 menores cidades do país e com estrutura menos complexa. Em Minas Gerais apenas 3 cidades estão no grupo das cidades mais ricas e complexas: Belo Horizonte, Juiz de Fora e Uberlândia.
Entretanto, apesar das 3 cidades estarem no grupo das “melhores” cidades do Brasil, notamos uma profunda diferença entre Belo Horizonte, de um lado, e Uberlândia e Juiz de Fora, de outro. Como explicaríamos o fato de Belo Horizonte (6,4) estar entre as 10 melhores notas, enquanto Juiz de Fora (5,36) e Uberlândia (5,32) estão entre as 8 piores do grupo 1?
A diferença pode ser explicada de diversas maneiras, pois a realidade é complexa e multifatorial. O observador mais afoito pregaria imediatamente que a diferença se justifica por Belo Horizonte ser mais rica que as outras duas. Sim! Belo Horizonte, com mais de 2.300.000 habitantes, produz mais riqueza que Uberlândia (604.000 hab.) e Juiz de Fora (516.000 hab.). Mas o indicador correto para aferir a proporcionalidade da produção de riqueza com o porte populacional é o PIB (Produto Interno Bruto) dividido pela população. Assim, o PIB per capita de Belo Horizonte é R$ 18.000,00, de Juiz de Fora R$ 14.000,00 e de Uberlândia R$ 25.000,00. Se considerássemos apenas a riqueza do munícipio, Uberlândia deveria ser a cidade melhor classificada. Pelo contrário, é a pior entre as 3 cidades mineiras.
Teríamos outros elementos para analisar, como o grau de urbanização, densidade demográfica, extensão territorial, desigualdades sociais e outros indicadores sócio-econômicos, mas todos são muito semelhantes nessas cidades em questão. Notamos que a diferença concentra-se na estrutura e qualidade dos sistemas municipais de saúde.
Belo Horizonte construiu historicamente uma rede municipal pública de saúde, priorizando a Atenção Básica, na lógica da Estratégia Saúde da Família (78% de cobertura), não só nas áreas mais vulneráveis, e investiu na regionalização de serviços ambulatoriais e hospitalares espalhados por toda a cidade, inclusive em bairros distantes da região central. Estruturou uma rede de urgência e emergência integrada com a Atenção Básica e com as unidades ambulatoriais, interligadas por um dos melhores serviços pré-hospitalares do Brasil e todos os pontos da rede utilizam a mesma classificação de risco. Entretanto, mais importante que possuir uma ampla rede de serviços de saúde, a população necessita de serviços resolutivos e de qualidade. O IDSUS mostra que isso ocorre em Belo Horizonte, onde a efetividade da Atenção Básica é de 7,17 e a efetividade da Média e Alta Complexidade é 8,44.
Pela avaliação do IDSUS, Juiz de Fora mostra resultados satisfatórios na Atenção Básica, justificados pela implantação da Estratégia Saúde da Família, que ocorreu logo após a efetivação da política nacional, em 1994. Com 52% de cobertura de Saúde da Família, Juiz de Fora consegue uma boa nota na efetividade da Atenção Básica (9,63). Entretanto o acesso da população a todos os serviços da Atenção Básica ainda é insuficiente (5,22), principalmente na Saúde Bucal, com nota muito baixa se considerarmos a quantidade de equipes (2,03). Segundo o IDSUS, os principais problemas identificados no SUS em Juiz de Fora são o acesso da população aos serviços ambulatoriais e hospitalares de média e alta complexidade e a efetividade desses serviços (4,72), ou seja, a capacidade de assistir e resolver as principais necessidades de saúde da população.
Já Uberlândia, mesmo com o maior PIB per capita entre as 3 cidades, tem a pior nota do IDSUS. É mal avaliada no acesso e na efetividade dos serviços ambulatoriais e hospitalares e de urgência e emergência (5,85) e vai ainda pior na Atenção Básica (4,69). Apesar de ser uma das primeiras cidades no Brasil a adotar o modelo de Medicina Comunitária e construir alguns dos primeiros Postos de Saúde, ainda na década de 70, historicamente as gestões municipais priorizaram as parcerias com entidades privadas e filantrópicas para a ampliação de ações e serviços de saúde, em detrimento da construção de unidades públicas de saúde. A cobertura de Saúde da Família é uma das mais baixas do Brasil (24%), sendo que essa estratégia foi incorporada pelo município quase uma década após o lançamento da política nacional. A única referência pública de alta complexidade hospitalar do município é um Hospital Universitário Federal. Todas as unidades ambulatoriais e de pronto-atendimento são públicas, mas sob gerência de entidades privadas, sem fins lucrativos. Pelos indicadores de saúde fornecidos pelo próprio município, o IDSUS mostra um acesso ruim da população aos serviços de saúde (5,48), mas a qualidade e efetividade desses serviços são ainda piores (4,93).
Como nos lembra o professor Nelson Rodrigues dos Santos e o Fórum da Reforma Sanitária Brasileira, a manutenção do modelo médico hegemônico, a reforma do Estado inconclusa, o predomínio do velho modelo de gestão pública, o sub-financiamento, a precarização do trabalho, a promiscuidade da relação público-privada e as soluções que ignoram os determinantes estruturais das necessidades de saúde são os principais desafios do SUS na atualidade.
Concluímos essa breve e inicial análise das informações obtidas no IDSUS resgatando o compromisso ético-político dos trabalhadores, usuários, gestores e pesquisadores da Saúde Pública Brasileira de inserir definitivamente a saúde como política estruturante da gestão pública em todas as esferas de governo. A saúde é um direito constitucional de cidadania e não deve ser comercializada como mercadoria por empresários que visam apenas o lucro e não a melhoria da qualidade de vida e saúde das pessoas.
Fonte: Blog Saúde Brasil