A influência do Programa Mais Médicos
Influência do Programa Mais Médicos nos indicadores de Saúde
Por Fabíola Nunes*
A Constituição da República do Brasil estabelece o direito de todos à saúde e determina que compete ao Estado o dever de garanti-lo, mediante políticas públicas, sociais e econômicas, que visem à redução do risco de doenças e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Define, também, as ações e serviços de saúde como de relevância pública, garantindo que a saúde seja “sempre assegurada através da atuação de uma função pública estatal, mesmo quando prestada por particulares, sendo que apenas as suas ‘ações e serviços’ não têm exercício exclusivo do Estado”.
Inclui, entre as atribuições do Sistema Único de Saúde (SUS), a de ordenar a formação de recursos humanos na área da saúde (inciso III do artigo 200). Para o legislador, portanto, a formação de recursos humanos para a área da saúde no Brasil, tem o propósito de tornar disponível ao SUS os profissionais requeridos para que a população brasileira tenha o melhor nível de saúde possível.
No momento atual, de forma similar a sistemas de saúde de muitos outros países, o SUS está enfrentando uma crise causada pelo desencontro entre as condições de saúde e um sistema de saúde voltado para o atendimento de condições agudas, que é reativo, episódico, focado na doença e sem o protagonismo dos usuários no cuidado com sua saúde.
As condições de saúde brasileiras representam o resultado de transição demográfica, com envelhecimento da população e de situação epidemiológica, com tripla carga de doenças (infectocontagiosas ainda não controladas e/ou reemergentes; os agravos resultantes da violência; e doenças crônico degenerativas).
A literatura evidencia que os Sistemas Universais de Saúde que se fundamentam na Atenção Básica à Saúde (ABS), produzem melhores resultados em relação a impactos sobre o estado de saúde das populações atendidas e que, implantada de forma universal, a ABS pode resolver 80 a 85% dos problemas de saúde da população, vez que atua mais precocemente sobre a rede de causalidade das doenças.
O consultor em saúde pública, Eugênio Vilaça Mendes, analisa de forma muito abrangente a situação da Atenção Primária (APS) na literatura. Cita especificamente revisões da literatura realizada: por Macinko e Starfield em 2003 (sobre países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico); pelo Health Council of the Netherlands, em 2004; pela Health Evidence Network, em 2004; pela Organização Pan-Americana da Saúde, em 2007; pela Organização Mundial da Saúde, em seu relatório sobre a saúde mundial em 2008; por Nedel et alli, em 2010 sobre condições sensíveis à atenção primária nos Estados Unidos e no Canadá; Kringos, DS et alli, em 2010, sobre estudos europeus. E conclui sua abrangente análise da literatura internacional sobre a APS, afirmando:
“As avaliações produzidas pelos numerosos estudos, realizadas em grande número de países e regiões, permitem concluir que há evidências robustas, na literatura internacional, sobre os resultados positivos da APS nos sistemas de atenção à saúde.
Com base nessa revisão, pode-se afirmar que os sistemas de atenção à saúde baseados numa forte orientação para APS em relação aos sistemas de baixa orientação para APS, são: mais adequados, porque se organizam a partir das necessidades de saúde da população; mais efetivos porque são a única forma de enfrentar consequentemente a situação epidemiológica de hegemonia das condições crônicas e por impactar significativamente os níveis de saúde da população; mais eficientes porque apresentam menores custos e reduzem procedimentos mais caros; mais equitativos porque discriminam positivamente grupos e regiões mais pobres e diminuem o gasto do bolso das pessoas e famílias; e de maior qualidade porque colocam ênfase na promoção da saúde e na prevenção de doenças e porque ofertam tecnologias mais seguras para as pessoas usuárias e para os profissionais de saúde.”
No Brasil, a introdução do Programa de Saúde da Família (PSF) tem estimulado uma robusta produção de pesquisa sobre a Atenção Básica à Saúde (ABS)/Estratégia de Saúde da Família (ESF), o que permitiu um posicionamento sobre a questão baseado em evidências científicas e não meramente opinativo. Segundo Macinko, citado por Vilaça no período de 1998 a 2009 foram mencionados no Pubmed um total de 297 artigos.
Vilaça afirma que “as evidências produzidas pelos estudos avaliativos apresentados, em diferentes regiões do Brasil, indicam de forma clara, que os resultados do PSF são muito positivos e superiores aos do modelo tradicional, mesmo atendendo, em geral, a uma população de maior vulnerabilidade social. Isso ocorre porque, por um lado, organiza processos e produz impactos significativos nos níveis de saúde da população e sobre outras políticas como educação emprego; de outro porque mostram, a partir, principalmente, de avaliações comparativas, que utilizaram o PCATool [metodologia de avaliação da APS], como a forma de organização a APS, é superior ao modelo tradicional”.
A literatura nacional e internacional, portanto, já está repleta de estudos que analisam e avaliam o impacto da ABS/ESF, utilizando diversas metodologias. Os resultados positivos mostrados trazem substancial volume de evidências científicas vêm consolidando o consenso de que a ABS/ESF é a forma mais adequada de organização da porta principal de entrada a Sistemas de Saúde.
O Brasil decidiu mudar o modelo de oferta de serviços de atenção direta a pessoas do SUS e priorizar a ABS com a Estratégia de Saúde da Família (ESF) no processo de transformação do modelo e de consolidação do SUS.
A Portaria MS nº 2.488, de 21/10/2011, que aprova a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), define a Estratégia de Saúde da Família (ESF), entre os seus fundamentos e diretrizes; e especifica que, para a PNAB, os termos Atenção Básica e Atenção Primária a Saúde, nas atuais concepções, são considerados termos equivalentes e associa ambos os termos os princípios e diretrizes nela definidos.
Os níveis de cobertura de ABS/ESF no Brasil – 53% da população brasileira, em 2010 – ainda são insuficientes para assegurar o direito universal à saúde, não obstante já apresentam resultados bastante positivos.
Um artigo do British Medical Journal (BMJ, 2014, 349) – que relata resultados de pesquisa de abrangência nacional, com utilização de metodologia cuidadosamente planejada e complexa e de analises estatísticas sofisticadas – demostrou que a cobertura com ABS/ESF está associada à redução da ocorrência, de hospitalizações e dos coeficientes de mortalidade por doenças cardio e cerebrovasculares, incluídas na lista brasileira de Condições Sensíveis à Atenção Primária em Saúde (CSAP).
As reduções observadas na mortalidade por doenças cardiovasculares foram de 44,6% e, por doenças cerebrovasculares, de 32,7%. Nos municípios onde a cobertura de ABS/ESF foi maior, também maiores foram as reduções da ocorrência das internações e da mortalidade por estas causas.
A pesquisa foi realizada no período de 2000 a 2009, com dados referentes a 1.622 municípios brasileiros (30% do total) que preencheram os critérios de adequabilidades da informação vital disponível. As doenças cardio e cerebrovasculares são as mais importantes causas de óbito no Brasil.
A redução citada ocorreu, apesar de que os níveis de cobertura da ABS/ESF no Brasil ainda sejam de apenas 53% da população. A pesquisa verificou ainda um aumento nas atividades de educação sanitária, um maior número de visitas domiciliares e de consultas médicas e de outros profissionais de saúde, com o aumento dos níveis de cobertura por ABS/ESF.
Todas estas intervenções de saúde pública, em conjunto, fazem parte da Estratégia de Saúde da Família (ESF), preconizada pelo Ministério da Saúde, e possibilitam um melhor acompanhamento dos pacientes portadores de doenças crônicas, em especial das doenças cardio e cerebrovasculares.
Os resultados da pesquisa mostraram também que os óbitos por acidentes, usados como controle negativo e que não são sensíveis à ABS/ESF, aumentaram no mesmo período. Esta pesquisa representa um marco importante no conhecimento científico dos efeitos da Atenção Básica da Saúde. Confirma o que diversas publicações apontavam de forma localizada e parcial em diversos pontos do Brasil. Demonstra o impacto positivo da ABS/ESF sobre os indicadores de saúde no Brasil.
Ordenar a formação de médicos para o SUS significa implementar medidas que assegurem a distribuição de médicos no território nacional, além de garantir que os egressos das Escolas Médicas nacionais conheçam a realidade brasileira e desenvolvam compromisso com a resolução dos problemas de saúde da população de seu país. Ordenar a formação de médicos é igualmente deixar de formar com recursos públicos um número excessivo de especialistas que o perfil epidemiológico da população brasileira não demonstra ser necessários. É isto o que principalmente almeja o Programa Mais Médicos (PMM).
Uma das dificuldades encontradas para atingir a cobertura universal da ABS/ESF no Brasil é que o número de médicos por mil habitantes é menor do que o observado em muitos outros países, inclusive da América do Sul, o que é insuficiente para atingir as metas desejadas. A situação é mais grave quando se estuda a distribuição dos médicos no território nacional. A oferta de empregos nos últimos dez anos excedeu em 53 mil cargos o número de novos médicos formados e, como consequência, os gestores municipais não têm conseguido contratar os médicos que precisam.
Implementar a extensão de cobertura da ABS/ESF e, ao mesmo tempo, reordenar a formação de médicos, possibilita que concomitantemente sejam consideradas e articuladas as necessidades acadêmicas (de distribuição das Escolas Médicas, de ambientes docentes, e de outros recursos acadêmicos) e as necessidades de reorganização da ABS/ESF. As duas metas se articulam com o mesmo objetivo de mudar o modelo de oferta de serviços no SUS.
A extensão da cobertura da ABS/ESF e a ordenação da formação de médicos constituem metas de alcance nacional, ambiciosas e processuais. Ambas necessárias à consolidação do SUS; ambas devendo ser vistas com um caráter de urgência.
Programa Mais Médicos (PMM)
O Programa Mais Médicos (PMM) foi criado através da Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. A criação do PMM atendeu, não só a dever constitucional do Estado brasileiro de ordenar a formação de recursos humanos para a saúde, mas à solicitação de apoio federal feita diretamente à presidente da República por prefeitos de diversos municípios brasileiros em janeiro de 2013. Na tentativa de implantar em seus municípios a ABS/ESF, os prefeitos encontraram dificuldades em contratar médicos, sobretudo nos pequenos municípios do interior e nas periferias de grandes cidades do país.
O PMM integra o conjunto de políticas públicas voltadas para a ordenação de recursos humanos para a saúde. Representa uma ação governamental intersetorial e articulada de órgãos públicos da saúde e da educação, nos três níveis da organização político-administrativa do país, coordenada, a nível federal, pelos Ministérios da Saúde e da Educação. Nos Estados e Municípios participam da execução do PMM as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde e Universidades públicas e privadas.
Para implantação do PMM foram escolhidos municípios que se enquadram nos critérios definidores das regiões prioritárias para o SUS que, por sua vez, foram definidas através da Portaria MS/MEC/MDS nº 1369/2013. São áreas de difícil acesso e provimento de médicos ou que possuam populações em situação de maior vulnerabilidade, e que se enquadrem em pelo menos uma das seguintes condições:
1 – Ter no município 20% ou mais da população vivendo em extrema pobreza, com base nos dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), disponíveis no endereço eletrônico: www.mds.gov.br/sagi;
2 – Estar entre os 100 municípios com mais de 80 mil habitantes, com os mais baixos níveis de receita “per capita” e alta vulnerabilidade social de seus habitantes;
3 – Estar situado em área de atuação do Distrito Sanitário Especial Indígena (CSEI/SESAI/MS), órgão integrante da Estrutura Regimental do Ministério da Saúde;
4 – Estar nas áreas referentes aos 40% dos setores censitários com os maiores percentuais de população em extrema pobreza dos municípios (conforme alteração da Portaria MDS 1493/2013).
Para cada município que se enquadrou nos critérios de inclusão, o prefeito, de maneira voluntária e explicita, solicitou adesão ao PMM, formalizou compromisso de implantá-lo e assumiu responsabilidades definidas no programa. Se algum desses municípios não tinha e continuou sem médico é porque o prefeito não considerou oportuna a inserção do município no PMM e não solicitou a adesão de mesmo. O Programa de Profissionalização dos Trabalhadores de Enfermagem (PROFAE) do SUS é um exemplo de programa desta natureza, naturalmente com peculiaridades próprias.
O PMM é equivalente a outros programas com o mesmo objetivo final de assegurar a oferta dos profissionais de saúde que o país precisa para a consolidação e sustentação do SUS.
Os objetivos do PMM são:
1 – Diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS, a fim de reduzir as desigualdades regionais na área da saúde;
2 – Fortalecer a prestação de serviços de atenção básica em saúde no país;
3 – Aprimorar a formação médica no país e proporcionar maior experiência no campo de prática médica durante o processo de formação;
4 – Ampliar a inserção do médico em formação nas unidades de atendimento do SUS, desenvolvendo seu conhecimento sobre a realidade de saúde da população brasileira;
5 – Fortalecer a política de educação permanente com a integração ensino–serviço por meio da atuação das instituições de educação superior na supervisão acadêmica das atividades desempenhada pelos médicos;
6 – Promover a troca de conhecimentos e experiências entre profissionais da saúde brasileiros e médicos formados em instituições estrangeiras;
7 – Estimular a realização de pesquisas aplicadas ao SUS.
A leitura dos objetivos do PMM mostra que a maioria deles diz respeito à formação de médicos no país. Os objetivos relacionados com a educação médica devem ser avaliados com métodos apropriados aos processos de formação, com utilização de indicadores pertinentes (no caso de um programa da natureza do PMM, enfatizando a avaliação dos processos de ensino-serviço). As atividades de pesquisas também têm seus próprios indicadores e métodos de avaliação.
Processos de avaliação de programas como o PMM procuram responder a perguntas específicas, devem ter um foco claramente definido e analisam características selecionadas deste programa, podendo ser realizados através de diferentes métodos e com diversos indicadores.
O interesse em avaliar o impacto do PMM através dos indicadores de saúde remete, principalmente, ao estudo da consecução do objetivo 2 do PMM, de contribuir para o fortalecimento da ABS/ESF. Neste caso serão utilizados os indicadores de impacto da ABS/ESF e seu ritmo de crescimento como formas de inferir a contribuição do PMM. Sem esquecer que o objetivo principal do PMM é a ordenação da formação médica. O PMM não é um programa prioritariamente assistencial, suas atividades assistenciais são transitórias e limitam-se a Atenção Básica.
Uso de indicadores de saúde na avaliação do PMM
Presente em 95% dos municípios brasileiros, os programas de ABS/ESF foram implantados em épocas e de forma diferente, sendo que seus projetos de ABS corresponderam a diferentes concepções de ABS adotadas no período de suas respectivas implantações, nem sempre completamente ajustadas à Estratégia de Saúde da Família.
O PMM possibilitou a inserção de um número significativo de médicos na ABS/ESF e deve resultar num incremento no ritmo de extensão de sua cobertura e na sua reorganização com o propósito de adotar completamente a ESF, onde seja necessário. O incremento acelerado de médicos na ABS/ESF já apresenta resultados iniciais no impacto da ABS/ESF, como podem ser visto nos quadros abaixo:
Contudo é muito importante lembrar que o propósito global do PMM é o de ordenar a formação de médicos. Se, entre os seus objetivos está o de “contribuir para o fortalecimento da Atenção Básica em Saúde”, isto se deve ao fato de que para a mudança desejada na formação de médicos é necessário que a maior parte do treinamento em serviço destes novos médicos seja em contextos de prestação de serviços que atendam e resolvam a maior parte dos problemas de saúde da população brasileira, para que os egressos das Escolas Médicas estejam familiarizados com a realidade de seu país, comprometidos com a melhoria da saúde da população brasileira e familiarizados com as políticas públicas que visam a consolidação e sustentabilidade do SUS. Ou seja que o treinamento em serviço seja na Atenção Básica.
Estes fatos, além dos resultados que a ABS/ESF tem dado, torna urgente e prioritária a extensão de cobertura da ABS/ESF, com vistas à cobertura universal, tarefa de alta relevância pública, que pode receber a contribuição de médicos estrangeiros, cuja condução, entretanto, é tarefa indelegável do Estado brasileiro, em ação articulada de seus três níveis de organização.
O PMM poderá parcialmente ser avaliado através do impacto na extensão da cobertura da ABS/ESF e na sua reorganização, onde seja necessária. Se esta for a opção, deve ser levado em conta o fato de que nem todas as doenças ou agravos à saúde são sensíveis à Atenção Básica, contudo existem problemas de saúde que são atendidos por ações típicas do primeiro nível de atenção e cuja evolução, na falta de atenção oportuna, pode exigir hospitalização. Estes problemas são conhecidos como Condições Sensíveis à Atenção Básica (CSAB).
Altas taxas de internações por condições sensíveis à atenção primária e a ocorrência de doenças que podem ser prevenidas ou tratadas na ABS/ESF têm sido associadas a deficiências na cobertura dos serviços e/ou à baixa resolutividade da ABS/ESF para determinados problemas de saúde.
O Ministério da Saúde criou a Lista Brasileira de Condições Sensíveis à Atenção Básica (LCSAB) para facilitar o estudo destas condições, permitindo comparações. A referida lista pode ser vista a seguir e inclui, dentre os códigos da Classificação Internacional de Doenças, em sua 10ª revisão, apenas aquelas condições cuja evolução pode ser alterada positivamente com as intervenções da ABS/ESF.
São especificamente as alterações na ocorrência, nas internações e nos coeficientes de mortalidades por estas causas que permitem avaliar o impacto do aumento de cobertura e da capacidade resolutiva das ações incluídas nos projetos de ABS/ESF.
O conjunto de evidências científicas disponíveis até o momento, fornece sólida fundamentação e permite afirmar que a proposta de organização de Sistema de Saúde Universal fundamentado na ABS/ESF, como normatizado pelo Ministério da Saúde, é o padrão mais adequado à consolidação do SUS no Brasil.
O artigo do British Medical Journal (BMJ, 2014, 349) – de abrangência nacional, com a utilização de metodologia cuidadosamente planejada e complexa – além das análises estatísticas sofisticadas, representa um marco importante no conhecimento científico dos efeitos da Atenção Básica da Saúde e seu impacto positivo sobre os indicadores de saúde no Brasil. Seus autores, inclusive, generalizam as conclusões para países semelhantes.
Os resultados desta pesquisa e o grande número de evidências já disponíveis dão suporte científico à urgência na implementação de medidas para a obtenção de cobertura universal de ABS/ESF, como ação governamental prioritária voltada para a mudança do modelo de oferta de serviços de atenção direta a pessoas e na consolidação do SUS no Brasil.
Sob a condução articulada do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde e com médicos brasileiros, o país já logrou atingir 53% de cobertura populacional com a ABS/ESF. Não obstante, mesmo desejosos de contribuir para a consolidação do SUS, os médicos brasileiros são, no momento, numericamente insuficientes para assegurar a cobertura universal da Atenção Básica de Saúde, com a Estratégia de Saúde da Família, necessária à garantia do direito constitucional à saúde.
Ao implantar o PMM o governo teve a preocupação de, em primeiro lugar, oferecer as vagas disponíveis a médicos brasileiros que desejassem trabalhar nas áreas onde se faziam necessário a sua presença. Dessa oferta inicial resultou um pequeno número de cargos preenchidos e cada médico que aceitou um cargo escolheu, dentre os municípios que precisavam de médicos, aquele onde desejavam trabalhar. Em seguida a oferta foi feita a médicos formados no exterior que, autonomamente desejavam trabalhar no país e ainda assim não se conseguiu preencher todos os cargos. Por fim, fez um convênio internacional com a Organização Pan Americana da Saúde para o preenchimento dos cargos restantes, com o qual conseguiu colocar médicos nos demais municípios que se enquadravam nos critérios de regiões prioritárias para o SUS.
O PMM é uma iniciativa que – respeitando a devida prioridade de empregos para médicos brasileiros – vem contribuindo para produzir o incremento necessário no ritmo de implantação da ABS/ESF. Transitoriamente, através da contratação de médicos estrangeiros e, de forma definitiva, com a ordenação da formação de médicos.
Independentemente do PMM, os médicos brasileiros podem contar, em cada momento histórico do desenvolvimento do SUS, com a contribuição de médicos estrangeiros, em maiores ou menores quantidades, como já fazem diversos outros países. O PMM integra um conjunto de políticas governamentais, interconectadas, de ordenação da formação de Recursos Humanos para a saúde, todas orientadas com o propósito de que o Brasil disponha dos médicos que necessita para a consolidação do Sistema Único de Saúde, fundamentado na ABS/ESF.
A ordenação da formação dos médicos conhecedores da realidade sanitária nos diferentes pontos do Brasil, comprometidos com a sua melhoria constante, capazes de contribuir para a implantação das políticas públicas voltadas para a melhoria da situação de saúde da população brasileira é da responsabilidade dos órgãos responsáveis pela Educação. Deve, não obstante, ser articulada com os órgãos responsáveis pela gestão da Saúde, que empregarão os profissionais formados e são responsáveis pela gestão do SUS.
Os gestores do SUS, nos três níveis, estão trabalhando para expandir a ABS/ESF e aprofundar a organização das Unidades Básicas de Saúde (UBS), aprimorando a operacionalização da ABS/ESF. Os profissionais que atuam na ABS prestando atenção episódica – a pacientes que demandam espontaneamente – sem envolvimento com as medidas de promoção e proteção da saúde e sem preocupação com organizar o acompanhamento multiprofissional das pessoas portadoras de doenças crônicas – todos, devem integrar o processo de reorganização do trabalho nas UBS em que trabalham, de acordo com a Política Nacional de ABS/ESF.
Desta forma estarão fundamentando seu trabalho nas evidências científicas disponíveis a nível nacional e internacional, além de contribuírem para, mais rapidamente reduzir as ocorrências, as hospitalizações e os óbitos por causas sensíveis à ABS/ESF.
A consolidação do SUS é um processo técnico, político e social. Num país de dimensões continental como o Brasil, e com uma organização do Estado em vários níveis, a consolidação do SUS tem uma grande complexidade e envolve múltiplos interesses. Não obstante, o SUS fundamentado na cobertura universal da ABS/ESF, se consolidará mais celeremente, contando com o compromisso e o envolvimento ativo de um número cada vez mais significativo de cidadãos (entre os quais de médicos brasileiros e de suas entidades representativas).
Se cabe ao Governo o dever constitucional de garantir o direito à saúde de todos; aos médicos brasileiros compete a obrigação de exercer sua profissão colocando-a a “serviço da saúde do ser humano e da coletividade, sem discriminação de qualquer natureza”, utilizando “o melhor progresso científico em benefício do paciente”, como determina o Código de Ética Médica, no Capítulo I, Artigos 1º e 5º.
A análise dos documentos que estabeleceram o PMM evidencia o cuidado de seus idealizadores com a preservação dos direitos adquiridos de médicos que já estão em exercício no Brasil, sem contudo deixar de considerar que o Governo – não importa a que partido pertença – tem o dever maior de assegurar a saúde da população, utilizando para isto as bases científicas disponíveis.
*Fabíola de Aguiar Nunes é médica sanitarista, ex-secretária de Saúde do Distrito Federal e foi integrante da diretoria ampliada do Cebes na gestão Roberto Nogueira (2009-2010)