Consultora jurídica do Idec fala ao Blog do Cebes sobre a polêmica gerada pela proposta de regulamentação da propaganda de alimentos
A proposta de regulamentar a veiculação de propagandas de alimentos gera conflitos e divergências, sobretudo entre os órgãos que defendem os direitos do consumidor e a saúde da população brasileira versus as empresas do setor alimentício e as que estão vinculadas à publicidade.
A advogada e consultora jurídica do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Andrea Salazar, afirma que a gravidade deste problema vem sendo alertada pela Organização Mundial de Saúde desde 2003. “De acordo com a OMS, a estimativa é que, nos próximos dez anos, a obesidade será a principal causa de morte evitável em todo o mundo, superando o número de óbitos causados pelo cigarro”, comenta.
Uma pesquisa recente do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição, da Universidade de Brasília (UnB), revelou que 72% das propagandas de alimentos vendem más opções para a saúde dos brasileiros. Como objetivo principal, o levantamento pretende fomentar a discussão sobre a regulamentação da publicidade de alimentos e também apontar estratégias que possam servir para a produção de uma futura regulamentação.
De acordo com o estudo, as mensagens das propagandas analisadas contribuíam para o consumo de produtos com altos teores de gorduras, açúcares e sal; dieta que pode promover o aumento de doenças crônicas como obesidade, hipertensão e diabetes. Além disso, aproximadamente 42% das peças publicitárias, dentre as 237 observadas, eram destinadas exclusivamente ao público infantil.
Inúmeros estudos de importantes instituições – como o Institute of Medicine of the National Academies, por exemplo – comprovam que as propagandas televisivas podem influenciar as preferências, sobretudo dos mais jovens, na escolha dos alimentos, além de associarem o sobrepeso entre crianças e adolescentes à exposição das propagandas de televisão. A esta conjuntura soma-se o fato de a propaganda de alimentos estar vinculada a investimentos generosos do setor publicitário, o que aumenta a eficácia dos anúncios sobre as escolhas dos consumidores.
Andrea acredita que o Ministério da Saúde tem o dever de regulamentar a propaganda de alimentos que possam causar danos à saúde de crianças e adolescentes. Estes alimentos constituem-se naqueles com quantidades elevadas de açúcar, gordura saturada, gordura trans, sódio e bebidas com baixo teor nutricional, segundo a proposta de resolução – CP nº. 71/2006, apresentada ao Senado pela Anvisa em março deste ano.
Segundo a advogada, o Ministério da Saúde está obrigado a imprimir avanços nas políticas públicas em prol da proteção deste público ainda mais vulnerável, em obediência à Constituição Federal de 1.988, ao ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente e ao Código de Defesa do Consumidor; e ainda por conta de todo o arcabouço destinado ao direito à saúde. A Convenção sobre os Direitos da Criança (artigo 24) e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (artigos 11 e 12), ratificados por nosso país, também garantem proteção a este público. “O contexto atual torna urgente a atuação do governo. Estamos diante da pandemia da obesidade, presente tanto em países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento”, alerta Andrea.
No Brasil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente, 12,7% das mulheres e 8,8% dos homens adultos brasileiros são obesos e o crescimento acelerado do sobrepeso nas últimas décadas é ainda mais expressivo entre as crianças e adolescentes. Em 1974, o excesso de peso atingia 4,9% das crianças entre 6 e 9 anos de idade e 3,7% entre os adolescentes de 10 a 18 anos, enquanto entre 1996-97 alcançou 14%, na faixa etária de 6 e 18 anos.
Para Andrea, neste cenário um dos principais obstáculos ao combate à obesidade e a outras doenças provocadas pelos alimentos prejudiciais à saúde é a publicidade que, de certa forma, dita os padrões de consumo contrários a uma alimentação saudável. “O público infantil é o principal alvo das publicidades de alimentos que se valem de brindes, “personagens” do seu universo e outros atrativos para induzi-los ao consumo”, completa.
Porém o embate da regulamentação da propaganda de alimentos enfrenta, por um lado, a restrição da publicidade para proteção da saúde e, por outro, o direito à publicidade como uma garantia da liberdade de expressão.
O setor publicitário lançou, recentemente, um manifesto afirmando que “é a publicidade que viabiliza, do ponto de vista financeiro, a liberdade de imprensa e a difusão de cultura e entretenimento para toda a população. É a publicidade que torna possível a existência de milhares de jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão, assim como de outras expressões da mídia”.
A consultora do Idec acredita que estas declarações demonstram, com clareza, a avidez com que os setores interessados irão lutar para manter os anúncios publicitários e garantir suas vendas. “Somente um trabalho estratégico, intensivo e conjunto, envolvendo organizações, conselhos de saúde, conselhos de classe, governos e escolas será capaz de conscientizar a população sobre a importância da alimentação saudável e estabelecer limites mais adequados aos produtos prejudiciais à saúde. Frente ao poder da publicidade essa empreitada torna-se tanto mais necessária quanto difícil”, defende Andrea.
Algumas organizações da sociedade civil, como o Idec e o Instituto Alana, estão buscando intervir nas políticas públicas voltadas à alimentação como um fator determinante da saúde, por meio do levantamento de questões como a publicidade de alimentos não saudáveis, o uso excessivo de agrotóxicos e transgênicos, que também são elementos-chaves de conflitos de interesses.
Sobre a co-relação entre a regulamentação da propaganda de bebidas e a de alimentos, Andrea argumenta que a questão de fundo é a mesma. Ambas as discussões contrapõem a proteção da saúde da população e o interesse das empresas fabricantes de produtos prejudiciais à saúde, como os de bebidas alcoólicas e alimentos não saudáveis.