Amil é dos americanos por R$10 bilhões
Isto é Dinheiro – 15/10/2012
A gigante americana UnitedHealth Group compra a maior operadora brasileira de planos de saúde, por R$ 10 bilhões. Conheça os bastidores da transação e saiba como fica o mercado.
O médico paulista Edson de Godoy Bueno, fundador da Amil, se viu diante de um enorme desafio na segunda-feira 8. Após trabalhar até às três horas da madrugada, ele teve de encarar, logo pela manhã, uma teleconferência com investidores estrangeiros. Além de enfrentar o cansaço, Bueno viu-se obrigado a comunicar-se em inglês, idioma que admite não dominar. Apesar disso, a felicidade estampada em seu rosto contagiava. Não era para menos. Algumas horas antes, ele havia assinado um acordo para vender a sua empresa, a maior operadora de planos de saúde do Brasil, para a americana UnitedHealth Group. “Chefe, estamos nos unindo aos melhores do mundo”, disse a jornalistas, na mesma segunda feira, o empresário, que costuma chamar a todos pelo carinhoso qualificativo.
“Em três anos, você vai ver, a Amil será uma empresa muito melhor.” O negócio, o maior já anunciado no setor de saúde brasileiro e o mais vultoso registrado neste ano no País, vai movimentar cerca de R$ 10 bilhões. “O potencial de crescimento do mercado brasileiro justifica um investimento tão alto”, afirmou Stephen Hemsley, presidente da UnitedHealth. A venda da Amil será efetivada em duas etapas. Na primeira, a UnitedHealth vai adquirir, por R$ 6,5 bilhões, 60% das ações da holding Amilpar, que pertencem a Bueno e sua bilionária ex-mulher, Dulce Pugliese (leia mais ao final da reportagem). Na sequência, a companhia americana fará uma oferta pública para comprar outros 30% da Amil, que estão nas mãos dos acionistas minoritários.
Bueno e Dulce manterão em conjunto, por pelo menos cinco anos, os 10% restantes da empresa. Nesse período, o empresário permanecerá como presidente da operadora. Ele também se comprometeu a adquirir 0,9% da UnitedHealth, por US$ 470 milhões. Apesar de reduzida, essa participação é suficiente para transformá-lo no maior acionista individual da companhia americana. Com isso, Bueno garantiu o direito de assumir uma cadeira no conselho de administração da empresa. Essa foi uma exigência do empresário para fechar o negócio. “Se eu ficasse apenas como presidente da Amil, seria esmagado”, afirma Bueno. “Estou vendendo, mas já falei para minha mulher que não vou parar de trabalhar.” Ele é casado com Solange Medina.
É fácil de entender a preocupação de Bueno. A Amil atende mais de 5,8 milhões de usuários com seus planos de saúde, opera 22 hospitais próprios e conta com cinco mil funcionários. No ano passado, o faturamento da empresa chegou a R$ 9,27 bilhões e o lucro líquido superior a R$ 170 milhões. A companhia é líder do mercado brasileiro de saúde suplementar, com uma fatia de 9%. São números, sem dúvida, superlativos para o Brasil. Mas acanhados se comparados aos da nova controladora. Em 2011, a UnitedHealth faturou US$ 102 bilhões, o equivalente a R$ 205 bilhões, possui 78 milhões de beneficiários e emprega 99 mil funcionários. A negociação para a aquisição da Amil foi difícil e demorada. As conversas demoraram mais de três anos.
O primeiro contato entre as duas empresas envolveu o diretor-financeiro da Amil, Erwin Kleuser, e o vice-presidente da companhia americana, Simon Stevens. “Eles me ligaram dizendo que gostariam de conhecer a empresa”, diz Kleuser. “Respondi que as portas estavam abertas.” Ao saber do interesse, Bueno não se mostrou tão receptivo. Na época, disse que não tinha nada para falar com os americanos. Mas não demorou muito para que Erwin vencesse a resistência de Bueno. “Edson, é a maior empresa do mundo, precisamos conhecê-los nem que seja para aprender alguma coisa”, dizia ele ao patrão, na tentativa de convencê-lo. Deu certo.
“Desde que aceitei conversar, eles não largaram mais do meu pé”, afirma Bueno, que a partir daí se convenceu de que era hora de vender seu negócio. Por esse motivo, suas negociações não ficaram restritas à UnitedHealth. Um grupo de investidores chineses foi visto saindo do prédio onde mora o empresário. Ocorreram conversas sérias também com a WellPoint, vice-líder de mercado nos Estados Unidos e principal concorrente da UnitedHealth. Bueno chegou a se encontrar com Angela Braly, ex-CEO da WellPoint, algumas vezes. O negócio esfriou depois que Angela renunciou ao posto, em agosto deste ano, por conta dos fracos resultados sob sua gestão.
DIVERGÊNCIAS O principal entrave para o acordo com a UnitedHealth estava nos hospitais que pertencem à Amil. Bueno não pretendia vender essa área. No ano passado, somente com serviços para terceiros, que não incluem os atendimentos prestados aos beneficiários da Amil, o faturamento com esses hospitais foi de R$ 611 milhões, ante R$ 374 milhões em 2010. Os americanos bateram o pé e levaram toda a rede da empresa brasileira. “Eles analisaram tudo, queriam saber até a cor da nossa cueca”, brinca o empresário. Trata-se de um negócio novo para a UnitedHealth, que não possui rede própria nos Estados Unidos. Para entregar os hospitais, Bueno exigiu permanecer no comando da Amil, tendo a possibilidade de formar um sucessor. Sua meta é encontrar um executivo, na faixa dos 40 anos de idade, para assumir a empresa após sua saída, daqui a cinco anos.
A preferência é por um brasileiro. Seus dois filhos, Camila e Pedro, não trabalham na empresa e não têm interesse no negócio, segundo o próprio Bueno. Pedro, o mais novo, de 22 anos, é economista e trabalhou, nos últimos dois anos, no banco BTG Pactual, de André Esteves. “Quero que eles sejam felizes”, afirma Bueno. “É muito difícil, para qualquer um trabalhar à sombra do pai.” Mas é exatamente na inclusão dos hospitais que reside a parte mais polêmica dessa transação bilionária. No Brasil, não é permitido que estrangeiros façam investimentos nesse tipo de negócio, por se tratar de um serviço essencial à população. Para evitar essa interpretação, a estratégia, que já foi utilizada no passado por outras companhias da área, foi colocar os hospitais sob o comando de uma empresa de planos de saúde.
Dessa forma, alega Bueno, é permitido que estrangeiros controlem prestadores de serviços médicos e hospitalares. Em nota, a Agência Nacional de Saúde (ANS) corroborou essa tese. Mas o assunto é polêmico. Segundo o advogado Sergio Parra, especializado no mercado de saúde, é a Constituição brasileira que proíbe o controle de hospitais por estrangeiros. Portanto, nenhuma outra lei pode se sobrepor a ela. A ANS ainda vai analisar a aquisição. Se for aprovada, como tudo indica, a aquisição da Amil foi a segunda maior feita pela UnitedHealth em sua história, ficando atrás apenas da compra da também americana PacificCare, em 2004, por US$ 9,2 bilhões. “O Brasil lembra muito o mercado americano”, disse Hemsley, da UnitedHealth, justificando o negócio. “Só que há 20 anos.” Por aqui, há ainda muito potencial de crescimento, pois os planos de saúde cobrem apenas 25% da população.
Nos Estados Unidos, 78%. Segundo o analista do BB Investimentos, Mário Bernardes Jr., a expectativa para o setor é de crescimento por, pelo menos, mais cinco anos. “É um mercado que se beneficia do aumento da renda e do baixo nível de desemprego”, diz. Outro motivo que leva os americanos a olharem para fora de suas fronteiras é a reforma do setor de saúde pública nos Estados Unidos proposta pelo presidente Barack Obama. Apelidado de ObamaCare, o novo sistema público ameaça tirar uma parte dos clientes das empresas privadas. Ele amplia o atendimento para os idosos, uma das principais faixas atendidas pela UnitedHealth. As operadoras de planos de saúde do país tentaram barrar a reforma apoiando ações contra a legislação na Justiça, mas foram derrotadas na Suprema Corte, em junho.
AQUISIÇÕES Com o desembarque dos americanos, a expectativa é de uma onda de consolidação no setor, puxado por investimentos estrangeiros. O mercado brasileiro de saúde é disputado por mais de 1,6 mil operadoras. Nos Estados Unidos, são cerca de 400. “Há muito espaço para consolidação”, afirma Ronaldo Damaceno, consultor especializado no mercado de saúde. “O Edson abriu a porta para os estrangeiros no País.” O fato de investidores chineses e outras empresas americanas, como a WellPoint, terem tentado comprar a Amil já é um indício do que está por vir. Para o presidente da SulAmérica Seguros, Thomaz Cabral de Menezes, o investimento da UnitedHealth mostra que não existe melhor mercado, atualmente, do que o brasileiro. “A chegada de uma empresa desse porte deve trazer novas tecnologias e serviços para o mercado”, afirma Cabral de Menezes.
“Tenho muito respeito pela conquista do Edson.” O presidente da Hapvida, Jorge Pinheiro, uma das cinco maiores empresas de saúde do mercado, também acredita em mais investimentos externos. “O potencial do setor de saúde do Brasil está sendo reconhecido”, afirma Pinheiro. Os clientes da Amil também podem esperar mudanças. Fundada em 1977, a UnitedHealth cresceu oferecendo uma alternativa ao atendimento público de saúde para a classe média americana, especialmente para o público da terceira idade. O modelo de negócios da companhia é baseado, principalmente, na adoção de tecnologias. Por meio de sua subsidiária Optum, ela desenvolve softwares que ajudam a padronizar os procedimentos médicos. A UnitedHealth foca-se também na prevenção de doenças, oferecendo aos clientes informações sobre como ter uma vida mais saudável.
O objetivo é reduzir os gastos com intervenções médicas. No Brasil, a nova classe média estará no centro das atenções da empresa. Já Bueno continua com planos ambiciosos. “Agora vou trabalhar para assumir a presidência do conselho da UnitedHealth”, afirma. “E sem falar inglês direito.” É bom levar a sério o que diz Bueno. Afinal, sua trajetória empresarial foi trilhada à base de desafios. Nascido em Guarantã, a 400 quilômetros de São Paulo, ele foi um mau aluno na escola pública — repetiu quatro vezes a primeira série. O pouco dinheiro que possuía vinha de seu trabalho como engraxate. Quando tinha 14 anos, no entanto, um acidente em um armazém mudou sua vida. Atingido na cabeça por um fardo de algodão, Bueno perdeu a consciência por alguns minutos e precisou ser atendido pelo médico da cidade.
“Quando acordei e vi aquele médico de bigode, parecendo o Clark Gable (ator americano que foi um dos maiores galãs da década de 1930), decidi que faria medicina”, diz. Contra todos os prognósticos, ele se formou na Universidade da Praia Vermelha, posteriormente incorporada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Seu primeiro emprego foi em uma clínica na cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Às voltas com problemas financeiros, os donos da clínica ofereceram a ele o controle da empresa, desde que assumisse as dívidas. Bueno aceitou e colocou as contas em ordem. Sete anos depois, ele já possuía outras três clínicas, o que lhe permitiu criar a Amil, em 1978. O resto, agora, já é história.
Com a bolsa cheia
Ela é a quarta mulher mais rica do Brasil. Sua fortuna é estimada em R$ 4 bilhões pela revista Forbes. Na semana passada, Dulce Pugliese, ex-mulher de Edson de Godoy Bueno, fundador da Amil, embolsou R$ 3,2 bilhões, com a venda da operadora de planos de saúde brasileira para a americana UnitedHealth. Dulce casou-se com Bueno quando os dois ainda estavam na faculdade, na década de 1960. Eles tiveram dois filhos, Camila, hoje com 33 anos, e Pedro, com 22. Ela participou ativamente da administração da Amil desde a sua fundação. Atualmente, ocupava a vice-presidência do conselho da companhia. Em 2007, paralelamente à abertura de capital da empresa, o casal se divorciou. Dulce ficou com 49% das ações que permaneceram nas mãos dos sócios-fundadores, cabendo o restante ao ex-marido. Formada em medicina pela UFRJ, com PhD em gestão pela Universidade do Texas, a empresária atualmente mora em Austin, a capital do Estado americano.
Colaboraram: Luciele Velluto, Carlos Eduardo Valim e Rosenildo Gomes Ferreira