Apocalipse ao vivo: Brasil vive cenário de devastação ambiental
Cebes Debate discutiu crise ambiental. Fogo, calor acima da média e queda na qualidade do ar coloca o país em caos ambiental
No setembro que pode ser um dos mais quentes da história do Brasil*, a população sofre com uma das piores qualidades de ar do planeta e os riscos implicados pela crise climática que indiscutivelmente impacta o país. Estamos diante da pior seca da história – de acordo com dados Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden) – e incêndios devastando biomas como Amazônia, Pantanal e Cerrado.
A situação climática escancara os efeitos das políticas neoliberais, que priorizam o lucro e a exploração dos recursos naturais, num modelo que coloca em risco a segurança alimentar, o acesso à água e a saúde das populações mais vulneráveis, já afetadas pela falta de políticas públicas de proteção.
Apenas no estado de São Paulo, o número de focos de incêndio já supera em 42% o recorde anterior, segundo o Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e o O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitiu alerta laranja de perigo para baixa umidade para 15 estados e o Distrito Federal.
A degradação ambiental, alimentada por queimadas e a seca severa, atinge diretamente comunidades como agricultores familiares e povos indígenas, que dependem da terra para sobreviver. A fumaça gerada piora a saúde de milhares de brasileiros, especialmente os mais frágeis. Ao tratar o meio ambiente como mercadoria, o neoliberalismo ignora as consequências a longo prazo, aprofundando desigualdades e prejudicando o futuro de milhões.
A crise climática já chegou ao ponto de não retorno, portanto é urgente a adoção de políticas que priorizem a preservação ambiental e a justiça social, ou enfrentaremos um colapso ambiental com impactos ainda mais devastadores para as gerações futuras.
Fonte: Metsul
Cebes Debate discute a crise atual e as possíveis saídas para minimizar os impactos na saúde da população
“Estamos no umbral de um ponto sem retorno”, assim, o deputado estadual Renato Roseno (PSOL-CE) definiu a atual situação climática durante a realização do Cebes Debate da última segunda-feira (9). O programa recebeu Roseno e Sergio Rossi, coordenador do Núcleo Saúde, Ambiente e Mudanças Climáticas do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), para discutir a crise climática e seus impactos na saúde. A mediação foi feita por Alcides Miranda, integrante do núcleo Cebes no Rio Grande do Sul.
Em 2024, o Brasil enfrentou condições climáticas extremas em todo o território: enchentes no Sul, seca prolongada em várias regiões e incêndios, que podem estar relacionados a ações coordenadas, segundo relatório do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). As mudanças climáticas têm impactos desproporcionais no sul global e nas populações periféricas das cidades.
Sergio Rossi destacou a urgência de discutir a crise climática e suas consequências, enfatizando que não se trata apenas de uma crise acidental, mas de um processo intencionalmente organizado, moldado por escolhas políticas e econômicas. “Estamos nesse cenário por opção de um modelo político e econômico”, frisou.
Rossi, que é psicólogo de formação, mencionou que sua atuação atual está voltada para o debate sobre saúde, meio ambiente e mudanças climáticas, áreas em que se envolveu após o rompimento da barragem em Mariana, Minas Gerais. Ele relembrou que, à época, trabalhava na Secretaria de Saúde de Mariana e que essa experiência foi determinante para sua inserção na discussão sobre a necessidade de uma política de saúde ambiental no Brasil.
Ele também pontuou que essa discussão já existe há tempos no movimento sanitário, especialmente nas reflexões sobre os determinantes sociais e ambientais da saúde. No entanto, segundo ele, o debate se torna cada vez mais urgente diante da iminência de um ponto de não retorno em relação às mudanças climáticas.
Alcides Miranda destacou a crescente frequência e gravidade das crises, observando que, nos últimos 10 anos, enfrentou situações que não havia vivenciado nos 40 anos anteriores. Segundo ele, há duas leituras principais sobre esse fenômeno. Uma delas aponta para uma “espiral degradante de crises”, em que os eventos se tornam mais frequentes e os ciclos de crise se aproximam. A outra leitura, mais ampla, sugere que estamos vivendo uma crise civilizatória global, com episódios pontuais que parecem crises isoladas, mas que, na verdade, compõem um contexto crítico maior.
Miranda também mencionou a importância de refletir sobre como as instituições, especialmente as governamentais, lidam com essas crises. Ele destacou a existência de legislações que, em tese, preparariam os governos para agir em situações de emergência, como o decreto de calamidade pública, que permite a mobilização de recursos para defesa civil. No entanto, ele levantou uma provocação importante: “Essa legislação tem se mostrado insuficiente para que os governos atuem de forma eficaz em circunstâncias de crise”.
Ele questionou a capacidade dos governos de responderem adequadamente a eventos críticos, ressaltando a necessidade de aprimorar essas estruturas para enfrentar crises cada vez mais recorrentes e complexas.
Quais as possibilidades para o momento?
Para o deputado Renato Roseno é necessário debater a contradição entre capital e trabalho, que sempre foi central no capitalismo, agora se expandiu para incluir a natureza. Segundo ele, a crise não se limita mais à exploração dos trabalhadores, mas afeta diretamente o suporte da vida no planeta. “O que está em risco não é apenas a vida digna dos trabalhadores, mas a própria sobrevivência humana e ambiental”, afirmou.
Ele argumentou que essa situação não pode ser vista como uma crise episódica, mas como o resultado de um processo sistêmico de degradação ambiental, alimentado por décadas de queima de hidrocarbonetos e exploração desregulada dos recursos naturais. O deputado enfatizou que eventos como o superaquecimento dos oceanos, secas prolongadas e catástrofes climáticas, como as enchentes no Sul do Brasil, são consequências diretas desse modelo insustentável.
Roseno também criticou o tratamento atual das emergências climáticas, geralmente abordadas dentro do marco legal de desastres naturais. Ele defendeu a criação de uma legislação específica para reconhecer o estado de emergência climática, e citou um projeto de lei que apresentou no Ceará, apesar da forte resistência do setor industrial. “Esse não é um problema episódico; estamos lidando com um estado de emergência que vai durar sabe-se lá quanto tempo. Se não agirmos agora, enfrentaremos décadas muito difíceis”, alertou.
O deputado destacou a necessidade de descarbonizar a sociedade e desmercantilizar a natureza, criticando a financeirização dos recursos naturais promovida no Congresso Nacional. Para ele, proteger a natureza não deve envolver a sua monetização, mas sim a ampliação dos bens comuns. “A monetização da natureza não vai protegê-la. O que precisamos é desmercantilizar a vida e promover empregos verdes e uma verdadeira transição energética.”
As consequências das crises climáticas atingem primeiramente os mais pobres, que moram em áreas vulneráveis como encostas de morros e beiras de rios. Roseno defendeu que a descarbonização e a mitigação climática devem ser obrigações de todos os entes federados, e que uma macroeconomia de conversão para um novo padrão de produção é necessária para enfrentar esses desafios. Ele mencionou a grave desigualdade social no Ceará, onde 93% do estado é semiárido e, apesar disso, bilionários convivem com uma população majoritariamente pobre. “Esse nível de apropriação da riqueza e mercantilização da natureza é insustentável em qualquer sociedade”, concluiu.
Durante o debate, Sergio Rossi chamou a atenção para o fato de que a ocorrência de crises e desastres é o resultado de escolhas políticas, institucionais e econômicas. “Um desastre não é apenas um evento isolado, mas o reflexo de um processo contínuo e desregulado”, afirmou. Ele destacou que, ao focarmos apenas na resposta a esses eventos, como as ações da Defesa Civil e do setor de saúde durante emergências, deixamos de considerar as causas profundas que desencadeiam essas crises.
Rossi criticou a abordagem predominantemente reativa adotada pelas políticas públicas, argumentando que é necessário agir de forma preventiva, identificando as determinações políticas e econômicas que geram esses desastres. “Temos que discutir criticamente o modelo de desenvolvimento que escolhemos, que tem sido marcado pelo desmonte de políticas e estratégias construídas ao longo de décadas”, disse, referindo-se à flexibilização do licenciamento ambiental e ao chamado “pacote do veneno”, que desmontou importantes arcabouços institucionais de preservação ambiental e saúde.
Ele destacou que, nos últimos anos, especialmente nos últimos quatro, houve uma intensificação desse desmonte, mas que o problema não é recente, sendo fruto de um processo contínuo de escolha por um modelo de desenvolvimento que prioriza respostas imediatas, sem atuar de forma preventiva ou focar na recuperação resiliente. Rossi pontuou que o ciclo de gestão de crises, que deveria envolver preparação, mitigação de riscos, resposta e recuperação, está desequilibrado, pois as políticas se concentram apenas na fase de resposta, sem mudanças estruturais nos fatores que causam as crises.
Ele exemplificou essa questão com o caso dos desastres de mineração em Minas Gerais, em 2015 e 2019. Após esses eventos, surgiram discussões sobre zonas de autosalvamento, áreas em que as pessoas são responsáveis por sua própria sobrevivência, pois o Estado não consegue garantir a proteção em caso de desastres. “Estamos propondo o absurdo de que existem zonas onde a proteção do Estado não chega, deixando as pessoas à própria sorte”, criticou.
Para Rossi, é urgente que se avance no debate sobre as causas dessas crises e se proponham mudanças profundas no modelo econômico que gera essas emergências. Caso contrário, continuaremos lidando apenas com as consequências, sem resolver as raízes dos problemas.
Agenda de destruição
O deputado Renato Roseno destacou que a crise ambiental está diretamente ligada ao modelo econômico do Brasil, centrado na produção de commodities para exportação. “Nosso grande passivo ambiental hoje é o desmatamento, que está vinculado à produção de soja e carne, não de alimentos para consumo interno. O Brasil não é apenas um país minerador, mas sim ‘minerado’ por grandes corporações,” criticou.
Roseno apontou a necessidade urgente de uma legislação de emergência climática que estabeleça metas e indicadores claros para a redução das emissões de carbono e responsabilize as empresas que não cumprirem com essa descarbonização. “Não faz sentido manter empresas abertas, como as responsáveis pelos desastres de Mariana e Brumadinho, que continuam atuando sem mudanças significativas em suas práticas,” ressaltou.
O deputado também criticou a contradição nas políticas governamentais, mencionando, por exemplo, o incentivo à exploração de petróleo na margem equatorial, que é incompatível com a agenda ambiental. “Onde houver hidrocarbonetos, eles devem ficar no chão. Não podemos mais continuar com esse modelo,” enfatizou.
Roseno defendeu a responsabilização dos estados e governos que não adotam medidas adequadas para a mitigação das mudanças climáticas. Ele citou como exemplo uma ação movida pelo PSOL no Ceará contra a flexibilização do licenciamento ambiental, que coloca em risco o equilíbrio ecológico e a segurança da população, especialmente em regiões semiáridas. “Precisamos de mais rigor, não de menos,” afirmou, ressaltando que o fast-tracking ambiental que tem sido adotado em várias partes do país apenas facilita a destruição ambiental.
Por fim, o deputado destacou a necessidade de uma transição econômica, afastando o Brasil do modelo de exportação de commodities e de zonas sacrificiais, como o semiárido cearense, onde há planos de utilizar grandes quantidades de água para a exploração de urânio. “Transformar esses territórios em zonas sacrificiais, onde seres humanos são colocados em risco em nome da energia nuclear, é inaceitável,” criticou. Roseno defendeu uma moratória sobre a exploração de hidrocarbonetos e a desativação de usinas termelétricas, especialmente em um país rico em fontes de energia renovável como sol e vento.
Sergio Rossi destacou a ausência da participação do setor da saúde no processo de licenciamento de grandes empreendimentos, apontando que os impactos dessas atividades costumam ser sentidos primeiramente na saúde das pessoas. “Os impactos ambientais são claros, mas é na saúde das populações que as consequências se manifestam de forma mais evidente”, afirmou.
Ele explicou que a escassez hídrica, o desequilíbrio ecológico e o aumento de doenças transmitidas por vetores são exemplos de como essas atividades afetam a saúde pública. Além disso, a chegada de grandes contingentes de trabalhadores em áreas ocupadas por comunidades tradicionais, como quilombolas, pescadores e ribeirinhos, altera profundamente a dinâmica social, gerando problemas como aumento da violência e outros impactos sociais e econômicos.
Rossi sublinhou que o setor da saúde acaba sendo “o sentinela” desses impactos, sendo acionado apenas quando os danos já estão instalados e as repercussões sobre as comunidades já são evidentes. Ele sugeriu que o setor da saúde deve ter um papel mais ativo desde o início, participando dos processos de licenciamento e monitoramento dos empreendimentos. “Precisamos repensar a maneira como a saúde deve estar inserida nesse contexto, não apenas respondendo às crises, mas atuando de forma preventiva”, concluiu.
O Cebes Debate está disponível no canal do Cebes no YouTube
Fonte: Fernanda Cunha/Cebes